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FÁBULAS DE ANTANHO - Oswaldo U. Lopes



 


FÁBULAS DE ANTANHO
Oswaldo U. Lopes

Eram muito amigas e intimas apesar de serem oriundas de extratos distintos de classes sociais. Uma estudara num colégio de freiras belgas onde se falava francês belga. Francês sim, mas “pas comme les autres”, para os entendidos a diferença era quase abissal, para nós pobres mortais herdeiros da península ibérica basta lembrar que para os belgas 1999 é curto e grosso:

Mille neuf cent nonnante neuf, já para os franceses é
   Mille neuf cent quatre vingt dix-neuf.

Dá para acreditar que para dizer 99 você multiplique vinte por quatro e depois some dezenove? Bem, vamos deixar isso de lado e voltar às duas amigas.

A outra estudou numa escola pública, de muito boa qualidade como costumava haver antigamente. Clarice a da escola francesa vinha de família de mais posses, Juliana a da escola pública vinha de família que podia, no mínimo, ser classificada como média alta. Se diferenças havia não contaminavam nem a amizade nem a estima. Estavam tomando café e doces, como faziam toda quinta-feira numa dessas doceiras de estilo que são comuns, hoje, na cidade de São Paulo. Se fossem suas avós por certo estariam tomando chá no Mappin, famosa loja para além do Viaduto do Chá. Clarice e Juliana eram modernas, cuidavam de casa e trabalhavam, coisas que as avós certamente não faziam.

O drama de Clarice era seu neto, o menino viera da escola com uma lição de casa bem explicita:

“Peçam para suas avós contarem fábulas que elas ouviam quando tinham a sua idade”.

Ele pediu. Ai veio o alvoroço a única história que ela se lembrava da mãe contando era a de Coralie e Amelie. Coralie e Amelie eram duas irmãs que viviam juntas desde sempre, só que uma gostava do miolo do pão e outra da casca, mas por recato misturado com pseudo-bondade, nunca conversavam sobre esse assunto. Só, praticamente a beira da morte e que descobriram que podiam ter comido a sua parte gostosa do pão, não necessitando deixar para a outra, o que ficaria muito bem na própria boca. A moral da história, se alguma existia era da necessidade do dialogo para uma salutar convivência. Não conseguira encontrar nem no Google alguma referência ou atualização. A presença de duas irmãs com esses mesmos nomes e uma reputação excelente no mundo do rock entupia as buscas tentadas.

Ah! Tinha outra história-fábula, mas essa era do Colégio – La cigale et la formie (A cigarra e a formiga pensou Juliana) do La fontaine. Espera aí corrigiu Juliana, mas essa é do Esopo e vêem de seiscentos anos a.C. essa eu também estudei no colégio e a moral, quando a cigarra pediu comida, negada pela virtuosa formiga, era da virtude de trabalhar, poupar e guardar.  Pensando em como se sairia se fosse a avó em questão Juliana recordou, em silêncio, que sua mãe contava histórias, mas que não eram propriamente fábulas, mas histórias de São Pedro que era sempre vitima de sua simplicidade:

“‘Jesus ia saindo com os apóstolos e recomendou que cada um tomasse uma pedra. São Pedro, por comodidade tomou uma pedra bem pequena. Depois de caminharem muitas horas e com a fome chegando forte, pararam e Jesus dando sua benção transformou as pedras dos apóstolos em pão. O de São Pedro parecia um bolinho de tão pequeno” Talvez tivesse até uma moral, mas o que mais intrigava Juliana era saber que sua mãe descendia de calabreses e que aquela história era muito, mas muito antiga. Quando começara? No tempo dos primeiros cristãos? Quem saberia.

Concordo contigo asseverou Clarice, mas o meu neto disse que preferia a história do Millôr Fernandes em que na hora do inverno a cigarra vira cantora comercial, só cantando para multinacional. Ou ainda preferia a fábula de um tal Vaz Nunes em que, se não me falha a memória, a cigarra  passa de cadilaque cor-de-rosa e motorista e avisa a formiga que vai cantar em Cannes,por causa de um contrato que seu empresário arrumou para todo o verão europeu. Ao que a formiga retruca: veja, se você encontrar por la um tal de La Fontaine manda ele a pqp e, pasme ele não abreviou o pqp, não.

Juliana se calou pensativa, conhecia a fábula de Esopo, sabia até que ele era um escravo, que seu texto era curto e grosso e chegava rapidamente ao ponto. Tinha lido a de La Fontaine, traduzida, que achou longa e pernóstica, mas dentro de sua visão da vida, mais realista e crua, nunca houvera imaginado a cigarra de carro cor-de-rosa indo para Paris e adjacências. Lembrava-se de outra de Esopo da raposa e as uvas que nunca entendera porque sabia certo que raposas não comem uvas.

Que raios, acometeram às duas, já não se contam fábulas como antigamente onde a bem da verdade também não se contavam fábulas. Considerando o número de edições que alcançou o livro de La Fontaine, em vida do próprio, seria preciso voltar ao século XVII e dele não passar para ouvir fábulas de antanho.

Já não se faziam avós como antigamente nem bisavós. Nem, talvez tataravós que soubessem ou contassem fábulas.


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