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Não dá para esquecer - Fernando Braga



Não dá para esquecer
Fernando Braga

Eu a vejo todos dias, quando o sol mal principia, a cidade a iluminar....

Assim, começa a consagrada música de Ataulfo, quando fala da professorinha, pela qual todos   fomos apaixonados quando éramos jovens. Contudo, não é dela que quero falar, mas de outra Professora, com P maiúsculo, que tive com apenas dez anos.

Estava eu no quarto ano primário do grupo escolar, período da manhã, na  pequena cidade do interior, onde nasci. No próximo ano, deveria ir estudar em São Paulo, em um bom colégio da capital, como era uma rotina para aqueles, cujos pais tinham alguma posse e queriam que seus filhos fossem doutores. Era feita uma matrícula prévia, mas o aluno só seria aceito, se tivesse um nível bom, o que era verificado através de uma prova de suficiência, feita em janeiro. Neste sentido, para melhorar meus conhecimentos, meu pai me matriculou no curso de admissão da dona Olga, no período da tarde. Ao me apresentar a ela, eu disse:

— Eu já conheço a senhora, do grupo escolar.

— E eu já conheço seu pai, e é bom você ficar bonzinho, estudar muito, senão vou ter que puxar as suas orelhas. Dona Olga era conhecida como ótima professora, mas muito enérgica, exigente, diferente das outras, mais ¨soft¨.

Éramos uns trinta alunos, em uma sala alugada no Ateneu Riopretense, onde ficávamos quatro horas diariamente, no período da tarde. Estudávamos as quatro matérias, que geralmente eram exigidas nestes exames de avaliação: matemática, português, história do Brasil e geografia geral. O método de ensino que usava, certamente próprio, era baseado no raciocínio, na lógica, no conhecimento, mas também na decoreba. Foi a hora certa de aprender e decorar as tabuadas, de aprender e decorar as quatro conjugações, com todos os seus tempos verbais, os ditados, com palavras de escrita difíceis, a resolver problemas complicados de matemática, aprender a fazer os famosos carretões, com múltiplas operações. Para a história e geografia, distribuía apostilas, que deviam ser compreendidas e decoradas. Cada capítulo de história e geografia eram primeiramente lidos pausadamente, explicados com muita clareza, solicitando perguntas relativas aos textos e somente terminava a explicação quando todas as dúvidas haviam sido dirimidas. Eram aulas gostosas de assistir que nos prendia a atenção. No próximo dia e diariamente, arguições eram feitas para nos cobrar o aprendizado. Para começar a cobrança, batia com uma vareta na mesa e pedia:

— Capitais e duas cidades principais dos países da Europa -  e apontava um aluno para começar. Este devia fazer uma exposição em ordem geográfica, assim:- Portugal, capital Lisboa, cidades principais Porto e Coimbra, Espanha capital Madri, cidades principais Sevilha e Barcelona, França, capital Paris, cidades principais Marselha e Lion. Paris também conhecida como cidade luz, tem quatro milhões de habitantes, é cortada pelo rio Sena e dentre seus principais pontos turísticos, estão a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Museu do Louvre, a Igreja de Notre Dame. Então batia com a vareta na mesa e o seguinte aluno, devia continuar.  Passava então para os países das Américas, da Ásia e da África. Aquele que não falhasse na sequência, na continuidade, tinha seu nome anotado, para permanecer na sala após o término da aula e estudar por uma hora ou mais. Foi com ela que  aprendi sobre a Oceania, a Polinésia com todas suas ilhas e seus vulcões, os Rios importantes do mundo, as Cordilheiras, os Picos mais altos, os Planetas pela ordem de tamanho, e muitas coisas mais, que guardo até hoje, e que a maioria dos estudantes da sétima e oitava série de hoje, de colégios famosos não sabem, o que muitas vezes já tive prova.

Nunca vou me esquecer de Duclair Duglay Troin, líder da invasão francesa no Rio Janeiro, da Guerra dos Emboabas, de Felipe Camarão, apenas para citar alguns fatos históricos que hoje, penso, são totalmente desconhecidos pelos estudantes. Muito conhecimento nos era transmitido por aquela única mestra, precisa, com clareza, entusiasmo, que era exigente para o nosso próprio bem. Nada de brava, apenas exigente, para nosso próprio bem!

Em janeiro vim para São Paulo, agora com 11 anos, fiz o teste, achei as provas fáceis, passei brilhantemente e por quatro anos frequentei como interno, o Colégio Arquidiocesano, regido pelos  Maristas.

Voltando à minha cidade, após esta aprovação, meu pai fez questão de levar-me até a casa de dona Olga para agradecê-la, o que fiz com prazer. Levei-lhe uma pequena lembrança, com um cartão onde escrevi: Obrigado dona Olga. Não dá para esquecê-la jamais.

Algum tempo após, meu pai estava conversando com um seu amigo, farmacêutico, no centro da cidade, quando passou pelo outro lado da rua dona Olga, que vendo meu pai, se aproximou e veio perguntar como estávamos. Meu pai a apresentou a Valdomiro, que comentou após sua saída:

— Que moça fina, interessante, simpática. Ela é casada?

Não era casada e já estava com mais de trinta, já era balzaquiana, contou! Vendo o interesse de Valdomiro, pessoa correta, bom profissional, boas condições, procurou Olga para comentar as palavras de seu amigo. Ela também se interessou. Encontraram-se e pouco tempo depois estavam casados. Viva o Santo Antonio!


Logo nasceu Valdomirinho, hoje médico, hoje político, duas vezes eleito prefeito de S. J.do Rio Preto, cidade com mais de quatrocentos mil habitantes. Queridíssimo, admirado por todos por sua capacidade administrativa, filho da querida Dona Olga.

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