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ACONTECEU NUM VERÃO - Oswaldo Romano






ACONTECEU NUM VERÃO
Oswaldo Romano

         Aconteceu num verão há muito tempo, história hoje lembrada, quando dois apaixonados resolveram passar a lua de mel naquelas praias, de moto rodando ao acaso.
         Praias, no verão, e próximas a São Paulo, são convidativas. Na época a classe média não podia pensar em passar a lua de mel na Europa. Nem de avião se distanciar da cidade. Usava-se a metade das férias porque a outra metade trabalhada contribuía nas despesas do casório. Em quinze dias, não se podia pensar numa viagem de navio. Faltava tempo, dinheiro e até navios.
         Aviões internacionais eram poucos e só para alguns, assim como os DC3 regionais, eram um luxo. Os noivos carregavam na imaginação os melhores momentos de uma grande festa.    Uma entrada triunfal no salão, clarins que arrepiavam e vibrando mexiam com os nervos dos presentes. A orquestra tocando uma valsa comovente, e os pares dançando, diziam coisas a meia voz.

É o noivo agora quem conta:
         — Estávamos um para o outro e a ternura nos envolvia de caricias. Olhávamos as convidadas, dançavam atentos entre nós e na nossa apresentação. Destacava-se o vestido da noiva, lembro bem, era rendado, todo branco e estrelado. Ela lançava sorrisos de alegria, eu com leveza a carregava, dançando alegremente.
         Entram de novo os clarins anunciando a chegada do bolo. Diminuem as luzes, servem o champanhe. Tim, tim. Trançamos os braços, brindamos, bebemos. A orquestra enchia o ar de emoção. Giramos, rodamos ao som da Danúbio Azul e Strauss que nos perdoe, finalizamos com o Lago dos Cisnes do Tchai, menos cansativa, aquela da Bela Adormecida.
         As solteiras aguardavam o arremesso do buquê. Embora as flores fossem vivas, elas levaram borrifadas, reforçando seu perfume. O mesmo acontecia com as jovens cuidando das suas maquiagens.
         De mansinho escapamos de mãos dadas, motivados pela vontade eminente de viajar. Depois por familiares fomos levados para a rodoviária. Ávidos por algazarras, lançavam pétalas de rosas e punhados de arroz.
         Festejando o casório, nos jogamos nas poltronas do bacurau, o ônibus Pulmam, e unidos, dominados pelo cansaço e sono, caímos nos braços de Morfeu.
         Não durou mais que um minuto. Fomos descobertos e despertados com gozações e felicitações vindas de traz, uma moçada, um grupo que seguia no mesmo carro para as praias de Santos.
         Senti-me numa situação inusitada. A cabeça rodava, seria o balanço do ônibus ou resquícios da bebida. Bebida do modesto jantar que havíamos oferecido aos padrinhos. O momento não permitia festas ou estender convites além deles.
         Foi muito bom sonhar. Sim, aquilo foi tudo um sonho, acordei. Curtimos a alegria dos jovens. Mandavam epítetos apimentados e sentimentais de parabéns e cantavam.
         A ilusão da festa marcou um incentivo e confiável esperança de algum dia podermos vivenciar coisas melhores.
         Cantavam talvez motivadas pela esperada ideia de um dia ocupar nosso lugar. Jogavam palavras de amor, que cobriam nossa primeira noite. Foi assim, no balanço do Pulmam que nascia à responsabilidade da vida. Vida que foi valentemente enfrentada e vencida.
         Aos poucos imperou o silêncio, e com ele dormimos. Quando percebemos éramos recebidos numa simples pousada.     Principiava a nossa lua de mel.
         Ficou um pequeno problema pendente. O nosso segundo amor, raramente o largávamos, havíamos deixado em São Paulo. Era a moto Harley Davidson, nosso maior e único capital, companheira inseparável. Foi por segurança que a deixamos. Bebida não combina com moto. Nunca nesse dia. Tínhamos uma vida para cuidar.
         Madrugada, nem aurora tinha, quando de Santos eu chegava de Zefir em São Paulo. Logo mais, acelerando e ouvindo o ronco da 1200 CC, eu voltava cheio de contentamento rumo a pousada. Encontrei ainda a Bela Adormecida desmaiada. Até me culpei!
A ATRAÇÃO E O ENCANTO DAS AREIAS.
         Milhares de quilômetros foram rodados entre as Praias do Sul e Costa Verde. Os caminhos existentes eram elas, as próprias praias. Surpreendidos pela Preamar, pernoitávamos em qualquer local possível de chegar, mesmo rodando sob as trilhas existentes nas linhas de transmissões. O amor estava dividido em quatro: O nosso, a moto, a areia e o mar.
         A festa narrada de início, como vimos, não passou de um comovente e desejado sonho. Mas dando tempo ao tempo, resgatamos essa cobiça, promovendo um intenso trabalho a dois. Conhecemos o mundo, agradecendo a Deus a transformação desse sonho em realidade.
                                      E assim ela se mantem por mais de cinquenta anos.

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