Enxergando
com a alma
Suzana da Cunha Lima
De manhã eu tirei o tampão dos olhos e a luz que
vinha da janela me ofuscou com um brilho até então, por mim desconhecido. Pisquei sem querer acreditar no que estava
vendo: cores, cores de todos os tons e nuances, com os mais variados brilhos. O
que eu estava acostumada a ver opaco e desbotado, de repente tinha adquirido
vida, como se fossem recém-pintados. Senti-me como deitada nos jardins de
Monet, submersa nos canteiros de suas flores de
tantos matizes e fulgores, debaixo de um céu absurdamente azul.
Sentada em minha cadeira,
varria minha sala com um olhar encantado, como criança quando recebe um
presente inesperado. Achei minha casa
linda e brilhante, como se um decorador tivesse acabado de decorá-la. O tecido alegre
das almofadas se destacava contra o acastanhado dos sofás e as molduras
douradas do quadros realçavam as cores das telas. Minha planta de estimação,
uma jiboia que cresceu enroscada na coluna, parecia ter sido untada com algum
óleo especial, tão magnífica era a cor de suas folhas.
Nunca tomei LSD mas soube
que é uma das sensações mais recorrentes: a percepção exagerada das cores. Antes eu via o mundo desbotado, sem saber
como são belos os tons de vermelho e azul e como o branco grita, de tão forte e
luminoso.
Experiência maravilhosa:
eu fechava o olho operado e via com o outro e depois abria o operado. Que orgia
de cores! Como o mundo se oferece, gratuitamente, aos nossos olhos, tão belo,
resplandecente e gentil!
Sei que daqui a pouco vou
me acostumando e talvez nem perceba mais a diferença entre o antes e o
depois. Mas por ora, como sou grata por
me terem devolvido o dom de enxergar com nuances e brilho.
É como olhar com a alma, que é
quem pode perceber as sutilezas contidas
nas imagens, muito além da forma ou conteúdo.
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