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O Homem que não podia dizer “não” - Christiane Lopes



O Homem que não podia dizer  “não”
Christiane Lopes

Lá estava ele todo empipocado novamente. A filha pequena havia espalhado tinta por toda a casa e no meio daquela lambança de cores ele ainda parecia mais engraçado com aquele corpo repleto de bolinhas vermelhas. Acontece que depois da menina, de apenas 7 anos, espalhar as tintas da mãe pelo recinto, ela queria comer sorvete de morango e aos berros foi  “pedir” ao pai. Ele, apesar de todo mal que lhe aguardava sabia que não poderia deixar a educação da filha apenas para a pobre esposa que, a esta altura, já estava aos prantos contando o prejuízo de todas aquelas aquarelas caríssimas. Então, resignado, ele disse a palavra que não podia:

- Não.

A menina que nunca havia visto o pai pronunciar aquela palavra afastou-se silenciosamente. No entanto, apesar da bem sucedida imposição o homem ficou ali parado esperando a reação de seu corpo. Não foi preciso muito para surgirem as primeiras bolinhas e aquela coceira insuportável, parecia que estava dentro de um formigueiro. Não adiantava, ele não conseguia, ou melhor, não podia dizer a palavra “não” sem seu corpo manifestar aquela alergia.  A mulher, que já estava desesperada com a perda das tintas, gritou apavorada:

- Meu Deus, querido! Você disse? Não acredito que você disse! Eu podia resolver sozinha! E agora? O que vamos fazer?

O homem resignado na sua missão de pai, respondeu enquanto coçava-se inteiro:

- Tudo Bem, fique tranquila, só dura uma hora...Depois eu melhoro!

Aquela era a situação mais simples que podia enfrentar, pois dentro de casa podia pedir ajuda a esposa, sempre muito compreensiva, mas o problema era no trabalho e na vida social. Ele evitava entrar em confronto com as pessoas e quase sempre desviava-se de grandes decisões em grupo. Passava a vida fugindo da palavra maldita e temia cada vez que alguém se direcionava a ele com cara de quem iria pedir alguma coisa. O homem que não podia dizer “não” foi ficando cada vez mais isolado, tinha medo que descobrissem a sua fragilidade e se aproveitassem ainda mais de sua doença. Perdeu muito dinheiro emprestando para qualquer um que pedisse, teve que assistir a milhões de formaturas, assistiu muitas horas de gravações de festas de aniversários dos vizinhos, comeu milhares de pizzas de atum muito embora detestasse atum e pizza. Ele realmente fazia tudo para não passar por aquilo e assim tornou-se a alegria dos vendedores, dos pedintes; só de seguros de vida já havia feito nove, além de muitos celulares, centenas de cartões de crédito, milhares de assinaturas de revistas, jornais e tudo que aparecia na sua frente.   Enfim, sua vida era o próprio inferno, até que um dia pensou em enfrentar toda aquela dor e coceira insuportável. Morreria de alergia ou sobreviveria aos nãos que sairiam de sua boca. Então saiu de casa disposto a combater a estranha doença de uma tacada só; para isso muniu-se de toda coragem do mundo, havia finalmente decidido que a partir daquele dia diria quantos nãos fossem necessários, custasse o que custasse. Fechou a porta de casa e pensou:

- Vamos, Antônio, vamos enfrentar o seu calvário.

Então entrou no elevador e a vizinha perguntou:

- Bom dia, seu Antônio. Eu queria justamente falar com o Sr. sabe que temos família no interior , não é? Pois nessa semana temos que viajar, para ver minha mãe que está muito doente. O Sr. poderia ficar cuidando do Tedi, o nosso cachorrinho?

Antônio, respirou fundo e abriu a boca para dizer a palavra, esfregou o suor que lhe escorria da testa, ajeitou a gravata que já incomodava no pescoço sensibilizado pelas pequenas bolinhas que restaram do último não que pronunciara há dois meses... Pigarreou, olhou o relógio e finalmente falou:

- Claro, dona Matilde. A Clarinha vai adorar.

Lá se foi Antônio, livre da sua alergia à própria vontade!

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