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IMPRESSIONISMO - Oswaldo Romano


IMPRESSIONISMO
Oswaldo Romano         
                                                                     
        Tenho que reverenciar os pintores impressionistas. Antes na juventude, tempo em que dava pouca atenção ao mundo das artes, achava-as simplesmente bonitas. Via nelas um carinhoso cuidado de quem não sabia bem o que fazer no futuro.

        Assim, apanhavam uma pedra e martelando-a nasciam formas que os levavam a identificar uma possível figura. Animados às completavam, direcionados aos impulsos que sentiam. Nascia uma obra que apresentavam aos aficionados como cuidadosamente programada. Era assim que via os escultores.
        Ideia semelhante carregava nos meus 18, 20 anos a respeito dos pintores identificados como impressionistas. Eram vistos comparados as primeiras máquinas fotográficas cujas lentes imperfeitas registravam uma imagem desfocada.

        — Era a propósito? —Não! Estas não eram! Faltava tecnologia. Os construtores duvidavam tê-las um dia como a vista humana. Nossas vistas instantaneamente medem a distancia da imagem, e mais, perto ou longe.

Mas não se passaram muitos anos, estão chegaram lá.

        Analisando o impressionismo na pintura, deduz-se que aconteceu o contrário. Imagens perfeitas, nítidas,  os melhores das artes fazem com seus pinceis.  Fáceis delineadas, superiores. Orgulhavam-se, de conviverem com reis, príncipes e princesas em seus palácios. Contratados para pintarem suas imagens, abrigados em majestosas salas, ou as mais ousadas em seus aposentos, desdenhavam do mundo exterior. 
      
        Já, os pintores impressionistas mudaram, saíram das sombras. Iluminaram a pintura e se iluminaram. Suas obras davam-nas prontas quando sentiam realizados seus egos na amplidão, o céu e o sol, certos de terem alcançados seus ideais.

        Renoir, Monet, Pizarro e seguidores revolucionaram o mundo com seus inigualáveis trabalhos. Monet retratando  na catedral de Rouen, na Normandia, curtia a distância sua linda mulher Camile vestindo aquele vestido verde. Reproduziu com seus pinceis a tela “Vestido Verde”, um quadro que agitou o mundo do impressionismo.


        Renoir, difícil é cair no godo um quadro seu mais lindo que “Lise Com a Sombrinha”. Encanta os aficionados. É a porta que nos leva a conhecer seu enorme  cabedal, como vimos na apresentação de Deborah  Paiva no Clube Alto dos Pinheiros.

O IMPRESSIONISMO INDICOU O CAMINHO! - Jeremias Moreira

Almeida Junior


O IMPRESSIONISMO INDICOU O CAMINHO!
Jeremias Moreira

Foi na casa da Maria Amélia que topei com a edição francesa do livro Les impressionnistes. Pertencia à coleção de sua  mãe. Grã-fina e preconceituosa com os simples mortais, não aprovava o relacionamento que a filha mantinha comigo. Para ela eu era um joão-ninguém que sofria de apatia intelectual. Isso, sem saber o que acontecia em sua casa, nos finais de semana em que acompanhava o marido à fazenda. Não que não tivesse um pouco de razão, pois nessa época estava para completar dezenove anos e vivia nu com a mão no bolso. Andava meio sem rumo e levava a vida na flauta. Jogava futebol e via nisso o meu futuro.  Até que, ao folhear  o livro, um mundo de perspectivas se vislumbrou.

A irreverência daquelas pinturas com seus borrões, a luminosidade, os gestos marcantes das pinceladas, o uso das cores puras e vibrantes, enfim, foi uma descoberta que me impactou. 

Na medíocre vida estudantil que tive, o desenho foi uma exceção. Era um dom natural que nunca imaginei desenvolver. Mas, acesa pelo que descobri naquele livro, uma chama despertou dentro de mim.

A Escola Industrial mantinha um curso de pintura. Consegui me inscrever como ouvinte. Era um curso rudimentar onde a orientadora sugeria quadros de artistas consagrados para que os alunos fizessem cópias. E, eu as fiz ! Entre outras, dos quadros Almoço na Relva e Olympia, do Manet e Impressão, nascer do sol, do Monet. Aliás, esse quadro troquei por um relógio Orient, com uma vizinha.

Naquele final de ano, acredito que pressionada por sua mãe, ou quem sabe  por percepção própria, Maria Amélia rompeu comigo. Foi um duro golpe na minha auto-estima. Compensei me dedicando mais à pintura, até entender que ali, naquela cidade do interior, não havia perspectiva de um razoável aprendizado.

Iniciava-se o ano de 1964 e me mandei para São Paulo. Fui aceito na Escola de Belas Artes, que funcionava no prédio da Pinacoteca. E, foi aí, na Pinacoteca, onde conheci Almeida Junior e, pela segunda vez, fui arrebatado pela pintura. Diante da força daqueles caipiras, retratados na mais  pura espontaneidade, vigor e altivez, eu pirei. As pinturas de Almeida Junior atingiram em cheio meus instintos atávicos. Talvez tenha sido o instante em que me descobri caipira.

Mas, se por um lado me sentia estasiado, dois meses de aula de pintura me sinalizaram que eu não seria nada além de um pintor inexpressivo.

Voltava a me sentir como um cão despencado de um caminhão de mudança.

Dias depois, como todas as manhãs, desci do ônibus “Vila Mariana/Largo Gal. Osório” no ponto próximo à Estação Júlio Prestes, tomei o rumo da Escola de Belas Artes, onde, obrigatoriamente, passava na frente do DOPS.

Mas, nesse dia, uma inquietação me apossou. O trajeto estava apinhado de soldados do exército fortemente armados e o prédio, que logo depois viria a se tornar um dos símbolos da repressão do regime militar, isolado por barricadas e cercas de arame farpado.

Passada a apreensão, vi-me atraído pela estética sinistra daquelas manobras em meio à neblina, que criava uma ambientação de cena de filme europeu.

Sem me dar conta de eventuais perigos foi ficando por ali. Fascinado e alheio aos gritos e advertências dos soldados, meus olhos, como lentes de uma câmera, registravam os acontecimentos. Minha cabeça funcionava a mil e passou a executar uma edição instantânea: do plano geral daquela movimentação de guerra, tendo como fundo a Estação da Luz, um corte para as lagartas do tanque que passou veloz. Depois para a postura sisuda do soldado que segurava acintosamente um fuzil. Registrei a expressão resignada do catador de papel impedido de seguir com seu carrinho entulhado de sucata, tendo ao lado o seu cão fiel que olhava assustado aquela balburdia que quebrava a rotina do dia. Em seguida, os gestos prepotentes do sargento que obrigava as pessoas a contornar a praça. Na esquina, o olhar perdido do trabalhador que pitava seu palheiro e espiava, sem nada entender. O gesto assustado da dona de casa, que deixou apressada a padaria rumo a casa, com o pão e o leite para o café da manhã.

Enfim, estava excitado e atento a tudo o que fosse possível registrar.
Não fui à aula naquele dia, como não mais iria. Permaneci no centro de São Paulo e perambulei diversas vezes entre as praças da República e a da Sé, em busca de notícias e acontecimentos.


Essa experiência e o desejo de estar registrando – na memória – esses fatos históricos me trouxeram uma luz. Percebi que, como os pintores, eu queria ser um contador de histórias, mas minha linguagem era outra, não a pintura. Entendi que o meu jeito de contar histórias imprescindia do movimento e da dramaturgia. Descobri que o meu meio de expressão era o cinema.

APRENDENDO COM SEU NESTOR - CARLOS CEDANO



APRENDENDO COM SEU NESTOR
CARLOS CEDANO

Não era a primeira vez que seu Nestor e seu neto adolescente visitavam esse museu. As visitas faziam parte de um propósito maior do avô: mostrar para Mauricio a beleza da pintura que seu próprio avô tinha lhe transmitido.

Nesta visita o iniciaria no Impressionismo.

— Pra mim ― comentou ele ― esse movimento teve o mérito de superar a “camisa de força” imposta pela postura rígida e muitas vezes autoritária do formalismo, foi uma espécie big-bang na arte que facilitou o surgimento das numerosas tendências atuais da pintura, foi uma explosão de beleza, de criatividade e estilos!

No momento eles estavam contemplando um belo quadro de Edgar Degas onde jovens dançarinas apareciam num movimento “congelado” pelo pintor. Mauricio perguntou:

        ― Vô, como fez ele para parecer que elas flutuam sem fazer esforço nenhum!

O velho senhor sorriu e disse:

        ― Você observou bem meu filho, é o autor que nos passa essa sensação, veja meu pequeno amigo que a luz, as cores e as pinceladas soltas que utilizou contribuíram pra criar a sensação que você percebeu, enquanto assinalava os detalhes à medida que falava.

Caminharam pelos corredores do museu e logo se depararam com um quadro de Toulouse-Lautrec, No Moulin Rouge: A Dança, onde o pintor retrata uma cena típica dos bailes e personagens de sua época no bairro de Montmartre. Seu Nestor disse:

―Toulousse-Lautrec é considerado um pos-impressionista. Movimento que acentua a explosão de cores herdada do impressionismo, elas são vivas e libres e as imagens fortes retratam temas da vida real. Veja Mauricio que o contorno das imagens é dada pelas cores, completou o avô.

Mauricio não respondeu, o quadro o tinha marcado, estava extasiado com aquela cena retratada pelo autor e da qual parecia escutar a música no meio de um frenesi de risos, gritos e até imaginava a dança dos casais. Por um instante teve a impressão que estava no próprio Moulin Rouge!

Sentaram pra descansar a pedido do avô, e Mauricio aproveitou pra perguntar:

― Vô, como você fez para conhecer tanto sobre os pintores, suas vidas e suas técnicas?

        ― Bom, disse o vovô, tenho muitos anos visitando museus, exposições e leio muito sobre pintura, mas o que tenho a te dizer mesmo é que a contemplação de uma pintura não se limita ao simples olhar fotográfico; as obras dos grandes mestres imprimem em nos emoções, nos comovem e até nos perturbam, captar isso, pra mim é o mais importante!

O menino atendeu o chamado do avô quando lhe propôs continuar a visita e lhe disse:

― Mauricio, estamos agora numa sala onde se encontram cinco quadros de dois grandes pintores: Joan Miró e Salvador Dali e que foram emprestados por um museu espanhol.

Ao entrar a impressão mais forte que atingiu nosso jovem aprendiz foi a sensação de estar num mundo fantástico!  Seu Nestor parou e explicou lhe:

― O que caracteriza a escola surrealista é a ausência de limites, os pintores trabalham suas obras numa “realidade” diferente e com plena liberdade de criação, muitas de suas pinturas, além de repletas de humor, sonhos e utopias são contrarias à lógica!

O avô percebeu que seu neto estava concentrado num dos quadros ― O Enigma de Salvador Dalí ― e com um ligeiro sorriso assomado em seus lábios. De vagar contemplou os outros quadros sempre com a mesma expressão no rosto. Ficaram quase uma hora na sala. Rumo à saída o avô, com curiosidade, lhe perguntou: o que mais te chamou a atenção Mauricio? O menino disse:

― Todo meu avô, todo! Eu tinha muitos sonhos, que até agora não os compreendo, com situações cômicas e com pessoas que faziam coisas que não acontecem na realidade. Mesmo acordado imaginava seres e viagens fantásticos, como nos quadros!

Já quase na saída seu Nestor lembrou-se duma frase que tinha lido em algum livro e cujo nome não recordava, mas que dizia: o subconsciente é o marco do surrealismo! Justo no momento que seu neto lhe perguntava:

― Vô, pode me trazer outra vez para continuar vendo mais impressionistas e seus “herdeiros”? Sobre tudo, outros surrealistas!


― Com certeza! Respondeu o avô mostrando um rosto que irradiava felicidade!

ANTONIO O CONSERTADOR - Oswaldo U. Lopes



ANTONIO O CONSERTADOR
Oswaldo U. Lopes

         Antonio sonhava consertar o mundo. Parecia que tinha nascido do verso de Geraldo Vandré “Eu vivo pra consertar”, ou para querer consertar porque na prática o resultado era pífio. Parecia coisa de escoteiro, sempre alerta e uma boa ação todo dia. Antonio, porém tinha espírito crítico e embora jovem, vivera muito, calejado sabia das coisas e tinha até medo desse negócio de escoteiro lembrando, temeroso os versos italianos. Escoteiros :

Sono dai bambini vestiti da cretini,
Comandaditi da cretini vestiti da  bambini”.

        Mas que sonhava consertar o mundo sonhava. Tinha horror das injustiças ou até melhor tinha delas ódio ferrenho. Gente sem teto, sem terra, sem saúde, sem escola, sem educação (não de modos, mas de leitura, de cálculo elementar), sem comida, em suma a margem da vida. Tinha também pena das vítimas dos fenômenos da natureza: terremotos, tufões, tsunamis, enchentes, avalanches etc. Grandes cidades sem condução pública de razoável qualidade, poluição, congestionamentos enormes, estradas abarrotadas, filas nos cinemas. Tudo dizia respeito a Antonio e ele queria consertar tudo isso.

        Do jeito que ele encarava as coisas, o conserto tinha que começar bem lá atrás, na criação do mundo, assim só poderia ter sucesso se fosse Deus. Bem no íntimo era o que pensava: se fosse Deus faria tudo diferente.

        Não deu outra o Todo-Poderoso cansado daquela lengalenga, tão antiga quanto a sua própria obra de criação do mundo, se encheu. Podia simplesmente ter pensado, mais um a querer participar do comitê celestial, dane-se que vá para o inferno se entender com satanás. Desta vez, porém, Deus estava irritado e bravo, chamou o anjo Rafael que era o encarregado desse tipo de missão e lhe disse:

        “Você vai lá e vai fazendo tudo que ele quer para consertar o mundo, apenas avise-o das conseqüências das modificações e se assegure de que mesmo assim ele as quer. Se ele quiser destruir o universo para começar de novo ai é bom você me acordar e avisar para tomarmos alguma providência, para modificações de pouca monta nem precisa me consultar.”

        Lá foi Rafael encontrar Antonio, que olhava melancólico e emburrado na TV o terremoto do Nepal, e apresentou-se:

- Eu sou Rafael, anjo do Senhor e estou aqui para te ajudar a consertar o mundo.

        Antonio olhou um pouso espantado, mas não muito, como se já esperasse por aquilo, porque alguém tinha que dar um jeito na terra. Se era para valer vamos começar com os terremotos e tsunamis..

        - Se você quer me ajudar a consertar as coisas, vamos começar pelos terremotos. Vamos acabar com as crostas, fendas e o magma terrestre, vamos transformar a terra numa massa sólida e não essa casca de ovo quebrada em pedacinhos que vocês fizeram.

        -Se este é seu desejo assim será feito, mas devo alertá-lo que isso resfriará totalmente a terra, o eletromagnetismo desaparecerá e os mares se tornarão inviáveis, em resumo a vida tal como a conhecemos hoje, desaparecerá da face da terra.

        É claro que Antonio desistiu, optou pelo fim das enchentes, mas foi alertado de que sem elas a terra se tornaria seca e inviável para cultivo e a fome bateria na porta, aliás, já estava acontecendo, mas, por hora a coisa ia devagar.  Nova desistência. Pensou na educação e pediu um sistema educacional que garantisse um ensino bom e de qualidade.

        E lá veio Rafael explicando:

        -Boa e generosa ideia, só que para dar certo precisaria ter começado lá atrás. Na parte material até que podia se dar um jeito, a construção de escolas e belos edifícios não era impossível de se obter de imediato. Mas, você sabe Antonio, prédio sozinho não ensina ninguém. Precisa de professores e muitos. Você tem que formá-los e pagá-los razoavelmente de forma a que se interessem pelo que fazem, caso contrário nada feito. Esse passe de mágica nem o Todo-Poderoso consegue.

        Nova desistência e novas ideias e assim foi, ao fim Antonio entendeu que não ia conseguir mudar o mundo e, acreditem, desistiu. Desistiu tão alto que Deus acordou e pensou:

        -Bem, menos um para me encher o saco.


        E Antonio? Começou a pensar mais em concertos do que em consertar. Experimentou umas pingas de Salinas e não deu outra, quando vinha vontade de consertar o mundo afogava a vontade numa boa cachaça e num toque de viola.

Merlim - Ausência - Carta para Rita - Dulce Azevedo


Merlim
Dulce Azevedo

Seria uma viagem normal se não tivesse como intuito distrair João que acabara de ficar viúvo de Linda, mulher dedicada e dócil que de tudo fazia para agradá-lo. Era um homem  privilegiado, pois tinha vivido um grande amor e construído uma bela família. Estava desvastado com a nova condição social.

Proporcionar  novas emoções seria uma missão dificílima, mas resolvemos assumir esse desafio e o convidamos para uma pescaria.  Não seria uma simples pesca, pescaríamos um MERLIM. Ficou emocionado com a nova empreitada, pois nunca tinha participado de tal  programa. Primeiro resolvemos apresentá-lo ao veleiro "Congo" com seus 52'PES de um casco de um preto intenso, e majestosa vela alvíssima. Fizemos um estudo da rota marítima e condições climáticas,  decidimos nossa saída e partimos de Santos em direção a costa do  litoral Norte. "CONGO" deslizava mar adentro cavando seu próprio caminho.

João parecia uma criança deslumbrada com tanta emoção; comentava sobre os peixes que cruzavam á nossa frente, os golfinhos que piruetavam sem parar e as tartarugas que em forma de batedores nos acompanhavam bravamente. Toda essa orquestra o encantava e ele sempre esperava o próximo compasso, pois sabia que o santuário do Merlim  ficava á 10km da costa de ILHABELA. Sua felicidade era decodificada através do intenso brilho de seus olhos,  mas logo a expressão se transformou. Demos de encontro com uma repentina ondulação que levou o barco aos prantos em direção contraria, os soluços das ondas eram tão bruscos que tornavam o curso dos acontecimentos quase uma fatalidade. Não víamos mais o horizonte e perdemos o controle quando avistamos bem próximo de nós um barco pesqueiro que imediatamente se prontificou em nos auxiliar na travessia da grande tormenta. Com muita habilidade, destreza e vivência, foi ziguezaziando pelo mar para cruzar a tempestade. Logo retomamos nossa rota escoltados por experientes navegadores que se tornaram nossos gurus, dando boas dicas sobre os melhores lugares para pesca, e nos alertando que a pesca predatória tinha acabado com diversas espécies de peixe inclusive o nosso tão esperado MERLIM, mas ali era possível pescar fantásticos Robalos.


Num simples passe de mágica o MERLIM do seu JOÃO se transformou no surpreendente ROBALO!!!




Ausência
Dulce Azevedo

Ah, Fernando como sinto sua falta!

Através dos seus textos consigo imprimir diversas emoções, sejam elas intensas, irônicas ou tristes.

Semana passada comecei a pesquisar frases ou rimas que mais se adequariam à transferência da minha sobrinha para outro continente.

Mudança brusca na rota da vida.

Passará a administrar seu caminho sozinha.

Dentro desse cenário achei um trecho perfeito que representa a exata emoção da nova etapa da jovem sobrinha.

     "...Façamos da interrupção um caminho novo
          Da queda um passo de dança
          Do medo uma escada
          Do sonho uma ponte
          Da procura um encontro..."


Obrigada, Fernando Sabino, pois através dos seus textos consigo explicitar e identificar melhor os meus sentimentos.





Carta para Rita
Dulce Azevedo

Acordei determinada em organizar meu escritório. Estabeleci como meta montar um álbum da minha turma de infância. Separei as fotos de acordo com as épocas escolares: Pré, Primário, Ginásio e Colegial. Nossa, o tempo passa, essas nomenclaturas nem existem mais! Mas você está presente em todas as minhas etapas escolares.

Soube pela sua irmã que você passará o próximo fim de semana em São Paulo, logo corri para escrever-lhe convidando-a para almoçarmos. Farei uma comidinha bem caprichada lembrando o seu prato predileto: ESTROGONOFE de FRANGO com batata palha.

Venha logo, pois além de colocarmos o papo em dia mataremos as saudades, que essa sim é imensa.

Te espero.

beijos Lúcia   

Passeio das Bacanas - Vera Lambiasi




Passeio das Bacanas                                                                     
Vera Lambiasi

Durante as férias escolares das crianças, uma amiga precisava, desesperadamente, de lubrificante. E não era de motor, nem de cambio.

Partimos então, em caravana, ao Valentine, um tipo de convento.
Nossas maiores aspirações espirituais são resolvidas ali, pela madre superiora, ops, a dona da loja.

Tem de tudo, de lingeries a aparelhinhos, cremes...Muitos! Inclusive o carro chefe: lubrigel.

Compramos, rimos, nos instruímos, e partimos para o destino seguinte, o Eataly.

Super-mercado italiano hyper na moda, na Juscelino Kubitscheck, com restaurantes e cafeterias.

Nossa, que lugar deslumbrante!

Cheiros apetitosos, degustações estonteantes.

Focaccia, café, cantuccini, pimentas, gastronomia de olhos dançantes e bocas molhadas.

E mais compras, rigatoni grano duro, ragú, azeite, queijo grana padano, vongole, pães de azeitona, calabresa, ciabattas.

Chegamos carregadas em nossas casas.

E, ao comentar, no dia seguinte, com as faltantes:

    Meu marido AMOU tudo que comprei!

    Da Valentine?

    Não! Do Eataly!


A VIDA DE JUVÊNCIO - Oswaldo Romano


A VIDA DE JUVÊNCIO
Oswaldo Romano  
                                          
        Juvêncio vivia a vida que pediu a Deus.

Era a chamada vida mansa. Quando não ia ao cinema, vagueava sem destino pelo Shopping Vila Lobos.

        Circulava por todos os corredores já não tinha onde andar. Repetindo a andança pelos principais, dizia para si “aqui já passei”. O mesmo matutava o dono da loja, sempre sentado no banco em frente de seu estabelecimento: Lá vem ele, será que não se toca.

        É corriqueiro o proprietário olhar as pessoas transitando, na esperança de pararem em suas vitrines. São montadas como se montam as iscas para pescar. A torcida para que entrem, é grave.

        Isso não acontecia quando vinha o Juvêncio. Cabisbaixo  o proprietário deixava passar. Juvêncio até torcia para não ser olhado. Nesse momento ele mesmo sentia-se  envergonhado, tantos corredores, ele ali, sentia-se viajando na maionese.

        Poucos lhe davam atenção. Era considerado o verdadeiro grude. Aquele que sem ser convidado, se detém para uma conversa mole. É o costumeiro blá, blá, blá. Um papo oco. Sai da ponta da língua sempre a mesma bobagem.

        Encabulado ao passar pelo segurança mostra um sorriso amarelo, como aquele que se dá a mãe segurando a criança chorona.

        Eu sou frequentador dos restaurantes do shopping. Único lugar onde ainda me sinto razoavelmente seguro. Isolo-me das ruas desta cidade, recheadas de bandidos. Aqui os bandidos são monitorados. Perguntei ao segurança: — Oi, tudo bem. Estranho esse cara que vai aí na frente, não?   É alguém perigoso? A gente vive desconfiando.

        — Que nada! É mais um saco de merda que circula sempre por aqui!
Seguindo pensei...


Não caiu bem esse “mais um”.

Só em Carambaja! - Vera Lambiasi



Só em Carambaja!  
Vera Lambiasi

Quando eu era pequenininha lá no interior, minha mãe trabalhava no baile de debutantes do Carambaja Golf Club, o mais chique da cidade, na avenida da Grama. O mais animado era o Clube Lodão, de gente simples, mas não era sempre que tínhamos permissão para frequentá-lo. Lugar ermo, lá no alto do morro.

Bom, a Zona era no alto de outro morro, e sabíamos de muitos pais frequentando, mas não tínhamos nada com isso. Naquele tempo, as esposas diziam :”Ruim com ele, pior sem ele”. E toca aguentar o falatório.

Mas, nesta função de organizadoras do baile, as damas da sociedade divertiam-se muito. Para prender um enfeite, por exemplo, uma queria dar um pontinho, outra, usar um alfinete de gancho, a mais nova, grampear. Isso porque ainda não existia a pistola de cola quente. E passavam as tardes a discutir amenidades de decoração, moda, música, arranjos florais, buffet, e outros quetais.

Os maridos, ocupadíssimos, diziam trabalhar, mas era só dar uma checada no carteado do próprio clube, para flagrá-los. Melhor ali do que na “outra”, vangloriavam-se as mulheres.

Chegado o dia do baile, Delso e sua orquestra tocando Burt Bacharach, madames emplumadas num calor de 40 graus, entraram as debutantes, menininhas virginais de quase 15 anos. Entre elas, uma bem estranha, aparentando 18. Zum zum zum no salão syntekado, cochichos abafados das patronesses. Ninguém conhecia a beldade curvilínea.

Estava com um discreto vestido de musselina branco, mas todos adivinhavam suas formas por debaixo do tecido. A moça realmente não contava com o ar angelical das demais. Seus cabelos negros, caíam em curvas pelas costas nuas. Maquiagem pesada para a situação. Biscate, comentavam as santas. Ou veio da Zona, ou do Lodão, as mais maldosas. As organizadoras pegaram a lista, e lá estava ela, Rosecleia, de Maipu. Na hora pensaram se tratar de uma das meninas da Geny. Não era possível, pediram tantas referencias. Pelo número, foram até a mesa da misteriosa debutante. Lá, sentava-se o médico da cidade, esposa, e filhos homens. Quem teria coragem de interpelá-lo? Voltaram aos seus assentos, com os rabos entre as pernas. Iniciado o desfile, Rosecleia levou os convidados ao delírio, com seu rebolado. As outras, doces meninas de família, já urravam de raiva, e inveja. A noite era da morena garbosa.

Primeira valsa, levantou-se o pai orgulhoso, ao encontro da filha adotada.

A esposa do médico, desenxabida, permaneceu sentada.
E comentou à boca pequena:


           — Melhor do que montar casa para a quenga.

NO TEMPO DAS BIGBANDS - Jeremias Moreira




NO TEMPO DAS BIGBANDS
Jeremias Moreira


Saí do cinema impactado pelo filme que acabara de assistir: Os brutos também amam, tradução piegas dada ao título original Shane, filme do diretor George Steves. O enredo conta a epopeia de colonizadores americanos no desbravamento da região oeste dos Estados Unidos. Famílias de pequenos trabalhadores rurais enfrentam todo tipo de desventura em busca de oportunidade naquela região inóspita. Contra tudo e contra todos, têm que encarar ainda a ambição desenfreada e a sede de poder dos grandes proprietários. Até que surge um pistoleiro, Shane, que se redime ao se colocar ao lado deles. A história é conduzida de forma tão envolvente que, sem perceber, ficamos totalmente abarcados. E, foi com um sentimento catártico pelo emblemático personagem título Shane que deixei o cinema. Sentia-me energizado, esbanjava entusiasmo e a última coisa que queria era ir para casa. Mas, naquele sábado, àquela hora, não havia outra opção em Jaboticabal, senão a anterior ou ir a um bar. Tive sorte! Na praça encontrei alguns amigos que buscavam parceiros para lotar uma kombi e ir a um baile que acontecia em Taquaritinga, cidade próxima. Tocava a orquestra Continental de Jaú. Era tudo o que procurava! Com minha adesão viabilizou a empreitada. Cada um foi para sua casa vestir um terno e combinamos de nos encontrar dentro de uma hora.

Chegamos ao Clube Imperial, na cidade vizinha, por volta das onze horas e o baile corria solto. Momento de enfrentar o primeiro obstáculo: entrar no Clube sem pagar. Conversa daqui, conversa dali, conseguimos que os oito entrassem pelo preço de dois. O baile estava animadíssimo, gente saindo pelo ladrão. A principio me posicionei diante do palco e apreciei a orquestra, em seguida fui dançar.

Nessa hora formou-se um buchicho onde estivera minutos antes. Do salão consegui avistar o Duto cercado por uma turma de rapazes daquela cidade. Reconheci o Bila, arruaceiro contumaz, que gesticulava e ameaçava meu amigo.

Nasci e passei minha adolescência em Taquaritinga e ainda mantinha boas amizades e bom trânsito na cidade. O Bila sempre fora uma pedra no meu sapato. Estudamos na mesma escola e desde sempre tivemos nossas diferenças, muitas delas decididas na porrada.

Pedi desculpas à garota com quem dançava e fui em socorro ao Duto. Lá soube do acontecido: Duto apreciava a orquestra quando foi cercado pelo bando. O Bila se aproximou, pegou a gravata do Duto, assuou o nariz e perguntou se tudo bem. Desconcertado e temendo levar sopapos do grupo, Duto respondeu que tudo bem.

Ainda imbuído do espírito do filme que assistira algumas horas antes, cheguei ao bafafá. A bravura indômita de Shane ainda me possuía. Olhei para o Bila e enxerguei nele o vilão Jack Wilson, personagem vivido por Jack Palance, no filme. E, foi com a fantasia de que era Shane que me atirei, com tudo, contra o ele. Acertei-o no rosto com um potente soco. Ele caiu. Em seguida apareceram os seguranças e nos contiveram. Fomos todos para a secretaria. Sua reputação era uma agravante que o Bila  arrastava como que cunhada em sua pele. Nós, éramos visitantes e o Clube não pretendia deixar má impressão. Sobrou para o Bila que foi convidado a deixar o baile. Nós permanecemos. Enquanto saia ele me ameaçou, prometendo que me pegaria mais tarde.

Muitos anos depois, já morando em São Paulo numa república, certo dia ouvi a capainha da porta tocar. A visita era para mim. Em meu quarto, deixei o livro de lado e fui atender. Era o Bila, que assim que me viu, sacou o revolver e colocou no meu pescoço. Foi o maior medo que lembro ter sentido. Depois de alguns segundos ele desatou numa gargalhada e tornou a guardar a arma num coldre sob o paletó.

- Não precisa se borrar, cara! Põe um sapato e vamos tomar um café no bar da esquina que quero falar com você. – ele disse.

No bar ele falou pelos cotovelos. Parecia alterado por algum tipo de droga. Relembrou nossa convivência na escola, nossas brigas e alguns poucos momentos de camaradagem e confessou que, no fundo, eu era a pessoa de quem ele mais queria ser amigo. Revelação que me deixou surpreso. Contou que não se orgulhava das arruaças que cometera no passado, mas não tinha como mudar isso. Confessou que não gostava do que fazia e previu que ainda seria morto por seu gênio. Trabalhava como segurança do Mellinho, outro colega de escola que herdara uma metalúrgica do pai.


Nunca mais vi o Bila. Anos depois tive a notícia de que ele fora morto, numa briga em uma boate, na Avenida Ipiranga.  

Qual o seu número? - Vera Lambiasi


Qual o seu número?                                                                                   
Vera Lambiasi

Nelson começou bem cedo seu negócio de sapatos em Altinópolis.
Com olho bom para modelos, escolhia-os em Franca, na própria fábrica, encomendava-os, e recebia um caminhão cheio em sua loja, na avenida Central.

Tinha o estoque todinho memorizado, e adivinhava cada venda.
De uns tempos pra cá começaram a sumir muitos pares de número 41, masculino, preto.

Depois do 6º par roubado, a polícia foi chamada.

Vitrines, prateleiras e sofás revistados, nenhuma evidência encontrada.

Nelson soube de uma experiência extracorpórea de visitar lugares sem ser visto.

O mago em questão garantia que o tornaria invisível.

Nelson queria correr a loja e xeretar o que faziam seus funcionários em sua ausência.

Marcado o dia, vestiu-se de branco, entrou em meditação com seu guru, sentados em calmaria no seu templo.

Sentindo-se sonolento, saiu de seu corpo. Parecia dormir, mas voava sobre a cidade.

Avistando sua loja, desceu, e entrou pela porta da frente.

Incrível, ninguém o via.

Vilminha, no caixa, fazia uma cobrança.

Oswaldo, seu melhor vendedor, equilibrava umas caixas empilhadas em direção à uma senhora que com nada se contentava.

Ambos empregados de confiança entretidos, Nelson flanou até o depósito.


Em um canto escuro, sua esposa fazia experimentar um calçado preto no pé direito do Sargento Molina.