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A CASA DA FAZENDA - M. Luiza de C.Malina


A CASA DA FAZENDA
M. Luiza de C.Malina

Os ex-proprietários, de família quatrocentona do Rio Grande do Sul, desfrutaram o melhor dos sabores da vida. Os pesados portões de ferro têm a mesma marca do gado.

A vida da casa tornara-se pacata. A vegetação do entorno esverdeava seus tons entre as copas das velhas árvores.  Alugada para recepções ou eventuais moradores, demonstra certo mistério.

Naquele ano, fora alugada para um projeto. Onze engenheiros provenientes de diversas cidades e estados a movimentaram por um longo tempo.

A casa retornara a viver. Bem equipada com uma governanta e três eficientes serviçais, que não pernoitavam, nada lhes faltava.

A magia da casa ou de quem lá, não tivesse conseguido se afastar, contagiava os moradores, com frequentes jantares, em que eles mesmos eram os cozinheiros ou churrasqueiros. Cada um na sua especialidade. Os próprios espantavam-se com suas façanhas entre os animados e confortantes bate papos, em que se fortaleciam com a ausência da família.

Uma nova e sólida amizade havia se formado entre a cumplicidade dos Onze Homens.

Não precisou muito tempo. Os rumores na pequena cidade corriam de boca em boca. A casa voltara a viver. Por serem em grande número de moradores, a cada noite os salões eram iluminados e as tochas externas acesas. Remetia o aparente glamour de outros tempos, ressuscitando os ancestrais.

Aí que está a coisa! Algo incomodava apenas  um dos moradores que, confidencia ouvir sons estranhos na madrugada, em um sofá da sala, cujo ninguém havia se sentado, por mera coincidência.

O sofá ocupa a parte nobre do salão de estar, dando a impressão de que os demais estão em seu entorno. No entanto sempre vazio, com um manto no encosto.

Todos passaram a observá-lo de canto de olhos, com certo respeito.

Passados muitos jantares e festas improvisadas, um dos convidados, o prefeito da cidade, pessoa de forte credibilidade, pergunta se eles já ouviram algum ruído estranho na casa. O silêncio foi geral acompanhado de olhares curiosos que confirmam o que pode vir em frente.

Sem qualquer assentimento ele contou.

“O último que aqui morou, era a quarta geração da família. Criou e formou doutores os dez filhos.  Hoje todos moram fora, um só mora na Capital, o que cuida de tudo, mas nunca aparece, tudo fica na mão do caseiro e dos dois cachorros.

Contam que todas as noites o pai reunia os filhos aqui na sala mesmo, em noites frias acendiam a lareira e ele lia em voz alta o capítulo de um romance. E, para saber se eles estavam prestando atenção, fazia perguntas para tentarem adivinhar como seria o próximo capítulo. Para quem apresentasse a melhor ideia ele dobrava a mesada. Desta forma, ele conseguia juntar o rebanho.

Aos poucos um a um saíram de casa. O cabelo branqueou. A vista enfraqueceu. A esposa faleceu. O filho mais novo contratou uma professora para ler os jornais, romances e as cartas que recebia. A doença se agravou e acabou morrendo em casa, como queria. Mesmo enfraquecido, participava das festas dos filhos sentado no sofá. Apreciava as festas. Parecia um rei. O livro, seu cetro. A manta o seu manto. Aliás, a manta continua no sofá. Olhem lá!”
Neste momento, o gélido silêncio transformou-se em um estrondo do crepitar do nó de pinho na lareira que estava apagada.

Tim! Tim! Todos se levantaram e brindaram em direção a poltrona, com o tilintar de copos que se partiram no ar.




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