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IL VIAGGIO. - Mario Augusto Machado Pinto - CONTO DE FÉRIAS Nº 6



IL VIAGGIO.
Mario Augusto Machado Pinto

Tocou a campainha da área de serviço do apartamento.  São 2 da tarde. Recebo a correspondência diária conforme rotina da Zeladoria do Condomínio.

Revista dos programas da TV paga, ofertas de lojas, de supermercados e uma carta via aérea com envelope diferente. Coisa rara, de chamar atenção. Examino bem: veio da Itália. E nós com a Itália? Tem nosso nome, o da Famiglia di Biasi, endereço certo. Vai ver é oferta pra concorrer ao totto calcio. Viro. Não é não: tem endereço e remetente de uma pessoa: Ferdinando di Biasi. E, penso eu: É amigo do pai? Sei lá! Veremos, veremos aí pelas sete quando ele chegar com minha mãe e meu irmão.

Bem, a ordem é esperar, afinal não sou a Família, mas sou da Famiglia di Biasi, também me chamo Ferdinando – nome infeliz, lembra do touro?   Mas pela hierarquia, sendo o mais velho di Biasi, pela tradição, costume ou o quê, ele deve abrir o envelope. Depois nos diz do que se trata. Guardei a carta.

Comendo as unhas de curiosidade fui estudar pra sabatina de geometria.

Fiquei tão absorto estudando que só percebi que chegaram quando minha mãe me beijou e perguntou:

- Oi filhote. Tudo certo? Como foi seu dia?

Ela beijava, abraçava, perguntava, mas não esperava a resposta: ia pro chuveiro. É sempre assim, afobada, correndo, correndo, mas também, com dois marmanjos que só pedem coisas pra ela fazer ou encontrar! Eles chegam, vão pros quartos, põem chinelos e voltam pro barzinho pra preparar um levíssimo limoncello gelado. Vida regalada!

AÍ eu falei alô pros dois, abracei papai e dei um beijo (ele faz questão do beijo) e entreguei a carta.

- Pra mim?

- Claro! Pra quem havia de ser? Vai pai, abre logo e diz o que é. Tô curioso demais.

Ele olha e examina cuidadosamente o envelope como se dentro tivesse uma bomba. Lê, relê, vira e desvira e finalmente abre o envelope, desdobra o papel da carta. Lê.  Pousa a carta nas pernas, pega novamente e relê. Faz assim uma três vezes.  Não aguento e grito:

- Vai, conta! Que é?

Meio como que engasgado de emoção, fala:

- É dos nossos parentes da Itália. Nem lembrava mais deles, coitados. Estão dizendo que nós, aquí e eles lá, somos os últimos sobreviventes dos di Biasi.  O Ferdinando, diz que é meu primo, quer conhecer a gente e nos convida pra ir lá. Ele não vem devido a artrose. É pra ficar na casa dele em Monte Vecchio. Explica onde é e pede resposta.

Não preciso dizer que foi o assunto de conversa por dias e dias em que só se falava nisso. O que fazer? Vamos todos? Sim? Não? Era um guaio, um abacaxi dos grandes. Pra eles, pra mim não. Não preciso dizer que eu queria ir. Já imaginou eu dizer pros colegas: Vou pra Itália. Na volta: Fui pra Itália. Voei no Jumbão. Minha torcida era enorme.

Bom, afinal chegaram à conclusão de que papai tinha que ficar na distribuidora, meu irmão na oficina e a mamãe tinha que cuidar dos dois bezerrões. Alegremente sobrou pra mim que sei umas poucas palavras de italiano (o Vô Luigi ensinou), dá pra não passar muita vergonha.

Meu pai – tinha que ser – impôs condição:

- Só que tem uma coisa: vai, mas sem perder escola; então passa o fim de ano aqui e vai em janeiro ou fevereiro. Precisa do OK do Ferdinando.

Veio um Ok do tamanho de um bonde.

Estudei muito, mas muito mesmo. Passei por média em tudo, não tive 2ª época, garanti janeiro e fevereiro livres pra ir.

E fui.

Mamãe chorando, papai comovido, irmão gozando – não vai fazer xixi com medo da altura – entrei no avião. Coração a dez mil por hora durante toda viagem. Mal dormi. Cheguei a Roma, me levaram pro trem e lá fui eu pra Monte Vecchio.

Lá chegando, não acreditei no que vi e ouvi: faixa com meu nome, banda tipo “furiosa” tocando, gente apinhada na estação e meu parente, um senhor de idade, segurando um cartaz com o nome Ferdinando e Brasil pintados e engalanados.  Fiquei  envergonhado, mas achei o máximo. Até parecia que eu era jogador de calcio.

Bem, em carreata (três carros com parentes e amigos) fomos pra casa dos Di Biasi. No caminho apontei pra ele e disse: lei, tio Ferdinando, io, Nando. Va bene?  Ele falava e eu não entendia picas do que dizia: ERA EM DIALETO! Aí pedi parla italiano, prego. Riu muito e eu entendi algumas coisas.

Chegamos. Gente pra todo lado. Molto piacere. Mesa posta com tudo abundante. Me ofereciam coisas , comia um pouco. Aí disse, quer dizer, gesticulei que queria dormir. Silêncio.  Me levaram pro quarto, cai na cama e acordei no dia seguinte.

Estavam me esperando pra tomar café. Ofereciam: latte? caldo? burro? Eu ria e me lembrava de cachorro, sopa, burro, mesmo. Eles não entendiam, mas riam assim mesmo. Gente bacana. Depois expliquei. Acharam muita graça.

Com o passar dos dias, aos poucos fomos nos entendendo. Eu fazia confusões: me davam muito carinho – era sempre caro – quando entendia o que diziam falavam bravo – quando gostava de uma comida diferente ou vestia uma roupa bem feita, diziam – squisito. Eu gosto de carne macia e eles diziam que era mórbida, imagina!

Eu me sentia muito contente pelo carinho e afeto que me davam, passei a ser pessoa da família local, dos vizinhos. O padre vinha conversar na casa do tio. Depois de um mês achei que era hora de voltar. O ditado italiano é mais que certo: dopo tre giorni il ospide e como il pesce: puzzanno! Alem de tudo, já me aborrecia o frio e o maestro. Eta vento chato!

Falei que era hora de voltar. Ouvi um rosário de No, mas na verdade estava mais do que na  hora.

Tive que explicar que não podia levar certas coisas. Foram à estação do trem, me abraçaram dizendo pra voltar. Foi uma despedida chorosa e difícil. Senti ter que voltar.

E aqui estou eu em casa disposto a fazer uma gozação enquanto conto coisas da viagem. No meio das palavras coloco algumas em italiano. A reação é de boa surpresa. Aí resolvo fazer o teste final (esnobação da minha parte):

- Ottantasette (87) e eles me ofereceram um copo d´agua: entenderam Ho tanta sete (estou com muita sede).


 Expliquei. Rimos alegremente.  Valeu!

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