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CONTO DE FÉRIAS - O DIA DA LUZ - JEREMIAS MOREIRA


O DIA DA LUZ
Conto de férias de Jeremias Moreira

Faminto, cansado, ciente de que me arriscava, mesmo assim caminhava a descoberto, sem prudência, a passos firmes como se quisesse mesmo me expor. Nesses tempos confusos eu deveria ser mais cauteloso, pois em rio que tem piranha jacaré nada de costas. Pensava nisso quando dei com o supermercado. Ou melhor, do que restara do supermercado porque, como tudo, estava completamente aniquilado, embora conservasse seu cafona pórtico pós-moderno, por onde passara diversas vezes. Andei até lá e o atravessei mais uma vez. O curioso é que me senti pelo lado de dentro da loja. Sabia que esse tipo de local era propenso a fuçadores, por isso era melhor não dar bobeira. Olhei para os lados e só vi destruição. De algum lugar mais a frente, fora da vista, me chegaram rosnados que me puseram alerta. Eram raivosos!“Rosnar de cachorro! São vários! Cão briga por comida!” Cauteloso caminhei alguns passos na direção da possível refrega. Na passagem me armei de um pedaço de viga e levei como porrete. Assim que ultrapassei a gôndola os avistei. Eram três! Disputavam algo dentro de um fardo de aniagem. O maior deles queria ficar com tudo só para si e não deixava os outros se aproximar. Concluí que precisava agir rápido e resoluto, sem vacilo! Dei um baita berro, bem gutural, avancei como um louco e desfechei uma porretada nesse maior. Pegou na anca, o bicho sentiu a investida, deu um forte grunhido de dor. E, ganindo, meio cambaleante se mandou sem entender o que o atingira. Assustados, os outros dois o seguiram. O butim ficou! Examinei e descobri surpreso uma resma de bacalhau. Achei graça, até sorri! Não sabia como dessalgar, mas havia suficiente para matar a fome do grupo por alguns dias.

Isso aconteceu comigo porque hoje foi minha vez de sair da gruta pra tentar encontrar comida. Há três dias que o grupo só come raiz de árvore, cenoura e beterraba, que foram as únicas sementes que consegui que germinasse.

Eu sou Hitiro Nakagima e tinha uma horta de verduras bem ali, onde fica a gruta onde estamos acantonados. Fica na região leste da cidade.

Tudo começou há dois anos, no dia em que aconteceu um clarão, de deixar qualquer um cego, seguido de forte explosão e de intensa nuvem de poeira. Ficou conhecido como o Dia da Luz. Eu estava cavando um poço, e na hora H, hora do acontecido, eu estava lá no fundo. Mas, ouvi a explosão e depois, quando saí, vi a poeira que se formou. Por vários dias não se enxergava nada e era difícil respirar. Batia um forte ardume nas vistas. Minha casa e minha família foram varridas do mapa. Toda a horta também. Não sobrou nada! Nem tive tempo de pensar em nada. Por espírito de sobrevivência, passei a viver na gruta, que é um lugar fresco e úmido, e onde costumava guardar as sementes. Ali fiquei não sei quantos dias, antes de me aventurar e ver o que resultou daquilo. No primeiro dia que saí encontrei a menina. Andava pela rua como morta viva, dias depois encontrei o Marcos e a mulher louca, que diz que vê o futuro. Se a Miranda vê o futuro de verdade devia ter previsto o que sucederia. Hoje, quando partia ela disse para eu tomar cuidado porque haveria embate. Depois que topei com os cachorros achei que fosse a esse embate a que ela se referia.

Alguns dias depois apareceram a Madá e o Fred, arrastando a Margô em uma maca improvisada. A Margot era bailarina do Municipal e durante a explosão caiu uma viga sobre ela, que esmagou sua perna.  Acho que ela não vai dançar mais, nem teria onde!

Devem ter sobrado pouquíssimas pessoas. De tempos em tempos a gente vê alguns, apenas de longe. Com o passar dos dias aprendemos que nem todo mundo é amistoso. Pelo contrário, alguns são verdadeiras feras, acham que o privilégio da sobrevivência é só deles.


Hoje mesmo, depois que fiquei com a resma de bacalhau, vi apontar distantes dois sujeitos carecas. Os carecas são da Turma Delta. Eles me avistaram e vieram babando em minha direção. Sorte que nesse instante surgiram o Marcos e o Fred. Bem, agora éramos três contra dois. Sentindo-se em desvantagem os deltianos se mandaram. Foi a vidente Miranda que previu que eu estava em perigo e mandou-os em meu socorro. Depois dessa acho que não vou mais duvidar dos poderes paranormais dela!

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