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O ACIDENTE - Jeremias Moreira


O ACIDENTE
Jeremias Moreira

Posso dizer que na juventude fui uma espécie de metamorfose ambulante. Era um tal de entra e sai na Febem que até perdi a conta.

Quando meu pai se mandou ficou um buraco em minha vida. Não que ele fosse um pai fabuloso, mas viver com minha mãe não era bolinho e ele ajudava a segurar as pontas. Já minha mãe, se sentiu alguma coisa, foi alívio. Eles brigavam muito.

Eu estava com dez anos e a Ciça, minha mãe, começou a levar os namorados para casa. Cada tipo pior que o outro. E, duravam pouco. A Ciça era parada dura.

Um deles, o Pequeno, era do tráfico e me usou diversas vezes para entrega de encomendas. Ganhei alguma grana nessa parada. Aliás, nunca entendi esse apelido, pois o cara media um metro e noventa e cinco e pesava mais de cem quilos.

Ele também não aguentou a Ciça e deu no pé, mas ficamos ligados comercialmente. Vez ou outra fazia alguma entrega para ele.

Eu estava com quinze quando o namorado da vez foi o Fininho, um cara violento. Uma noite, ao chegar a casa, ouvi os gritos de minha mãe. Era o  Fininho enchendo minha mãe de porrada.  Não deu outra, passei a mão numa garrafa e estourei a cabeça dele.

Deu Febem no ato. Até a Ciçá ficou contra mim. Talvez eu fosse um estorvo que ela quisesse se ver livre.

O fato de ter trabalhado para o Pequeno me deu moral lá dentro e sempre era incluído nas fugas. Aqui fora, na rua, ou a gente roubava ou fazia entrega pro Pequeno. Mas, passava um tempo e sempre éramos recapturados. Esse dentro ou fora durou até eu completar dezoito anos, quando não podia mais ficar por lá.

Aí o Pequeno deu a escrita:

- Toma jeito que a partir de agora a bronca é maior. Acabou Febem, agora é cana das brabas.

E me nomeou tenente do tráfico. Fiscalizava o pessoal do varejo. Mas, como diz o ditado: passarinho que anda com morcego dorme de cabeça pra baixo. Um tempo nessa vida e aprendi a fazer uns negócios por conta própria.

Certo dia me caiu no colo meio quilo de bagulho. Temeroso, entendi que podia ter a minha independência e a chance de mudar de vida. Meu olho cresceu e fugi com a mercadoria para Praia Grande onde pretendia fazer dinheiro e investir em algum negócio legal.

Certa noite, já com a grana na mão, conheci a Lilica, um avião de mulher. Dez anos mais velha que eu, porém com tudo em cima.

Um foguete nos negócios, ela tinha um restaurante por quilo em Maresias. Apliquei meu dinheiro e ficamos sócios.

Tudo corria bem até a noite que apareceu um enviado do Pequeno. Um guarda roupa albino. O homem dava dois de mim, falava manso, mas firme. Disse que lamentava, mas precisava me levar ao Pequeno.

A contra gosto entrei no carro e sentei ao seu lado. O sujeito deu a partida e na minha cabeça começou a passar o filme do que iria acontecer. Não era nada agradável.

O Pequeno sempre fora legal comigo e eu dei mancada. Se tem uma coisa que esse pessoal não perdoa é a trairagem. E, eu cometi o erro de cuspir na mão que me alimentou.

A noite estava um breu, o céu carregado e trovão pipocando a torto e a direito. Mal se enxergava a estrada. Logo à frente começamos a descer a serra de São Sebastião e percebi certa dificuldade do albino com o carro. No meio da curva o freio travou. O carro derrapou para a esquerda e capotou. Olhei para meu algoz desmaiado ao meu lado. Tratei de livrar-me do cinto e escapar. Finalmente me veria livre do inferno!

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