O Festival de Besteira Que
Assola o País
Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)
Disse Stanislaw no FEBEAPA
2:
"É difícil ao
historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o
País. Pouco depois da "redentora", cocorocas de diversas classes
sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem "otoridades",
sentindo a oportunidade de aparecer, já que a "redentora", entre
outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela de dedo-durismo,
isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim,
como corrupto ou subversivo — alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as
coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te
contar".
Vamos a algumas amostras:
"O mal do Brasil é
ter sido descoberto por estrangeiros" (Deputado Índio do Brasil,
Assembléia do Rio).
O cidadão Aírton Gomes de
Araújo, natural de Brejo Santo, no Ceará, era preso pelo 23.º Batalhão de
Caçadores, acusado de ter ofendido "um símbolo nacional", só porque
disse que o pescoço do Marechal Castelo Branco parecia pescoço de tartaruga e
logo depois desagravava o dito símbolo, quando declarava que não era o pescoço
de S. Exa. que parecia com o da tartaruga: o da tartaruga é que parecia com o
de S. Exa.
Cerca de 51 bandeiras dos
países que mantêm relação com o Brasil foram colocadas no Aeroporto de
Congonhas. O Secretário de Turismo de São Paulo — Deputado Orlando Zancaner —
quando inaugurou a ala das bandeiras, disse que "era para incrementar o turismo
externo".
Quando a Censura Federal
proibiu em Brasília a encenação da peça Um Bonde Chamado Desejo, a atriz Maria
Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em
defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de "viva a
Democracia". O senhor Ernani Sátiro na mesma hora retrucou: "Insulto
eu não tolero".
O Diário Oficial publica
"Disposições de Seguros Privados" e mete lá: "O Superintendente de Seguros Privados,
no uso de suas atribuições, resolve (...), "Cláusula 2 — Outros riscos
cobertos — O suicídio e tentativa de suicídio — voluntário ou
involuntário".
Em Niterói o professor
Carlos Roberto Borba iniciou ação de desquite contra a professora Eneida Borba,
alegando que sua esposa não lhe dá a menor atenção e recebe mal seus carinhos
quando é hora de programas de Roberto Carlos na televisão. A professora vai
aprender que mais vale um Carlos Roberto ao vivo que um Roberto Carlos no
vídeo.
Colhemos num coleguinha do
Jornal do Brasil:
"O General José
Horácio da Cunha Garcia fez uma firme apologia da Revolução e manifestou-se
contrariamente às teses de pacificação, bem como condenou o abrandamento da
ação revolucionária. O conferencista foi aplaudido de pé". O distraído
Rosamundo leu e, na sua proverbial vaguidão, comentou: "Não seria mais
distinto se aplaudissem com as mãos?".
Enquanto o Marechal
Presidente declarava que em hipótese alguma permitiria fosse alterada a ordem
democrática por estudantes totalitários, insuflados por comunistas notórios,
quem passasse pela Cinelândia no dia 1.º de abril depararia com o prédio da
assembléia Legislativa totalmente cercado por tropas da Polícia Militar. Na
certa, a separação de poderes, prevista na Constituição, passará a ser feita
com cordão de isolamento e muita cacetada.
Notícia publicada pelo
jornal O Povo, de Fortaleza (CE): "O Dr. Josias Correia Barbosa, advogado
e professor, esteve à beira de um IPM (Inquérito Policial Militar) por haver
passado um telegrama para sua sobrinha Loberi, em Salvador, comunicando-lhe que
a bicicleta e as pitombas tinham seguido. Houve diligencias pelas vizinhanças,
parentes foram procurados e outras providências tomadas. Passados dois dias,
soube o Dr. Josias que o despacho telegráfico não fora transmitido porque um
James Bond do DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) estranhara os termos
"bicicleta", "pitombas" e "Loberi", que
"deviam ser de um código secreto".
"Os jornalistas
deveriam apanhar da polícia não só durante a passeata, mas antes também. Eles
são incapazes de reconhecer o valor da polícia. Os fotógrafos, por exemplo,
nunca fotografam os estudantes batendo no policial". Essa declaração foi
feita pelo Secretário de Segurança de Minas Gerais, coronel Joaquim Gonçalves.
A peça "Liberdade,
Liberdade" estreou em Belo Horizonte e a Censura cortou apenas a palavra
prostituta, substituindo-a pela expressão: "Mulher de vida fácil", o
que, na atual conjuntura, nos parece um tanto difícil. Ninguém mais tá levando
vida fácil.
Segundo Tia Zulmira
"o policial é sempre suspeito" e — por isso mesmo — a Polícia de Mato
Grosso não é nem mais nem menos brilhante do que as outras polícias. Tanto
assim que um delegado de lá, terminou seu relatório sobre um crime político,
com estas palavras: "A vítima foi encontrada às margens do riu sucuriu,
retalhada em 4 pedaços, com os membros separados do tronco, dentro de um saco
de aniagem, amarrado e atado a uma pesada pedra. Ao que tudo indica, parece
afastada a hipótese de suicídio".
Em Campos (RJ) ocorria um
fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de
Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito.
Ao final do julgamento Hitler foi absolvido.
A mini-saia era lançada no
Rio e execrada em Belo Horizonte, onde o Delegado de Costumes (inclusive
costumes femininos), declarava aos jornais que prenderia o costureiro francês
Pierre Cardin (bicharoca parisiense responsável pelo referido lançamento), caso
aparecesse na capital mineira "para dar espetáculos obscenos, com seus
vestidos decotados e saias curtas". E acrescentava furioso: "A
tradição de moral e pudor dos mineiros será preservada sempre". Toda essa
cocorocada iria influenciar um deputado estadual de lá — Lourival Pereira da
Silva — que fez um discurso na Câmara sobre o tema "Ninguém levantará a
saia da Mulher Mineira".
Em Brasília, depois de um
dos maiores movimentos do Festival de Besteira, que bagunçou a Universidade
local, o Reitor Laerte Ramos — figurinha que ama tanto uma marafa que cachaça
no Distrito Federal passou a se chamar "Reitor" — nomeava um
professor para a cadeira de Direito Penal.
O ilustre lente nomeado começou com estas palavras a sua primeira aula:
"A ciência do Direito é aquela que estuda o Direito".
A Igreja se pronunciou,
através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sobre recentes
publicações pretensamente científicas, "que abordam problemas relacionados
ao sexo com evidente abuso". O documento não explicou se o abuso era do
problema ou se o abuso era do sexo. Em compensação, nessa mesma conferência,
Dom José Delgado, Arcebispo de Fortaleza, dava entrevista à Agência Meridional
sobre pílulas anticoncepcionais, uma pílula formidável para fazer efeito no
Festival de Besteira. Como se disse bobagem sobre o uso ou não da pílula, meus
Deus!!! Dom Delgado, por exemplo, dizia: "A protelação do casamento é a
única conclusão a que chego, atualmente, para a planificação da família e o
controle da natalidade. E, depois disso, só existe um caminho seguro: o da
continência na vida conjugal". Como vêem, o piedoso sacerdote era um
bocado radical e queria acabar com a alegria do pobre. Ainda mais, falando em
sexo e em continência na vida conjugal, deixou muito cocoroca achando que, dali
por diante, era preciso bater continência para o sexo também.
Textos extraídos dos
livros "O Festival de Besteira que Assola o País", Editora do Autor -
Rio de Janeiro, 1966, "2.º Festival de Besteira que Assola o País",
Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, e "Na Terra do Crioulo (A máquina de
fazer) Doido - FEBEAPA 3", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1968, págs. diversas.
(copiado do site
Releituras: http://www.releituras.com/spontepreta_festival.asp)
Nenhum comentário:
Postar um comentário