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OS TRÊS MOSQUETEIROS - Suzana da Cunha Lima


OS TRÊS MOSQUETEIROS
Suzana da Cunha Lima

Eram chalezinhos simples, com uma boa varanda à frente, olhando para a estrada de terra que levava à sede, onde ficavam  o refeitório, recepção e salas para recreação.  Havia uns oito iguais, pareciam casinhas de brinquedo espalhados num tapete verde, cercados de árvores e jardins, por onde corria livre a brisa suave, característica dos dias de outono.

Lá levei meus três netos, primos entre si, mais ou menos da mesma idade, numas férias inesquecíveis.  Jogamos bola, brincamos de pega-pega, de estátua, de pular corda, de amarelinha e de todas aquelas brincadeiras antigas, de minha própria infância.

No final do dia íamos tomar banho, mudar de roupa para jantar. Depois ainda esticávamos o dia, vendo um pouco de televisão ou jogando carteado. Mas era pouco tempo, o sono chegava cedo nos olhinhos deles, e assim voltávamos logo  para dormir.

Nesta hora, a escuridão cobria tudo, apenas o céu parecia um celeiro de estrelinhas piscando. Tínhamos que ter cuidado para não tropeçar em alguma pedrinha ou raiz, naquele pedaço da trilha. A gente só via a luzinha da varanda, brilhando como um farol em noite escura. Os meninos se agarravam comigo,  fazendo as perguntas mais engraçadas que já ouvi, para espantar o medão que tinham.

— Oi vó, tem mesmo bicho papão que come criança?

— Isso é conversa de gente ignorante.

— Mas,  a mamãe sempre fala que tem...

— É brincadeira dela, Marquinho, só para ver se você acredita nestas besteiras.

— E se aparece um ladrão por aqui, vó?

— Eu espanto ele, Robinho, não tem nada para ele roubar. E imagine se ele ia se atrever a nos assustar, estou com os três mosqueteiros, certo?

— Está escurão porque não penduraram ainda a lua no céu, não é, vó? Perguntava o menorzinho, com um fio de voz.

— Já penduraram sim, Andrezinho, mas as nuvens a cobriram  todinha. Daqui a pouco ela vai aparecer, bem brilhante no céu.

Nós dormíamos no mesmo quarto e todos tinham a sua caminha esperando, mas o ritual da hora de dormir era diferente para cada um.   Marquinho levava a foto da mãe e dormia com ela agarrada, Robinho ficava embaixo do lençol e nem sua cabeça aparecia, e Andrezinho se agarrava comigo. E depois que rezávamos, eles me pediam:

— Vó, deixa a gente dormir primeiro e depois você dorme, está bem?

— Podem deixar meninos, durmam em paz que vovó ainda vai ler este livro.

Eu nem chegava a passar uma página e eles já estavam todos ressonando, cansados de um dia cheio de brincadeiras.

Fizemos isso em três verões seguidos, sempre no mesmo chalé porque acho que um pouco de tradição na meninice é uma boa referência na vida adulta. Na última vez, porém, eu estava bem triste,  tinha acabado de perder meu marido. Quando nos ajeitamos para dormir, naquela noite, não consegui segurar as lágrimas, que deslizavam silenciosas pelo meu rosto.  Foi quando Andrezinho percebeu e me perguntou:

— Você está com saudade do vovô, não é, vó? Eu o abracei, concordando.

—  Estou sim, Andrezinho, foram muitos anos juntos, sabe?

— Ah, vó não precisa chorar não.  Minha mãe disse que o vô foi para o céu.

— Eu sei, meu menino, mas o céu é tão longe, não é? Eu queria tanto conversar um pouquinho com ele, saber como ele está...


— Ah, mas isso a gente sabe, vó.  Mamãe disse que ele está melhor do que a gente aqui. O céu é um lugar bonito, você vai ver quando for para lá.


VENDE-SE CADEIRA BALANCÉ EM EXCELENTE ESTADO. - Mario Augusto Machado Pinto.


 


VENDE-SE CADEIRA BALANCÉ EM EXCELENTE ESTADO.
Mario Augusto Machado Pinto.

O doutor vai fazer um bom negócio comprando a Brandina, a cadeira “balancé”.

Sabe doutor, durante muitos anos essa cadeira de balanço deu pra muita gente a alegria do descanso, um lugar para mulheres amamentarem os filhos, assento para rapazes que queriam namorar convidando as moças para se sentarem em seus colos e fazerem tantas outras coisas...

Essa “balancé” sentiu e ouviu de tudo, um pouco de todos: tristezas e alegrias; choros e risadas, brigas e carinhos.

Tem uma coisa: ela não faz o que muita gente detesta nas outras cadeiras de balanço: o nheque, nheque das molas. Além disso, não preciso salientar que por ser mais leve é removível para qualquer lugar. E mais, o assento de palhinha, deixa esfriar o “fiofó”. Isso é importante, não é mesmo?

Ela me faz lembrar o prazer que eu sentia quando era balançado e acarinhado pela minha avó. Ia aos céus! Era uma briga doida! Todos queriam o colo da vó Felícia!

O doutor não se lembra do colo da sua avó? Com a balancé vai se lembrar.
Lembro-me do meu cachorro Tobi roendo ossos e eu chamando por ele: To be or not To be,  o papagaio Agenor que era só do meu pai, pousado no espaldar gritando: Entra, Chico, entra, que vais apanhar! Ta pum, tá pum! Ai, ai, ai! Que dor!

Doutor, você nunca teve isso na vida?  Gostaria de ter? É baratinho.


Compre a balancé e ela será sua fazedora de sonhos vívidos.

O ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS - Oswaldo Romano

O ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS                
Oswaldo Romano                                                                      

        Em 1822 nascia a fotografia. Com esse revolucionário invento, jamais seu descobridor imaginou tamanho sucesso que viria anos depois. Feito do físico francês Nicéphore Niepce, falecido pouco depois, em 1833.

        Pouco tempo mais em, 1839, o também francês Daguerre e o inglês Talbot, em seus países anunciaram a construção das primeiras máquinas tidas como maravilhosas.

        Antes deles, só a luz projetava imagens pelas sombras. As centenas de pintores retratistas, não contavam com uma concorrência tão violenta. E foi a luz, indispensável para os artistas do pincel, que deu origem aos inventores das inacreditáveis máquinas.

        Comecei nesse meio em 1951. Fui conquistado pela maravilha de ver transportado para o papel, às imagens reais embutidas nos rolinhos de películas de acetato. Fiquei interessado em tudo que dizia respeito ao assunto, inclusive da difícil manipulação no laboratório, local que você não sabia quando era dia ou noite. Incansáveis pesquisas de livros nas bibliotecas, incríveis garimpagens nos sebos.


        Tornei-me um reporte fotográfico. Estava voltado à procura de renda e não da fama almejada por muitos. Álbuns de formaturas, casamentos, eventos, eram  meu forte. Isso não impedia perseguir a arte.


Os álbuns primitivos eram estojos feitos de couros, ou capas do mesmo material. Quase sempre entalhadas. A variedade é muito grande. A mostrada aqui é de madeira marchetada, do meu ateliê. Respeitando-se a época, era bem aceita, considerada uma pequena obra de artesanato.

CADA ÁLBUM ERA FEITO PARA GUARDAR MOMENTOS QUE O PASSADO HOJE, LUTA PARA NÃO PERDER.

A cadeira de balanço - Fernando Braga


A cadeira de balanço
Fernando Braga

Zequinha, que na Revolução de 32, levou um tiro de fuzil nas costas e anos após, ainda jovem, começou a apresentar sintomas próprios da doença de Parkinson. Tornou-se rígido, marcha difícil, movimentos lentos e presos, fala baixa, ininteligível, com tremor nas mãos, principalmente quando ficava em repouso. Foi quando ainda criança, o conheci. A todos dizia que sua doença fora causada pelo tiro que recebera, para assim sentir-se como herói da revolução. Na realidade, a causa de sua doença, certamente, fora a famosa Gripe Espanhola de 1918, da qual conseguira escapar, mas que dizimara milhões de pessoas, completando a enorme mortandade causada pela primeira guerra mundial, recentemente terminada.

Morava com sua mãe em um sitio que pertencera a seu pai, já falecido, em uma casa de madeira, bem construída, sólida e que possuía na frente uma simpática varanda, da qual a maior parte da pequena propriedade podia ser vista. Devido à doença, que cada vez mais o incapacitava, permanecia a maior parte do dia sentado em uma cadeira de balanço antiga, totalmente de madeira, colocada no canto esquerdo do alpendre. Só saia de lá, com ajuda, para as principais refeições e para dormir à noite, quando necessitava do maior auxilio da mãe para deitar-se e acomodar-se na cama, pois naquela posição ficaria até o dia seguinte, por não poder virar-se sozinho. Muitas e muitas vezes fui com meus pais visitar dona Iaiá e seu filho Zequinha, e não me lembro de tê-lo visto sentado em outro lugar. Quando me aproximava, ainda criança, pedia que o balançasse e que lhe trouxesse que um pedaço de doce, qualquer doce e depois água. Na realidade era gordo e conservava integra, a vontade de comer. Quando sua mãe morreu, ninguém quis assumi-lo, devido ao trabalho que dava, tendo sido colocado em uma casa de repouso em um bairro de São Paulo. Aos 54 anos, teve um mal súbito e veio a falecer. O sitio ficou para um dos irmãos, que conservou a casa como estava, com a cadeira do Zequinha no alpendre, e na mesma posição.

Um dia o sitio foi vendido e trouxeram alguns pertences da casa para a cidade.
Certa ocasião eu, agora já adulto, fui visitar o irmão de Zequinha e perguntei:

— Onde está aquela cadeira de antiga balanço, onde ficava sentado o Zequinha?

— Ainda está aqui. Mas, quebrada, e jogada nos fundos da casa. Não presta mais.

Pedi para vê-la e depois, para compra-la.

— Se quiser pode leva-la, retrucou. Só está atrapalhando, está quebrada, repetiu.

Levei-a embora, e ela está em uma posição de destaque em minha casa, linda e nova, após a reforma feita por um marceneiro artista.

A visão desta cadeira alivia um pouco a saudade imensa que sinto de minha vó Iaiá e do meu tio Zequinha, irmão parkinsoniano, de meu pai.





A MALA. - Mario Augusto Machado Pinto.



A MALA.
Mario Augusto Machado Pinto.

Se considerar como viagem passeio de fim de semana, vivo viajando. Não sou eu propriamente: são meus pais.  Eles não param. Parece que tem rodinhas nos pés. E eu com isso? Ora, é que apesar dos meus nove anos, sempre faço e refaço minha mala, quer dizer, coloco minhas roupas, sapatos, etc  na minha mala que, por sinal, é bonita, boa e foi barata ao comprar. É uma chatice às vezes isso é.

Lembro-me de quando minha mãe e eu fomos comprar a mala.
–Você já está na idade de ter mala pra arrumar suas coisas pra quando formos viajar.
Fiquei estupefata. Não é que eu goste de usar essa palavra, mas a verdade é que fiquei assombrada, atônita com a decisão. Mala pra mim? Fazer minha mala pra sair a passeio? Logo minha mãe que não me deixava separar nada, tudo ela escolhia e decidia. Confesso: não acreditei.

Bom, o fato é que eu tinha que escolher aquela que seria “a minha mala”! E lá fomos nós. E eu escolhi. Uma mala de plástico duro, azul, forrada de cetim, também azul e duas fechaduras. Porque duas fechaduras? Ora, é que uma encrencando tranco a mala com a outra.

E eu passei a usá-la.. Era saída pra lá, pra acolá, quase todos os fins de semana. Era tanta fazesão de mala que eu sabia de cor o que, quanto e onde colocar as coisas. Aproveitava o espaço ao máximo.

Um dia, olhando-a, achei que a tampa precisava de um trato. Aproveitei e passei um pano úmido, depois um lustra-móveis nos dois lados. Ficou uma beleza! Fiquei olhando, olhando... De repente me pareceu ouvir “obrigado”.
Levei um susto dos diabos. Olhei em volta e não vi nada, ninguém, mas ouvi:
— Sou eu, sua mala.

Endoidei de vez.

— Mala não fala!

Mas eu falo. E pra não haver dúvida vou me apresentar: sou mala de mão, da família Sansonaite, estou a seu serviço há três anos e agora posso ajudar mais, a começar com a escolha das coisas que vai usar nas suas saídas. Eu vou falar quando a escolha estiver legal, mais bonita, tudo. Se você precisar de algo, eu aviso. Tá bom?

— Parece que não tenho escolha, é ou não é? Então vamos lá. Começa palpitando no que vou levar pra praia!

Assim tem sido esses anos todos. Ninguém mais estranha quando falo com Sam enquanto arrumo minhas coisas. Depois de uma indireta dei esse nome pra ela. Sempre fecho Sam no último minuto. Ela pode mudar de ideia, sugerir alguma coisa diferente ou dizer para tirar tudo de dentro e colocar outras coisas. Eu faço. Nem chio. Ela sempre acerta.

Ultimamente minha mãe tem dado indiretas dizendo que Sam está velhinha, que dou muita trabalheira pra ela e outras coisas. Posso até concordar com a trabalheira, mas eu não me separo dela não. Já combinamos. Ela vai me avisar quando quiser parar e eu a coloco no lugar que já escolhemos na prateleira do meu armário embutido.

Para mim é penoso reconhecer. É verdade. Tá chegando a hora. Como é que eu vou dizer pra Sam?

Não, não, não. Ela é que vai dizer. O baque vai ser forte. Será que vou aguentar?


FAMÍLIA VENDE TUDO - M.luiza de C.Mallina



FAMÍLIA VENDE TUDO     
M.luiza de C.Mallina

Na avaliação passada pela peneira de olhos clínicos dos antiquaristas, arquitetos e decoradores, escapa a velha cadeira de balanço. Tão ou mais velha que o próprio Império.

Silenciosa adquirira a capacidade da invisibilidade, comum aos idosos. Impecável, graças aos “demodés” sufocada por grifes, impera solitária num canto qualquer, com a etiqueta amarelada dependurada.

A gentil senhorita chega ao encontro de Stela e a pequena Ligia, de 5 anos, pedindo certo cuidado quanto à criança, devido ao valor das peças.

Stela mal escuta a orientação. Ligia num zaz-traz está sentada na cadeira de balanço, cantarolando. Stela a observa em silêncio. Procura por algo.

Percebe que o movimento da etiqueta da cadeira de balanço completa a volta de um círculo, em desacordo com o balançar. Foge no tempo.

—  Senhora, senhora!... sua filha - alerta a vendedora.

—  Sim, o que há com ela?

—  Está lhe chamando.

— O que foi Ligia? – espanta-se a mãe.

—  Mamãe, compre esta cadeira. Ela era minha quando eu era uma princesa.




A CASA DA FAZENDA - M. Luiza de C.Malina


A CASA DA FAZENDA
M. Luiza de C.Malina

Os ex-proprietários, de família quatrocentona do Rio Grande do Sul, desfrutaram o melhor dos sabores da vida. Os pesados portões de ferro têm a mesma marca do gado.

A vida da casa tornara-se pacata. A vegetação do entorno esverdeava seus tons entre as copas das velhas árvores.  Alugada para recepções ou eventuais moradores, demonstra certo mistério.

Naquele ano, fora alugada para um projeto. Onze engenheiros provenientes de diversas cidades e estados a movimentaram por um longo tempo.

A casa retornara a viver. Bem equipada com uma governanta e três eficientes serviçais, que não pernoitavam, nada lhes faltava.

A magia da casa ou de quem lá, não tivesse conseguido se afastar, contagiava os moradores, com frequentes jantares, em que eles mesmos eram os cozinheiros ou churrasqueiros. Cada um na sua especialidade. Os próprios espantavam-se com suas façanhas entre os animados e confortantes bate papos, em que se fortaleciam com a ausência da família.

Uma nova e sólida amizade havia se formado entre a cumplicidade dos Onze Homens.

Não precisou muito tempo. Os rumores na pequena cidade corriam de boca em boca. A casa voltara a viver. Por serem em grande número de moradores, a cada noite os salões eram iluminados e as tochas externas acesas. Remetia o aparente glamour de outros tempos, ressuscitando os ancestrais.

Aí que está a coisa! Algo incomodava apenas  um dos moradores que, confidencia ouvir sons estranhos na madrugada, em um sofá da sala, cujo ninguém havia se sentado, por mera coincidência.

O sofá ocupa a parte nobre do salão de estar, dando a impressão de que os demais estão em seu entorno. No entanto sempre vazio, com um manto no encosto.

Todos passaram a observá-lo de canto de olhos, com certo respeito.

Passados muitos jantares e festas improvisadas, um dos convidados, o prefeito da cidade, pessoa de forte credibilidade, pergunta se eles já ouviram algum ruído estranho na casa. O silêncio foi geral acompanhado de olhares curiosos que confirmam o que pode vir em frente.

Sem qualquer assentimento ele contou.

“O último que aqui morou, era a quarta geração da família. Criou e formou doutores os dez filhos.  Hoje todos moram fora, um só mora na Capital, o que cuida de tudo, mas nunca aparece, tudo fica na mão do caseiro e dos dois cachorros.

Contam que todas as noites o pai reunia os filhos aqui na sala mesmo, em noites frias acendiam a lareira e ele lia em voz alta o capítulo de um romance. E, para saber se eles estavam prestando atenção, fazia perguntas para tentarem adivinhar como seria o próximo capítulo. Para quem apresentasse a melhor ideia ele dobrava a mesada. Desta forma, ele conseguia juntar o rebanho.

Aos poucos um a um saíram de casa. O cabelo branqueou. A vista enfraqueceu. A esposa faleceu. O filho mais novo contratou uma professora para ler os jornais, romances e as cartas que recebia. A doença se agravou e acabou morrendo em casa, como queria. Mesmo enfraquecido, participava das festas dos filhos sentado no sofá. Apreciava as festas. Parecia um rei. O livro, seu cetro. A manta o seu manto. Aliás, a manta continua no sofá. Olhem lá!”
Neste momento, o gélido silêncio transformou-se em um estrondo do crepitar do nó de pinho na lareira que estava apagada.

Tim! Tim! Todos se levantaram e brindaram em direção a poltrona, com o tilintar de copos que se partiram no ar.




O MISTÉRIO DA ESTRADA - M.luiza de C.Malina


O MISTÉRIO DA ESTRADA                             
M.luiza de C.Malina

Um homem dirigia sozinho numa estrada vicinal. No rádio uma velha canção lhe fazia companhia. O automóvel era velho e cheio de ruídos e falhas. Na estrada apenas a garoa fina para dar movimento naquela noite fria.

De repente uma visão o faz pisar no freio. O carro derrapa. Não vê nada a sua frente. No entanto, tem a sensação de uma moto que lhe atravessara a frente. Isso o perturba, pois nem sequer havia ruído. Questiona-se se adormecera e sonhara.

Esta impressão somada à monotonia da estrada o incomoda. Com a ajuda dos faróis altos, mas não altos, agora absolutamente acordado,  redobra a atenção.

Diminui a velocidade por uns dez quilômetros, e depois decide acelerar antes que, o ruído compassado do gasto limpador de para-brisas o hipnotize.

Outro susto o alerta. Um vulto à beira da estrada abana para ele. A fraca luz mostra o rosto desesperado de uma mulher apontando para a encosta.

Ele, mantendo as luzes acesas, percebe a mulher sentar-se ao chão. Desce às pressas e, a uns passos vê um carro capotado. Fica em atônito, e corre para ajudar. Uma criança no banco de trás adormecida ou morta?! Hesita. Mas ao tocá-la percebe a temperatura quente,  e retira-a. A pessoa ao volante, uma mulher,  está gélida. Apesar disso,  tenta reanimá-la, em vão. A dor o consome. Sobe a encosta com a criança ao colo.

Procura em vão pela mulher que pedira ajuda. Não a encontra.

Redobra sua atenção tentando encontrar a andarilha. Mas, precisa buscar ajuda. Na próxima cidade pede aciona a polícia que encaminha a criança ao hospital. Ela está ilesa.

Os policiais retornam do local do acidente, com a notícia de que a mãe, que estava ao volante,  não resistiu. O homem pergunta da mulher que havia pedido socorro. Estes lhe Informam que não havia mais ninguém.

Mostram-lhe os documentos da mãe falecida. O homem senta-se, estático. Com a expressão fria da morte, deixa cair os documentos, gaguejando:


- Era ela! Deus a tenha!

SOBRE FANTASMAS, PERDAS E FELICIDADE! - Carlos Cedano



 


SOBRE FANTASMAS, PERDAS E FELICIDADE!
Carlos Cedano

Helena entra no quarto e como sempre, tem a sensação de volta ao seu passado de tristes lembranças. Senta na cama e contempla a foto pendurada na parede a sua frente. É o casamento de meus pais, ela está tão linda! Exclama em alta voz.

Sim! -  disse Clara,  sua amiga “para todas as estações”Linda e feliz!

Pois é minha amiga! A alegria durou pouco, a vida foi cruel. Eu tinha apenas quatro anos quando um acidente de carro ceifou a vida de meu pai. Minha mãe o adorava, era sua eterna paixão e de repente, tudo acaba!

Os olhos de Clara passeiam e se fixam no vestido de noiva pendurado na porta do quarto. É o vestido de seu casamento! Diz ela aproximando-se - Que coisa deslumbrante, nunca o tinha visto tão de perto!

O vestido era uma esplendorosa criação. O designer conseguiu convergir a qualidade dos tecidos e materiais em um desenho onde a simplicidade era o melhor atributo de sua beleza.

Sim, minha mãe o viu, se encantou e disse para ela mesma que seria o vestido de seu casamento. E assim foi! E, aos dezoito anos eu conheci Vicente, namoramos, noivamos e marcamos a data de casamento. Durante os preparativos mostrei pra ele o vestido.

            — E daí? Perguntou Clara com incontida curiosidade.

            — Disse-lhe que gostaria de casar com o vestido de minha mãe.  Vicente concordou no ato! O restante da historia você acompanhou, foi nessa época que nasceu nossa amizade, querida amiga.

            — É, e foi duro ver você sofrer a morte prematura de Vicente. Ninguém podia imaginar um infarto fulminante aos trinta e cinco anos! E sua filha, Mariana, tinha apenas dois anos! - disse Clara.

Helena guardou silêncio por alguns minutos. Pensava, e tinha o rosto mostrando uma forte preocupação, Clara percebeu a situação da amiga:

            — O que perturba você Helena?

            — Você sabe que Mariana já está formada, ela e Rodrigo estão apaixonados, bem situados profissionalmente e querem casar em breve?

            — E qual é o problema? Indagou Clara.

            — O problema é meu! São meus fantasmas sempre presentes que misturam minhas perdas com minha insegurança! Criei na minha cabeça um temor obsessivo, que minha historia e a de minha mãe pode repetir-se com minha filha. Isso me angustia! É irracional, mas me perturba!

Clara não pode deixar de sorrir e foi logo perguntando:

            — Você já falou com Mariana de teus temores?

            — Sim!  E Mariana também quer casar com o vestido de minha mãe, o acha maravilhoso e não abre mão disso! Em todo caso para tranquilizar-me vai falar hoje com Rodrigo. Estou ansiosa por saber sua reação.

Mais tarde chega Mariana com a alegria estampada no rosto. Abraça e beija a mãe, beija Clara e diz:

            — Falei com Rodrigo e contei pra ele teus temores, minha mãe.

            — O que ele achou?

            — Ele me disse — com serenidade e bom humor — primeiro, que seus temores são seus e somente seus. Segundo, que não tem a menor intenção de deixar-me viúva cedo e, por último, que vamos envelhecer juntos e ter muitos, muitos netos!

            — Só isso? Perguntou Helena.

            —Ah! Ele também faz questão que eu use o vestido de noiva da família que agora será meu! Concluiu Mariana com um sonoro riso e alegria que irradiava de seu belo rosto.

Passaram-se os anos, muitos anos, e Mariana casava sua primeira filha com o mesmo vestido. A tradição somente foi interrompida por que o vestido de noiva já estava puído e amarelado. Mas,  o feitiço, se alguma vez existiu, foi definitivamente, afastado!

O susto de Petrusko - Luísa Helena Rodrigues Alves


O susto de Petrusko
Luísa Helena Rodrigues Alves

O carro subiu e desceu como se fosse uma lombada. "Mas o quê? Não havia nenhum aviso na estrada?" Petrusko levou um susto. Será que passou em cima de um cachorro morto? Nessas estradazinhas vicinais isso era muito comum: cachorro ou bicho do mato... Petrusko era administrador de uma chácara. Seu patrão o vira chegar muito novo á procura de emprego numa área onde a agricultura era muito produtiva. Florescia o que se plantava, laranjas perfumadas, pêssegos lindos, goiabas aos montes, limão siciliano de  grande valor, sem contar a horta que  verdinha e bem cuidada provia  as refeições do ano todo. A terra generosa devolvia com fartura os cuidados que lhe ofereciam. Crescera aprendendo  com  seu avô e seu pai, , também homens da terra. Pensando tudo isso continuou seu caminho para casa. Estava pintando sua casinha para receber sua noiva depois do casamento. Maria , de uma chácara  vizinha veio para um São João, festa comemorada todo ano, em todo interior de São Paulo. Num arrasta pé, arrastou suas asas para o lado dela e deu certo. Deixou sua timidez de lado e conversaram toda noite...Mas hoje esse tranco com o carro o estava perturbando, poderia ser  um novilho desgarrado ou até mesmo uma pessoa, um bêbado caído na estrada. 

Estacionou o carro em casa e tentou dormir. Qual o que? Os pensamentos sombrios não o deixavam em paz. Suava na cama, virava de um lado para o outro sem se acomodar. A insônia tomou conta dele e cada vez mais assombrações apareciam.  Viu-se sendo levado pela policia, que pelo rastro dos pneus descobriram ser ele o assassino.Viu sua cara estampada no jornal da cidade vizinha. Assassino!... Arre! Não aguento mais isso! O  dia clareava quando num salto levantou-se da cama pegou o carro e voltou pela estrada. Chegando perto do local, viu o vulto no chão .Tinha um chapéu de palha e as mãos...Também de palha?! A roupa de remendos e um cinto de corda... Súbito tudo se clareou:

— Um espantalho, meu Deus!  Que susto!! Na mesma hora se ajoelhou e com lágrimas nos olhos agradeceu à mãe de Deus, Maria o mesmo nome de sua noiva, que o salvara!



Balancinho do Mar - Vera Lambiasi



Balancinho do Mar
Vera Lambiasi

Vendo cadeira de balanço Thonet, madeira clara, de palhinha. Uma gostosura só.

Ficava no cantinho de leitura da minha avó, junto ao abat-jour de pé e cúpula de pergaminho.

Nesses dias, seu vai e vem acompanha as ondas do mar, num ranger musical.

A varanda a acolhe com doçura, e, o que era clássico, virou rústico.

Assim são os móveis de qualidade que saltam gerações.


Lamento vendê-la.

CADEIRA- RARIDADE -VENDE-SE - Oswaldo Romano


CADEIRA- RARIDADE -VENDE-SE
Oswaldo Romano       
                                                              
        O que você acha bonito da vista do seu terraço? Vendo a cadeira que está faltando nele. Construída com Jacarandá da Bahia, acento de Pinho de Riga.  Encaixes cravados, ergométrica, o verniz transparente mostra seus veios, uma joia da marcenaria. Ah! E ainda, é de balanço!

        Fabricada pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Precisa falar mais? Fale com Fernando: 3040.4080011.

        Dia seguinte, cedo começaram os telefonemas. Muitos interessados.

        Fernando atendia, ouvia uma série de perguntas e histórias de passados, depois se desculpava alegando já tê-la vendido.

        Sua mulher que estava na cozinha, ouvindo sua conversa, e sempre a mesma, não se conteve. Com o pano de prato que carregava consigo foi à varanda onde ele atendia ao telefone:

        — Fernando, o que acontece? Afinal, você vendeu ou não vendeu essa cadeira?

        — Amélia, fiquei olhando a cadeira. Lembro-me de quantos por ela já passaram. Ela ali, igualzinha, bonita mesmo como anunciamos. Não tive coragem de fechar com ninguém. Amélia vamos aproveitar esses telefonemas e vender outra coisa?

        — Amélia silenciou.
****


O Pinho de Riga é uma madeira pesada e na época abundante. Procedia de Riga, Estônia. Os portugueses e ingleses usavam-na em suas naus para fazer o lastro da navegação No Brasil, davam lugar ao carregamento do que levavam daqui. Madeira muito cobiçada pelos nobres brasileiros para valorizar suas construções. Só em 1930 o governo com o inicio dos tombamentos, cerceou demolições históricas. E com isso a oferta dessa madeira. O que ainda existe, é muito valorizada, vendida por quilo.  Observe-as como relíquias em portas ou janelas de finas residências, ou boutiques.


Era uma vez uma Princesa que usava óculos. - Vera Lambiasi


Era uma vez uma Princesa que usava óculos.
Vera Lambiasi

                                       
Linda como um jardim florido, adornava seus cachos com libélulas. Vestia-se de jasmins rosados, calçava cristais cintilantes. Caminhava pelos palácios, espalhando seu encanto em sorrisos cativantes.

Mas uma coisa a aborrecia. Seus olhos não enxergavam com nitidez a paisagem.

Precisava chegar bem pertinho dos passarinhos para admirá-los.

Sentia os perfumes das rosas antes de vê-las.

Até que chegou ao seu reino um mágico, que adornou seus olhinhos com duas lentes surpreendentes. Colocadas num aro, apoiado às orelhinhas, devolviam a visão à linda menina.

Agora ela descobria tudo em minúcias, e nem tinha que aproximar-se tanto.

Uma felicidade imensa tomou seu coraçãozinho.

Podia descortinar o mundo com suas duas gotinhas brilhantes.

Ocorrido peculiar - Fernando Braga


Ocorrido peculiar
Fernando Braga

Ele disse que estava dirigindo seu Passat amarelo, velho, por uma estradinha vicinal, entre dois vilarejos no oeste de Minas, em noite escura e chuvosa, quando resolveu parar para observar se no próximo trecho da estrada, com muita lama, daria para passar. Acendeu os faróis do carro e desceu para melhor observação. Neste momento, uma luz muito forte iluminou o pedaço e subitamente, surgiu um objeto voador, com forma arredondada, de uns 15 metros de diâmetro, que desceu a uns 50 metros, à esquerda de seu carro. Naquele momento, disse   ter ficado atônito, com muito medo, arrepiado, pois nunca havia visto nada semelhante em sua vida. Ficou parado, observando, mas a vontade era de correr, mas correr para onde?

 O estranho aparelho tinha luzes fortes em volta e logo uma porta grande se abriu, por onde saiu uma escada rolante de uns 5 metros e desceram duas figuras estranhas, uma mistura de gente com inseto, de um metro de altura, magras, com cabeças grandes para os corpos pequenos, dois olhos grandes, boca redonda, sem nariz, com uma antena de cada lado da testa. Tinham dois braços pequenos e mãos grandes, pernas longas. Quando percebeu, as duas criaturas já estavam diante de si, fazendo um movimento com as mãos para que se aproximasse e os acompanhasse. Pensou ser uma nave planetária e eles deveriam ser ETs, tenho que acompanha-los. Entrou na nave e viu uma sala grande, ocupando todo o espaço e junto às paredes aparelhos eletrônicos, telas como de televisão, painéis iluminados, computadores. E sentados, mais quatro destes homúnculos estranhos. Emitiam som diferente, parecido com o zumbido de uma cigarra e demonstravam se entender com os movimentos contínuos das antenas. Ficaram me olhando atentamente, me tocando,  e logo percebi que a nave se elevara e estava voando. Após uns 30 minutos, aterrissaram novamente, a porta se abriu e fui empurrado para fora. A porta se fechou e logo a nave desapareceu. Pensei: não devem ter gostado de mim, nem perguntaram meu nome. Olha, não entendi nada! Será que procuravam alguém diferente?

 Vi-me só em um campo e ao longe havia luzes de uma cidade grande. Ainda surpreso, comecei a caminhar até a cidade, onde procurei uma delegacia. Era noite, entrei na delegacia, onde estavam dois soldados, que ao me verem me perguntaram logo:

— O que você quer?

— Que cidade é esta? é Montes Claros? retruquei.

— Você está louco, quer nos gozar? Você está em Belém. E não venha com piadinhas. O que você quer, matou alguém e veio se entregar?

— Nada disso! - exclamei. Agora há pouco eu estava em Montes Claros, em Minas. E fui transportado para cá em uma nave interplanetária. Te juro mesmo!

— Esse cara deve estar louco! - disseram. Deram alguma coisa para ele comer, beber e fizeram-no sentar em uma poltrona para descansar, para resolverem tudo no dia seguinte, com o delegado.

Pela manhã chegou o delegado e ao ser informado de tudo, perguntou a ele seu endereço e telefone. Deu o telefone de sua casa em Minas. Telefonaram e a mulher que atendeu, confirmou ser sua mulher e disse estar preocupada, que ele estava desaparecido há dois dias. O delegado, que sempre se interessou por OVNIs, após ouvi-lo novamente, chamou colegas e a mídia. Logo, começou a sair no noticiário do rádio e TV, jornais, que espalharam a notícia. Quinzinho, tornou-se figura rara, deu entrevistas. Ficou rapidamente, conhecido. Reconduzido a Minas, o prefeito e o governador mineiros, após entrevistá-lo, propagaram, que aquele era o primeiro caso concreto, de alguém, que confirmava a existência de UFO. A notícia tornara-se até internacional.

Sua mulher e seu médico neurologista, ficaram quietos frente à repercussão que o caso obtivera. As entrevistas rendiam até uma boa gaita. Na realidade, eles que conheciam bem o caso de Quinzinho sabiam que ele era portador de uma epilepsia especial, chamada de automatismo psicomotor ou epilepsia complexa, que quando ocorre a crise, pode levar o paciente a um estado de perda parcial da consciência, continua a exercer atividade psicomotora, mas durante toda a duração da mesma, não guarda lembrança de nada, do que fez, do que falou e assim por diante. Episódio semelhante havia ocorrido com ele há dois anos, quando foi parar em Curitiba, mas naquela ocasião nada inventara. Comprara a passagem aérea, dirigira-se ao aeroporto, tomara o avião, descera na cidade, tudo automaticamente e aí, quando a crise passou, não sabia onde estava, mas conscientemente, voltou para casa. Desta vez, ao tomar conhecimento que viera parar em Belém, inventara toda a história do OVNI, para ganhar notoriedade. Afinal, epiléptico, não é burro! Seu Passat amarelo continuava em sua garagem!


Esta história é como a do inglês, que viajara de Londres a Bombaim em um cargueiro, viajem de dois meses, em estado de automatismo psicomotor.