Ciúmes
Suzana da Cunha Lima
Rubens e Marta ainda
moravam na mesma casa por uma questão econômica. O juiz havia concedido
separação de corpos e caberia a ele manter a casa financeiramente e a ela
administrá-la. E ambos estariam livres de procurar outro (ou outra) companheiro
(a),desde que não o (a) levassem para dentro da casa onde ambos ainda
residiam. Era o mesmo que estar casado,
com aval para sair quando e com quem quisesse, até mesmo dormir fora ou viajar,
sem dar nenhuma satisfação. Melhor,
impossível, pensou Rubens, que já fazia isso há algum tempo, motivo das
constantes brigas dos dois. Parecia um bom arranjo, mas o tempo provou o
contrário.
Porque Marta
fiscalizava as entradas e saídas dele pela janela do seu quarto, através da
veneziana. Também passava bom tempo no quarto de Rubens, remexendo gavetas e
roupas, livros e papéis, sempre em busca de alguma coisa que ela não deveria
saber para não se sentir infeliz.
Um dia, ela não
conseguiu entrar lá, porque ele o havia trancado a chave. Ficou furiosa, chamou
o chaveiro, acabou entrando. Isso deu a
Rubens o direito de reportar o caso ao juiz e ela acabou sendo duramente
recriminada.
Noutra noite, sempre
espiando pela veneziana reparou que o carro parado à frente da casa não era o
dele. Alguém o tinha trazido e pela demora nas despedidas, era alguém muito
ardoroso.
- Tudo isso, ali, no
meu nariz – queixava-se aos filhos, já cansados das lamentações da mãe. Não
adiantava conselho e nem mesmo a ideia de ela própria arranjar um namorado, foi
aceita. O ciúme era um cancro que estava dando metástase em
todos os aspectos de sua vida.
Cada vez mais
furiosa, resolveu colocar um cadeado com corrente no portão de entrada que era
bem alto - Quero ver agora você entrar, seu safado. - E ficou de vigia na janela para saborear a
hora da chegada de Rubens e ver a cara de surpresa que ele ia fazer. Nem
cogitou que não podia agir desta maneira. Tinha assinado junto com o Rubens e
diante de um juiz, um compromisso que ser honrado.
Ele chegou bem tarde
e já sonolento. Olhou para o cadeado atarantado, até perceber que não ia
conseguir entrar em casa naquela noite. Aborrecido, levantou o olhar para
janela, viu seu vulto e gritou: Você me paga, espere para ver. No dia seguinte
entrou com o pedido de divórcio, foi na casa pegar suas coisas e achou que
tinha saído da vida de Marta para
sempre.
Foi quando Marta
surtou de vez. Arranjou um detetive para espionar Rubens e parece que o
alimento de sua vida era ler os relatórios que o investigador lhe levava. E
essa obsessão foi corroendo sua saúde e a tornando cada vez mais fraca e
amarga.
Enquanto isso o
processo de divórcio ia seguindo seu curso e ela foi chamada para as primeiras
acareações. Entrou noutra paranoia ao perceber que ia ficar pior do que estava.
Tinham que dividir os bens. Marta ficou histérica e percebendo que não podia
reverter o quadro que ela mesma criara, resolveu se vingar pedindo uma pensão
altíssima. O juiz nem considerou seu
pedido e tentou lhe dar alguns conselhos, para tentar acalmá-la.
Um dia, o
investigador resolveu falar com ela pessoalmente. – D. Marta, a senhora está
gastando seu dinheiro atoa. Não vejo
nada fora do comum na vida do Sr. Rubens.
Trabalha muito e almoça no escritório. Às vezes sai para tomar café numa
padaria em frente com alguns clientes, geralmente homens.
Está morando num
apart-hotel perto do trabalho. Fiquei amigo do porteiro e ele me garantiu que
nunca viu mulher entrando lá para falar com ele, nem ele chegou lá com alguma
mulher. É uma vida bem sem graça, essa
de seu marido, viu?
-Fique de olho também
nos homens, ora – dizia ela – vá que ele resolveu sair do armário e arranjou
algum jovenzinho para se divertir.
O investigador
estacou como se tivesse recebido um soco. – Sou um profissional, minha senhora.
Qualquer coisa nesse sentido já teria me chamado a atenção. A senhora me desculpe, mas vou sair desse
serviço. Estou trabalhando em pura perda e sinto-me mal em aceitar seu
dinheiro. Nada acontece na vida de Sr. Rubens que mereça alguma atenção maior.
Aqui está a conta, se quiser pode fazer um cheque para dois meses.
Marta quase fuzilou o
homem com o olhar, fez logo os cheques e o mandou embora com um monte de
impropérios.
Naquela tarde, ele
foi tomar café na padaria em frente ao escritório de Rubens. Não precisou
esperar muito. Daqui a pouco Rubens chega com uma bela mulher ao lado.
- Oi Siqueira, como
foi a coisa lá com aquela maluca?
- Ah, Dr. Rubens,
quase apanhei dela. Mas já encerrei o caso. Acho que D. Marta está cada vez
mais doente e obsessiva. Dá pena, sabe?
- Que pena que nada,
Sr. Siqueira A gente colhe o que planta. Obrigada por tudo, quebrou um galhão
para mim. Está aqui o prometido - e lhe
entregou um envelope. - Acrescentei uma coisinha mais porque o senhor fez um
trabalho excelente.
- Fico muito
agradecido, Dr. Rubens. Que o senhor
encontre a felicidade e esqueça logo este capítulo tão atribulado de sua vida.
– respondeu o detetive alegre com o que viu dentro do envelope. Rubens pegou o
braço da moça dizendo alegre:
- Vamos dar uma
gorjetinha também para o porteiro daquele prédio, querida.
Atravessaram a rua
rindo, enquanto Sr. Siqueira meditava filosoficamente sobre sua profissão que
só lidava com separações e divórcios e, portanto muitas mágoas represadas,
muito ódio, onde, um dia, só existia amor e confiança.
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