Uma
amiga de infância
Antonia Marchesin Gonçalves
Eu já tinha
uns dez anos, quando a família da Dona Carmela foi morar num sobrado na Cunha
Gago, travessa da Teodoro Sampaio, em Pinheiros, onde nós morávamos. Minha mãe,
fazendo compras na quitanda perto de casa, ouviu uma senhora que mal falava o
português tentando também fazer compras. Wanda, minha mãe, a abordou e ali foi
o início de uma amizade que perdurou por muitos anos, até nos mudarmos para o
bairro de Indianópolis, onde o papai construiu a nossa casa, até então
pagávamos aluguel. Carmela, uma mulher muito sofrida, chegou ao Brasil anos
após a Segunda Guerra.
Casou por
procuração com um sargento do exército italiano, aposentado por trauma de
guerra, era muito rude, só o conheceu quando aqui chegou, ele já residia no
país. Benito se chamava. Eles tiveram duas filhas, Giovanna e Lia. Giovanna, a
mais velha, tinha a minha idade, com isso acabamos ficando amigas. As três
mulheres sob o jugo do marido e pai sofriam muito, maltratadas, inclusive ele
batia muito nela, que ela sempre dizia que as marcas no rosto e corpo eram que
ela vivia batendo na porta do armário e outras desculpas. Os irmãos sabiam e
pediam para que ela se separasse pelo bem das três. Engraçado, ao mesmo tempo,
tínhamos na casa vizinha à minha, uma família de libaneses ricos. E ele, o
marido, também batia na esposa. Ela era linda quando casou. Mas foi se
transformando numa mulher sofrida, com quatro filhos e a sogra. Ele era um
louco. Ela chegou a perder os dentes da frente por socos do marido e os
vizinhos sabiam e ouvíamos seus gritos e choros, mas nada podiam fazer, mas
essa é outra história.
Voltando para
a Carmela ela e as filhas que não puderam estudar fizeram só o primário, ele
passou a exigir que para comer que fossem trabalhar. Giovanna conseguiu um
emprego num salão de beleza perto como ajudante e depois virou manicure,
Carmela cuidava da limpeza e Lia menor se virava em casa até também poder
trabalhar. Com o tempo conseguiram se tornar sócias do salão, com isso as três
ganhavam para sua sobrevivência, sem depender do marido e pai. Após alguns anos
meu irmão fazendo a faculdade de engenharia na Politécnica conheceu o colega
Luis que passou a estudar na minha casa, quando o conheci. Eu já trabalhava na
secretaria da Gerência do Banco Francês e Italiano na Boa Vista. Eu saia do
banco as cinco e chegava perto das seis, sendo que o ponto de ônibus que eu
descia na Teodoro era perto de casa, e o prédio do salão da Giovanna era em
frente ao ponto.
Luis passou a
me esperar no ponto, sempre com um agrado, um bombom sonho de valsa ou uma
barrinha de chocolate diamante negro, já com a intenção de me namorar. Alguns
meses depois, passei a ter à minha espera também a minha amiga Giovanna, que eu
inocentemente pensava ser pela minha amizade, mal sabia eu que era pela amizade
de Luis o seu maior interesse. Depois que passamos a namorar, ele acabou
contando que minha querida amiga dava demonstrações explicitas de interesse
nele. Ao mudar, perdemos o contato, mas no meu casamento as três participaram
como convidadas.
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