(Imagem trazida do site: casasaudavel.com.br)
O homem que não sabia dizer NÃO.
Mario Augusto Machado Pinto
Mario Augusto Machado Pinto
Depois de quase 35 anos era a primeira vez que Luiz cantava no chuveiro como quando era solteiro. Agora viúvo fresco de um dia, de um dia que fazia toda a diferença em sua vida. Poderia fazer e dizer uma porção de coisas que antes não podia. Não podia nem pensar em fazer, quanto mais dizer...
Interessante que nesse estado em que as pessoas estão tristes, ele nem estava alegre, nem contente. Estava tranquilo. Não tinha qualquer preocupação com o que dizer, com o que fazer, nem com horário, com nada. Ia tomar sua ducha como queria...
Interessante, teve uma lembrança insólita, estranha, a da manhã seguinte à sua noite de núpcias: estava muito contente e começou a cantar alegremente no chuveiro a aria da opera Carmen, aquela quando o toureador chega à praça. Começou imitando o som de um trombone e depois iniciou o canto. Foi quando ouviu: Luiz! Fecha a boca! Para com essa cantoria! Não aguento isso! Que bruta voz!!! Nunca mais cantou no chuveiro.
Quando ia comer fora era sempre a Josefa que escolhia o restaurante, a mesa; aquela que ele indicava não servia: estava mal colocada, sem ampla vista do salão. Até mesmo a comida que queria sempre era trocada por uma com mais vitaminas e não pesava no estomago.
E quando a Josefa ficou gravida da primeira vez, então! Rapaz foi de lascar! Era uma discussão quase diária, uma batalha continua quando o assunto era que nome dar ao filho. Luiz queria homenagear o pai dando o nome dele, Antão; ela dizia “antão” é como os portugueses diziam “então”; queria porque queria Alfredo e acabou sendo Alfredo.
Luiz enxugou-se e passou o creme de barbear e com o pincel fez espuma. Lembrou-se da Josefa dizendo que ele gastava muito creme para pouca barba. Dinheiro não cresce em árvore, dizia e apertava o tubo do creme mostrando a quantidade que achava certa. Foi a mesma coisa com a pasta de dentes. Era um saco, mas o que fazer?
Passou a ir ao barbeiro dia sim, dia não até quando a Josefa percebeu e ficou furiosa. Bufava pelas narinas. “Onde já se viu uma coisa dessas!!!. Virou grão - fino? (ela dizia assim mesmo, grão!). Nada disso! Você pode pegar um parasito e ainda passar pra mim !!! Não, não e não.” E assim foi.
Comprar roupa... Era uma batalha. Luta ferrenha para escolher a cor da camisa: se queria branca ela dizia que sujava demais no colarinho e gastava muito na máquina de lavar; tinha que ser a de cor azul; a gravata listrada era muito chamativa; era melhor uma de cor neutra com pequenos desenhos. Quando foi para escolher a roupa para usar no casamento do Fredinho ela disse que só podia ser o jaquetão preto, calça cinza com listas pretas e camisa branca com “plastron”. Argumentei: Josefa é Dezembro, está muito quente, vou suar em bicas. Dizia ela: Vai nada. Bebe menos água desde a véspera que não sua. E assim foi.
Ela ficou doente de alguma coisa degenerativa. Foi de muita coragem. Fez até um documento em que especificava como queria ser enterrada, a igreja para a missa de sétimo dia e até a qualidade do caixão, a cor, o revestimento, as flores, a vestimenta etc..
Ela morreu em menos de uma semana no hospital com toda a assistência e com a família em volta dela. O velório foi lá mesmo.
Luiz ficou muito triste e ao tratar do enterro caiu a ficha: Pelas barbas do profeta! Posso escolher como quero e não ser mais o cara que sempre diz sim; posso dizer não e a Josefa não pode e não vai dar palpite.
O enterro da Josefa foi como ele quis, sem palpite de ninguém. Foi de muita classe e bonito; todos disseram que foi uma grande homenagem para a Josefa.
Recebeu e agradeceu muito aos cumprimentos. Ficou alvoroçado, irrequieto pensando “Agora vai ser como eu quero” e dizia para si mesmo “sossega leão, sossega leão”...
No intimo se perguntava: não foi caro o preço que a Josefa pagou para ele, Luiz, aprender a dizer não? Até hoje ele não sabe.
Mario Augusto Machado Pinto Março de 2.013.
marioamp@terra.com.br
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