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Em busca da verdade - Vera Lambiasi


Em busca da verdade
Vera Lambiasi

Saímos cedinho de Paris com destino a Marselha. Uma pernada de nove horas, para procurar aquela que poderia desvendar os mistérios de nossa família. Madame Fontaine trabalhara em casa, em Saint-Germain-des-Prés, toda uma vida. Acompanhara o nascimento de cada filho, nutrindo, banhando, lavando, passando e costurando nossas pequeninas mudas de roupas. Crescidos, éramos entregues para a governanta, uma senhora altiva, de gostos extravagantes.

O coração permanecia com Mme Fontaine, que , àquela altura já cuidava do bebê seguinte.

Ao aposentar-se, refém de suas artrites, escolheu viver junto ao mar, pleno de sol.

Um pouco também, penso eu, para fugir da tentação de nos ver a toda hora.

Mas desta revelação ela não escaparia. Lotamos o carro, e seguimos, sem aviso.

Poucas paradas para comermos uns sanduíches, necessidades, e, à tardinha, chegamos ao endereço indicado. Num bairro afastado, longe do mar tão ansiado, ficava o predinho de três andares. Interfonamos. Várias tentativas, e nada. Decidimos então, os cinco irmãos, irmos ao hotel descansar um pouco, para voltarmos mais tarde. O jantar daquela noite foi de congraçamento. Diferenças foram esquecidas, ressentimentos superados. Parecia até que Mme Fontaine arquitetara esta paz entre nós, como fazia quando éramos crianças. Já era tarde da noite quando voltamos a bater no apartamento de nossa babá. Primeiro toque, e a grande porta de ferro desgastada se abriu. Subimos como moleques pela escada em caracol. Diante do 32, estagnamos. Ofegamos, como para tomar coragem de entrar. Um a um, pé ante pé, na escuridão do cômodo entreaberto, fomos adivinhando o caminho. O cheiro de sopa esfriada, misturado a talco empedrado nada lembravam nossa cheirosa ama. Como era higiênica quando moça! E exigente com a assepsia da casa. Uma luz fraca cobria os móveis desbotados. Lá de dentro, uma voz rouca, ainda familiar, mandava-nos sentar. Obedientes, dividimos o longo sofá capenga.

A figura que se apresentou foi de graça e desespero. Numa ânsia de fazer-se bonita aos seus meninos, Mme Fontaine exagerou na maquiagem, e enfeites. Sorrimos ao vê-la, mas ela não se enganava. Sabia estar muito caída. Abraçou um por vez, e recitou nossas qualidades particulares. Que memória! Indagou qual mistério queríamos revelado, e pôs-se a respondê-lo. Indignou-se com a pergunta que julgava de pouca importância. Não fazia ideia do que representava para nós a verdade. Ou sabia sim, e a velhice lhe dava o termômetro correto dos fatos. Estavam ali cinco homens crescidos tratados como imaturos. Dizia-nos que a vida amorosa de nosso pai não nos dizia respeito. Que, se houvesse mesmo uma irmã, ela, ou a suposta mãe já teriam reclamado a herança, que não era pequena. Acalmou nossos corações, explicou que esta lenda era arte da governanta recalcada, que nutriu por anos um amor impossível pelo patrão.

Chamou-nos de babacas. Deu-nos um pito, e colocou-nos porta afora.



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