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IGUAL À CINDERELA - Suzana da Cunha Lima

 



IGUAL À CINDERELA

Suzana da Cunha Lima

 

- Puxa vida! Minha dona me jogou aqui, no fundo do armário e ainda por cima dentro da caixa. Pelo visto vou envelhecer e me acabar sem nunca ninguém me usar. – o sapato suspirou. - Sou tão lindo! Feito para uma ocasião especial, um casamento, um aniversário, um encontro com o Presidente da república...

Sofia entrou esbaforida.

— Mas estava aqui. Já revirei tudo... Vem cá, Joana. Me ajude a encontrar aquele sapato maravilhoso que trouxe da Itália. Lembra dele?

— Quem não lembraria, dona Sofia? Mas a senhora precisa do sapato agora? Ele só deve ser usado numa cerimônia, um festão, qualquer evento bem glamoroso.

— É o que eu acho também. – Concordou o sapato - E se pudesse gritaria para olharem direito. Estou aqui!!! No fundão... – estava desolado, tentando se mexer na caixa para alguém perceber sua presença. – Por que será que ela está me procurando? O que vai ter de tão especial que ela queira me usar? – Ficou matutando. - Sofia me trouxe há um mês e já se esqueceu onde me guardou?  Meu Deus! Quem faria isso com um sapato como eu? Uma obra de arte, feito a mão, com couro legítimo, especial, macio como a mão de uma dama...

— Comigo? Um sapato comprado na Galleria Vittorio Emanuele em Milano? E na Boutique Santoni? Não pensei que Sofia fosse tão frívola assim, que me comprasse para aparecer, como gastar um dinheirão, seja como comprar pastel na feira...

 Nem os ricos fazem isso. E são ricos exatamente porque não desperdiçam.  Não precisam provar nada.

— Ah, gostaria de ter uma dona que apreciasse a arte onde ela estivesse: num quadro, numa escultura, num belo vestido, num livro e... num rico sapato como eu sou. – foi interrompido em seus pensamentos pela conversa entre Sofia e Joana.

— Veja no fundo dos armários, Joana. Tenho que pensar numa roupa que combine.

— Vai ter alguma coisa aí pela frente que eu não sei?

Sofia a olhou com olhar misterioso, um sorrisinho maroto e disse baixinho: - Vou me casar hoje, Joana. CASAR, entendeu?  Com aquele italiano bonito que me seduziu até chegar a isso. – Colocou o braço todo no fundo do armário.

— Ah, está aqui. Eu o escondi por conta da surpresa.  Ninguém sabe ainda, Joana. Lá em Milão ele me levou à Galeria e escolheu o sapato e me calçou como se eu fosse a Cinderela. E me pediu em casamento, quer coisa mais romântica?

Levei um susto com aquela conversa... Um susto bom! Vou ser inaugurado num casamento! Vou subir ao altar, ouvir as promessas de amor, não permitir que minha dona tropece, ajudá-la a dançar lindamente e acompanhá-la o dia inteiro até a hora de dormir.

Ah, essa é a hora que me arrancam dos pés, numa pressa absurda e me jogam para qualquer canto. Nessa hora não sirvo para nada, ainda vou descobrir por quê.

 


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