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A LENDA DA PRINCESA DO LAGO - Carlos Cedano






A LENDA DA PRINCESA DO LAGO
Carlos Cedano

Eric Lindström um jovem sueco e engenheiro hidráulico recebeu proposta de trabalho vinda do Chefe Regional do Ministério de Obras do Perú, Engenheiro Pedro Diaz. Era para colaborar na implantação do sistema de bombeamento de agua para o lago do Oásis de Huacachina, próximo da cidade de Ica na costa sul do país.

Foi uma surpresa agradável pra ele já que não esperava uma resposta tão imediata de sua carta. Eric procurou mais informações sobre o oásis nas bibliotecas e entre os colegas e ficou sabendo da lenda da princesa que foi surpreendida por um caçador enquanto tomava banho, mas conseguiu fugir. E, voltar para a piscina algo raro aconteceu: a piscina se tornou um lago e o véu de suas roupas tornaram-se as dunas. Há rumores de que ela vive até hoje no fundo do lago como uma sereia.

Desde garoto Eric tinha especial interesse por mitos e lendas e “devorava” toda obra, artigo ou revista que tratasse desses temas, Ele tinha a convicção de que em todos eles existia um “fundo de verdade”. Aceitar o convite lhe permitiria juntar o útil ao agradável, o que alimentou seu desejo de conhecer Huacachina.

 O engenheiro Diaz lhe explicou que, devido o esgotamento do lençol freático, a única forma de evitar o desparecimento do oásis era bombeando água para o lago, e o projeto precisava de engenheiros de sua especialidade. Desde o começo o rapaz mostrou-se um trabalhador infatigável e responsável ganhando a confiança de seu chefe que foi delegando-lhe cada vez mais responsabilidades, em pouco tempo a relação se transformou numa relação de amizade.

Eric tinha uma qualidade especial: sua capacidade de relacionar-se bem com as pessoas. Em pouco tempo conseguiu conhecer o Padre Garcia, um velho e querido sacerdote dominicano que morava há mais de cinquenta anos na cidade, conheceu também dona Maruha, a ajudante do Padre Garcia, além de muitas autoridades da cidade. Era estimado  e respeitado por todos!

Foi dona Maruha que o informou sobre pessoas e lugares de interesse na região e por ela soube da existência de um pequeno povoado chamado Cachiche, também perto de Ica, conhecido como a “cidade das bruxas”. Desde tempos imemoráveis os habitantes da região sabiam que todas as mulheres dali eram iniciadas na prática da bruxaria, era como   uma tradição familiar. Esta informação excitou ainda mais a curiosidade de Eric. Num fim de semana em que visitava a casa do engenheiro Diaz perguntou-lhe:

         ― Pedro, soube de um lugar chamado Cachiche onde as mulheres são consideradas bruxas, até que ponto isso é apenas uma crença, ou possui um fundo de verdade?

O engenheiro pensou um pouco, refletindo no que ia falar, respirou fundo e disse:

         ― Eric, eu nunca vi uma bruxa, mas sei de muita gente que acode a essa cidade seja para realizar “trabalhos” de feitiçaria contra as pessoas que odeiam seja para pedir trabalhos para eliminar “encostos” que afetam sua saúde ou seus negócios. Eu nunca estive presente numa sessão dessa natureza, mas tenho o testemunho de muitos amigos que acreditam e me disseram que no caso deles “funcionou”. Como diz o refrão espanhol: No creo en brujas, pero que las hay, las hay!  

Antes de ir embora seu chefe lhe disse pra falar com o Padre Garcia, ele escuta muitas confissões, conhece melhor a cidade e poderá orienta-lo melhor sobre esse assunto.

E assim foi! Marcou com o padre e chegando a Ica encontraram-se e foram almoçar. Após um gostoso almoço e bem à vontade, Eric contou-lhe o que sabia sobre Cachiche.  Durante sua conversa com Diaz. O rapaz percebeu que o padre mudou de semblante e lhe perguntou:

         ― O que quer saber sobre isso? Você não sabe que isso e heresia quando não é charlatanismo e que todo bom cristão não pode acreditar nem indagar sobre isso?

         ― Meu interesse é somente cultural, gosto de ler sobre essas coisas, é um tema que me fascina e quando leio ou escuto sobre isso me sinto penetrando em outro nível de conhecimento, num mundo que me seduz. Gostaria conhecer essa cidade e suas gentes! - Respondeu Eric.

         ― Eis, aí que mora o perigo! ― retrucou o padre  ― Aos poucos você vai sendo envolvido numa atmosfera de fantasias e ilusões e acaba renunciando a seus valores e crenças mais fortes, disse-lhe o padre enquanto as lagrimas escorriam de seus olhos já quase chorando! Parecia estar falando dele mesmo!

O padre saiu rápido do restaurante sem despedir-se de Eric. O rapaz ficou atônito e sem compreender o que o teria ofendido.

Na semana seguinte sua mente foi invadida por perguntas sobre a reação do Padre Garcia. Pensou que talvez Dona Maruha pudesse ajudá-lo a entender a situação, sim! Essa será a melhor coisa a fazer.

No sábado seguinte cedo foi para Ica à residência dona Maruha. A jovem solteirona, que não sabia do motivo da visita, o recebeu com um sorriso de amizade e o convidou a sentar-se e foi logo perguntando:

         ― A que devo o prazer desta visita inesperada, engenheiro?

Desta vez foi Eric que parou para pensar com cuidado do que iria pedir pra dona Maruha. Após uns “eternos” vinte segundo de silencio:

         ― Dona Maruha, domingo que passou almocei com o Padre Garcia e.... Eric relata a conversa que teve com ele. Não sei qual foi meu erro, mas nunca me perdoarei se o ofendi de alguma forma. A senhora poderia ajudar-me a entender essa situação? Perguntou Eric.

         ― Eu também estou surpresa - respondeu dona Maruha. Nesta semana aconteceram coisas estranhas na igreja, a começar pelo comportamento do padre mostrando-se nervoso e triste, parecia que o medo estava invadindo sua alma e ninguém compreendia o motivo, não respondia às indagações que lhe faziam, se envolvia num mutismo ou se escondia no seu quarto, com certeza estava sofrendo muito! Mas, o que mais me chamou atenção - continuou dona Maruha - foi quando me pediu para chamar o Padre Renato, sacerdote de outra paroquia, por que queria confessar-se. Rapidamente fui procurá-lo, estava preocupada com o aspecto do Padre Garcia, algo o atormentava.

― E depois? Perguntou Eric ansioso.

― Quando cheguei com o padre Renato, o Padre Garcia imediatamente o levou a seu quarto onde ficaram por muito tempo! Não dava para escutar nada! Mesmo quando encostei meu ouvido na porta. Fui esperar na sacristia e, subitamente, o Padre Renato saiu do quarto gritando e dizendo que não o absolveria de seus pecados, que esse tipo de heresia não podia ser perdoado, visitar um curandeiro excomungado pela Igreja não era admissível num cristão, comunicaria o fato ao Bispo, e foi embora cheio de raiva!

― Que teria acontecido? Perguntou Eric preocupado.

― Pelo que sei o Padre Garcia vivia queixando-se de uma seria de males, reumatismo, azias, dores lombares e muita ansiedade, vivia em continuo estado de pânico que nenhum médico da cidade conseguia curar. Mas, agora vem o mais curioso, continuou dona Maruha, aos poucos o padre Garcia foi melhorando, as dores quase desapareceram, estava mais calmo e alegre, parecia ter renascido. Todos comentavam esse fato que mais parecia um milagre.

― Pelo que você conta após de uma situação de melhora quase miraculosa de sua saúde, temos agora uma situação oposta que deixou o Padre Garcia em estado prostração. Como se explica isso? Indagou Eric.

Dona Maruha ficou calada por um tempo, parecia relutar em contar um segredo que guardava e também a atormentava, finalmente não se conteve e falou:
       
― Corria a boca pequena que o Padre Garcia visitava na calada da noite o Senhor de Cachiche, pelo menos uma vez por semana, nesta cidade você não esconde por muito tempo seus segredos! Você já imaginou Eric! Um pároco visitando o Senhor de Cachiche, seria um escândalo pra a igreja e pra cidade, e quando você falou de visitar Cachiche o Padre Garcia deve ter sentido um terrível medo de que descobrissem seu segredo, mas a essa altura suas escapadas para “consultar-se” com o Senhor de Cachiche já eram Vox Populi. Essa situação o está matando!

         ― O Senhor de Cachiche! Gostaria conhecê-lo!  Completou Eric.
         ― Ele é um xamã muito conhecido e recebe muitos pedidos de “consultas” sobre doenças e pra fazer “trabalhos” ou neutralizar efeitos de encostos ou feitiços. Cura através de conversas demoradas, ele lê a alma das pessoas dizem. E com ajuda de mistura de ervas, raízes, flores e cascas de árvores obtêm bons resultados, é por isso o desespero dos médicos da região! Mas sua maior fama é como vidente, enxerga coisas e situações que mais parecem profecias. Diz-se que sua mãe foi a bruxa más famosa de Cachiche, Julia Hernández de Díaz, que morreu com 106 anos, mas ele nunca confirmou isso.

Numa típica noite de verão, com céu limpo, lua cheia iluminando a cidade e o deserto, o vento vindo do mar brindava um suave frescor que a todos agradava. Eric chegou a Cachiche e dirigiu-se até a casa do Senhor de Cachiche. Ele o recebeu à porta, vestia calça branca e camisa sem colarinho também branca  com chapéu de palha na mão. Aquele senhor magro, de pele morena e com rosto cujos traços denunciavam sua origem índia, o esperava com um sorriso discreto e logo foi lhe dizendo:

         ― Seja bem-vindo Eric, eu o esperava há muitos anos! Dona Maruha me diz que queria falar comigo. Tenho acompanhado sua vida durante todo esse tempo desde que você chegou a nossa região e acho que sei mais de você que você de mim. Talvez gostaria saber alguma coisa de mim Eric?

         ― Como devo chama-lo?

         ― Meu nome é Yaguar Sinchi, nome de origem inca, mas você pode me chamar de Dom José como meus familiares e amigos íntimos.

Após contar à grandes rasgos sua vida e as suas experiências em Ica, Eric entrou no assunto que o levou até ele:

― Sempre estive convicto que em toda lenda ou fantasia coletiva há sempre um fundo de verdade, esta certeza me estimulou a vir aqui para ver de perto Huacachina e tratar de saber mais sobre a princesa do lago. O que fiquei sabendo, através de muitas conversas com pessoas notáveis e comuns, foi basicamente a mesma história. Tenho a impressão de que não estou conseguindo ampliar minha percepção do significado da lenda.

Após de mais de três horas de conversa Dom José lhe disse:

         ― Sua vida interior é muito rica Eric, mas ainda lhe falta formação espiritual para atingir outros níveis de consciência.

Houve silêncio durante alguns minutos: 

         ― Eric gostaria ajudá-lo a atingir o que lhe está faltando. Você está disposto a iniciar seu aprendizado comigo?

Perante a resposta positiva de Eric, Dom José completou:

 — Você será levado a um autoconhecimento que poderá ser uma experiência muito forte e intensa, terá que lidar com seus demônios e suas contradições internas porem, você tem a vantagem de possuir uma alma “pura”!  Dom José se levantou e disse pra seu novo amigo que o esperaria no próximo sábado.

Nos três anos seguintes Eric assistiu “religiosamente” às reuniões com Dom José e aprendeu a manipular ervas, raízes, flores e folhas. Conheceu a utilidade de cada uma e das diferentes combinações entre elas, também aprendeu e experimentou diversas bebidas que, segundo Dom José, o ajudariam a aumentar a percepção de outras dimensões espirituais.

Nesse período faleceu o Padre Garcia de depressão profunda,  e o Engenheiro Diaz foi trabalhar na capital do país. Eric agora era subchefe regional do sistema hidráulico e continuou morando em Huacachina.

Ambos se reuniam duas vezes por mês para desenvolver o que seu tutor chamava de “leitura da alma”.  Dom José tinha lhe dito que, além das várias linguagens que, em maior o menor grau, todas as pessoas possuem há a chamada linguagem da alma! Escutá-la requer habilidade e paciência para senti-la e entendê-la. Essa leitura visa desenvolver no discípulo, neste caso você, a capacidade de ampliar seus estados de consciência que poderão levá-lo a outras dimensões da realidade!

Passado este período Dom José disse:

― Meu querido amigo, acho que você já está pronto para atingir o último estágio de seu desenvolvimento, você agora deverá estar atento, alguma coisa vai acontece-lhe que o fará mudar radicalmente de vida, não duvide, e fique alerta e sereno. Os dois amigos, se despediram e foi cada um à espera de seu próprio destino.

Mais de dez anos depois,  numa noite já quase meia noite, Eric que já beirava seus cinquenta anos, passeava como de costume em volta da lagoa quando subitamente à sua frente se deparou com uma bela mulher morena, esguia e de traços índios, seu vestido longo era da cor das areias das dunas. Eric continuou andando até ficar a menos de três passos dela. Com um suave e misterioso sorriso, ela lhe disse:

         ― Eric, eu sou a princesa do lago e você é a alma pura que durante tanto tempo procurei, você me acompanharia para uma viagem sem volta, para uma nova realidade? Eric nada disse, a felicidade refletida no seu rosto foi a melhor resposta! Deram-se as mãos, seus corpos se aproximaram e se fundiram emanando um resplendor com a intensidade de um pequeno sol, e partiram rumo ao infinito!

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