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NO TEMPO DAS BIGBANDS - Jeremias Moreira




NO TEMPO DAS BIGBANDS
Jeremias Moreira


Saí do cinema impactado pelo filme que acabara de assistir: Os brutos também amam, tradução piegas dada ao título original Shane, filme do diretor George Steves. O enredo conta a epopeia de colonizadores americanos no desbravamento da região oeste dos Estados Unidos. Famílias de pequenos trabalhadores rurais enfrentam todo tipo de desventura em busca de oportunidade naquela região inóspita. Contra tudo e contra todos, têm que encarar ainda a ambição desenfreada e a sede de poder dos grandes proprietários. Até que surge um pistoleiro, Shane, que se redime ao se colocar ao lado deles. A história é conduzida de forma tão envolvente que, sem perceber, ficamos totalmente abarcados. E, foi com um sentimento catártico pelo emblemático personagem título Shane que deixei o cinema. Sentia-me energizado, esbanjava entusiasmo e a última coisa que queria era ir para casa. Mas, naquele sábado, àquela hora, não havia outra opção em Jaboticabal, senão a anterior ou ir a um bar. Tive sorte! Na praça encontrei alguns amigos que buscavam parceiros para lotar uma kombi e ir a um baile que acontecia em Taquaritinga, cidade próxima. Tocava a orquestra Continental de Jaú. Era tudo o que procurava! Com minha adesão viabilizou a empreitada. Cada um foi para sua casa vestir um terno e combinamos de nos encontrar dentro de uma hora.

Chegamos ao Clube Imperial, na cidade vizinha, por volta das onze horas e o baile corria solto. Momento de enfrentar o primeiro obstáculo: entrar no Clube sem pagar. Conversa daqui, conversa dali, conseguimos que os oito entrassem pelo preço de dois. O baile estava animadíssimo, gente saindo pelo ladrão. A principio me posicionei diante do palco e apreciei a orquestra, em seguida fui dançar.

Nessa hora formou-se um buchicho onde estivera minutos antes. Do salão consegui avistar o Duto cercado por uma turma de rapazes daquela cidade. Reconheci o Bila, arruaceiro contumaz, que gesticulava e ameaçava meu amigo.

Nasci e passei minha adolescência em Taquaritinga e ainda mantinha boas amizades e bom trânsito na cidade. O Bila sempre fora uma pedra no meu sapato. Estudamos na mesma escola e desde sempre tivemos nossas diferenças, muitas delas decididas na porrada.

Pedi desculpas à garota com quem dançava e fui em socorro ao Duto. Lá soube do acontecido: Duto apreciava a orquestra quando foi cercado pelo bando. O Bila se aproximou, pegou a gravata do Duto, assuou o nariz e perguntou se tudo bem. Desconcertado e temendo levar sopapos do grupo, Duto respondeu que tudo bem.

Ainda imbuído do espírito do filme que assistira algumas horas antes, cheguei ao bafafá. A bravura indômita de Shane ainda me possuía. Olhei para o Bila e enxerguei nele o vilão Jack Wilson, personagem vivido por Jack Palance, no filme. E, foi com a fantasia de que era Shane que me atirei, com tudo, contra o ele. Acertei-o no rosto com um potente soco. Ele caiu. Em seguida apareceram os seguranças e nos contiveram. Fomos todos para a secretaria. Sua reputação era uma agravante que o Bila  arrastava como que cunhada em sua pele. Nós, éramos visitantes e o Clube não pretendia deixar má impressão. Sobrou para o Bila que foi convidado a deixar o baile. Nós permanecemos. Enquanto saia ele me ameaçou, prometendo que me pegaria mais tarde.

Muitos anos depois, já morando em São Paulo numa república, certo dia ouvi a capainha da porta tocar. A visita era para mim. Em meu quarto, deixei o livro de lado e fui atender. Era o Bila, que assim que me viu, sacou o revolver e colocou no meu pescoço. Foi o maior medo que lembro ter sentido. Depois de alguns segundos ele desatou numa gargalhada e tornou a guardar a arma num coldre sob o paletó.

- Não precisa se borrar, cara! Põe um sapato e vamos tomar um café no bar da esquina que quero falar com você. – ele disse.

No bar ele falou pelos cotovelos. Parecia alterado por algum tipo de droga. Relembrou nossa convivência na escola, nossas brigas e alguns poucos momentos de camaradagem e confessou que, no fundo, eu era a pessoa de quem ele mais queria ser amigo. Revelação que me deixou surpreso. Contou que não se orgulhava das arruaças que cometera no passado, mas não tinha como mudar isso. Confessou que não gostava do que fazia e previu que ainda seria morto por seu gênio. Trabalhava como segurança do Mellinho, outro colega de escola que herdara uma metalúrgica do pai.


Nunca mais vi o Bila. Anos depois tive a notícia de que ele fora morto, numa briga em uma boate, na Avenida Ipiranga.  

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