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O primeiro trem. - Sergio Dalla Vecchia



O primeiro trem.
Sergio Dalla Vecchia


Era Natal.

A família toda estava reunida na sala  de estar do sobrado da Rua Luiz Goes.

Eu e meus três irmãos estávamos muito ansiosos, pois já era quase meia noite e o Papai Noel estava por chegar trazendo os nossos presentes.

O Eduardo, o mais velho havia pedido uma bicicleta Monark aro vinte e seis,  pois já tinha mais de quinze anos e se achava o “adulto”.

O Pérsio, meu irmão gêmeo esperava uma nova bola de basket. A bola velha já estava com os gomos gastos e vários deles sem couro. Ela até que aguentou muito, pois havia uma cesta no quintal e aconteciam diariamente inúmeros rachas. O mais interessante é que no jogo de vinte e um, no qual participam apenas dois jogadores o resultado era sempre alternado, ora era eu o vencedor ora meu irmão gêmeo. Havia lógica nisso, pois éramos  idênticos, na aparência, peso e altura. Assim ganhava sempre quem estava com mais garra. A diferença era sempre de uma cesta.

O irmão caçula pediu um velocípede, que era um triciclo muito em moda na época.

Eu pedi um trem elétrico da ATMA. Era uma miniatura do famoso trem de passageiros que fazia a rota São Paulo / Barretos.

A noite estava estrelada  dignificando da importância da data do nascimento de Jesus.

Por fim as esperadas doze badaladas do relógio antigo ressoaram pela sala toda como prenúncio de felicidade e alegria.

Em seguida  ouvimos a voz do meu pai lá do andar de baixo:

 — O papai Noel esteve por aqui e deixou alguns presentes, desçam aqui, venham ver que como são lindos !

A tática dos meus pais era essa, enquanto éramos distraídos na sala pela minha mãe, meu pai descia para o andar de baixo e abria uma pequena sala que seria uma futura adega e que servia como guarda volumes deles, pois só eles tinham a chave.

Meus irmãos e eu descemos a escada voando e fomos direto para a adega e pronto! Lá estavam os nossos queridos presentes.

A bicicleta Monark do Eduardo era linda com os para-lamas na cor vinho e os cromados reluzentes!

A bola de basquete do Pérsio era de couro marrom, com gomos muito bem costurados  e tinha aquele cheirinho de couro novo que todos nós apreciamos.

O caçula  montou no seu velocípede de imediato e já deu umas voltas externando toda a sua alegria, com um lindo sorriso e brilhos nos olhos.

Em fim o meu presente. Lá estava a grande caixa de papelão que na sua tampa estampava uma gravura da composição do trem  dos meus sonhos.

Após todos abrirem os presentes, subimos para cearmos. Os brinquedos foram vistos, apalpados e cheirados, mas para brincar mesmo só no dia seguinte. Essa era a regra lá de casa.

Todos à mesa e meu pai dizia algumas palavras de agradecimento ao menino Jesus pela fartura daquela refeição, pelo  bom ano, pela nossa saúde e pela prosperidade. Daí  sim iniciávamos a ceia.

Após muitas conversas e a barriga cheia, o sono surgiu de repente e nós crianças fomos todos cambaleando para as nossas camas. Desmaiamos de sono!

O dia amanheceu e eu desci desesperado  para montar o meu trem elétrico.

Escolhi um lugar seguro embaixo da escada que era ideal para se montar os trilhos.

Assim fui montando um a um os segmentos de trilhos, até que o circuito composto de duas retas e duas curvas de 180º graus se formou. Agora faltava ligar o transformador e pronto.

A  energia elétrica estava ligada e a locomotiva já podia se mover, bastava apenas colocá-la nos trilhos.

Na sequência montei o cenário, que consistia de uma estação ferroviária  e uma casa de fazenda com miniaturas de vacas, cavalos etc.

Enfim, tudo pronto. Peguei a locomotiva de dentro da caixa e a instalei  nos trilhos.

Meu Deus, que imponência! Era a réplica de uma locomotiva elétrica “GE A1A- A1A” e estava nas minhas mãos! 100t de peso e quase 20 metros de comprimento!

Ela era na cor azul e tinha a marca da Companhia Paulista de Estradas de Ferro “CP” em branco. Igualzinha a verdadeira.

Sim, eu sabia, pois viajei varias vezes nesse trem quando ia para Barretos, cidade onde nasceu o meu pai.

Coloquei-a nos trilhos. Acionei a alavanca de avante no transformador e pronto. Lá foi minha locomotiva desfilando pelos trilhos. Eu estava maravilhado! Eu me deitava com a cabeça junto aos trilhos e a admirava com meu próprio zoom a passagem dela quase raspando no meu rosto.

Após algumas voltas parei a GE na estação e fui pegando um a um dos cinco vagões que formavam a composição:

O do correio, o restaurante, o Pullman, o de primeira classe e o de segunda classe. Todos na cor azul e o teto em prata. Fui colocando-os nos trilhos, sentindo, admirando e recordando minhas viagens.

Enfim a composição estava completa, todos os vagões engatados à locomotiva e tudo pronto para iniciar a viagem inaugural do meu trem! Só minha!

Assim a composição partiu. Eu me posicionei deitado junto aos trilhos e extasiado com a passagem de cada vagão junto ao meu rosto.

 O vagão Pulman com suas poltronas giratórias, o restaurante com suas mesinhas ornadas cada uma  com o seu abajur, o de primeira classe com seus bancos estofados  na cor vinho e o da segunda classe com  bancos revestidos de palhinha.


Assim o trem passava e por vezes eu era acordado por alguém, pois havia dormido embalado pelo som  dos trilhos emitido pelas rodas passando pelas suas emendas: tetreque-tetreque, tetreque-tetreque... E viajando, viajando me veio um sono danado. Vou cochilar por essa prazerosa lembrança.

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