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WILLIAM SHAKESPEARE- O BARDO - SONETOS - E CONTROVERSAS - LEITURA RECOMENDADA

 

WILLIAM SHAKESPEARE



William Shakespeare (1564-1516), além de ter sido um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, foi também um poeta lírico estupendo. Os seus sonetos, em especial, são até hoje paradigmas de excelência poética:


Sonnet XVIII

Shall I compare thee to a summer’s day?

Thou art more lovely and more temperate:

Rough winds do shake the darling buds of May,

And summer’s lease hath all too short a date:

Sometime too hot the eye of heaven shines,

And often is his gold complexion dimmed,

And every fair from fair sometime declines,

By chance, or nature’s changing course untrimmed:

But thy eternal summer shall not fade,

Nor lose possession of that fair thou ow’st,

Nor shall death brag thou wander’st in his shade,

When in eternal lines to time thou grow’st,

…….. So long as men can breathe, or eyes can see,

…….. So long lives this, and this gives life to thee.


Soneto 18


Se te comparo a um dia de verão

És por certo mais belo e mais ameno

O vento espalha as folhas pelo chão

E o tempo do verão é bem pequeno.

 

Às vezes brilha o Sol em demasia

Outras vezes desmaia com frieza;

O que é belo declina num só dia,

Na terna mutação da natureza.

 

Mas em ti o verão será eterno,

E a beleza que tens não perderás;

Nem chegarás da morte ao triste inverno:

 

Nestas linhas com o tempo crescerás.

E enquanto nesta terra houver um ser,

Meus versos vivos te farão viver.

 

Tradução de Bárbara Heliodora

Em: Poemas de amor, William Shakespeare, Tradução de Barbara Heliodora, Editora Ediouro:2001




Sonnet XXVI

Lord of my love, to whom in vassalage

Thy merit hath my duty strongly knit,

To thee I send this written embassage,

To witness duty, not to show my wit:

Duty so great, which wit so poor as mine

May make seem bare, in wanting words to show it,

But that I hope some good conceit of thine

In thy soul’s thought, all naked, will bestow it:

Till whatsoever star that guides my moving,

Points on me graciously with fair aspect,

And puts apparel on my tottered loving,

To show me worthy of thy sweet respect:

…….. Then may I dare to boast how I do love thee;

…….. Till then, not show my head where thou mayst prove me.


Soneto 26


Meu amado senhor, a quem sirvo submisso,
Cujo mérito, enfim, enlaçou meu intento,
Por escrito te envio este meu compromisso,
Atestando o dever, porém não meu talento.


Grandioso dever! Meu engenho conciso
Não consegue expressá-lo e ei-lo aqui: nu em pelo;
Mas espero que teu refinado juízo
Com alguma clareza consiga envolvê-lo.


Isso até que uma estrela qualquer com seu brilho
Me conduza p’ra perto de teu belo ser,
Adornando com fausto este amor maltrapilho


E mostrando-me digno de teu benquerer.
…….. Só então ousarei divulgar ter-te amado;
…….. Até lá, não me exponho p’ra não ser testado.



Sonnet XL

Take all my loves, my love, yea take them all;

What hast thou then more than thou hadst before?

No love, my love, that thou mayst true love call;

All mine was thine, before thou hadst this more.

Then, if for my love, thou my love receivest,

I cannot blame thee, for my love thou usest;

But yet be blam’d, if thou thy self deceivest

By wilful taste of what thyself refusest.

I do forgive thy robbery, gentle thief,

Although thou steal thee all my poverty:

And yet, love knows it is a greater grief

To bear love’s wrong, than hate’s known injury.

…….. Lascivious grace, in whom all ill well shows,

…….. Kill me with spites yet we must not be foes.



 

Soneto 40

 

Rouba, sim, meus amores, amor, eles todos,

O que acaso tens tu que não tinhas outrora?

Verdadeiros amores, nenhum, só engodos;

O que tenho era teu, e isso não é de agora.

 

Pelo amor que me tens meu amor me tomaste,

E de usar meu amor nunca posso culpar-te,

Entretanto te culpo, se tu te entregaste

Por capricho a quem sempre deixavas à parte.

 

Eu perdoo teu roubo, ladino gentil,

De ti mesmo furtaste esta minha pobreza;

Eis que o amor sempre soube que é muito mais vil

 

Suportar-lhe os enganos que a dor da crueza.

…….. Graça cúpida, fonte de males extremos,

…….. Com desprezo me mata, mas nunca lutemos.


 

A "CONSPIRAÇÃO" POR TRÁS DA AUTORIA DAS OBRAS DE WILLIAM SHAKESPEARE

Há séculos, estudiosos discutem se as obras do bardo foram realmente escritas por ele ou por um grupo de dramaturgos e poetas

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/


Intrigas, paixões, discórdias e polarizações. O que parece descrição de uma peça de William Shakespeare é, ironicamente, parte dos tons shakespearianos do debate sobre a identidade do autor de sua obra. Duvidar que o filho de um fabricante de luvas de Stratford-Upon-Avon é o mesmo gênio por trás de clássicos como Hamlet e Romeu e Julieta não é novidade.

Em 2011, Hollywood embarcou de vez na onda cética com Anônimo. Pelo argumento do filme, Shakespeare era apenas o testa de ferro do verdadeiro escritor talentoso, Edward de Vere, o 17° Barão de Oxford. Em 2013, o contra-ataque veio na forma de Shakespeare Sem Sombra de Dúvida, uma coleção de ensaios reunindo alguns dos mais renomados estudiosos da obra do bardo na forma de um detalhado desmanche dos argumentos dos que duvidam da versão oficial dos fatos.


A capa do livro  Hamlet / Wikimedia Commons



Assim como Montéquios e Capuletos, a questão da autoria também se divide em clãs tão passionais como os dos amantes da tragédia. Stratfordianos são os que defendem o status quo. Os oxfordianos advogam a causa de De Vere. O cenário se complica porque existem subdivisões entre os céticos, desde os que acenam com candidatos mais polêmicos a autor das peças e sonetos, como o poeta Francis Bacon, a acadêmicos que apenas levantam dúvidas sobre a história oficial - como é o caso de Bill Leahy, coordenador de um programa de pós-graduação em estudos autorais de Shakespeare da Universidade de Brunel, em Londres.

"Existem razões suficientes para questionarmos se William Shakespeare de Stratford-Upon-Avon foi capaz de produzir esse imenso volume de peças e sonetos. Isso por si só é uma razão para estimularmos o debate e o estudo, cumprir nosso dever como acadêmicos", afirma o expert em literatura do Período Elizabetano (o reinado de Elizabeth I, entre 1558 e 1603).

O problema é que colegas de Leahy não costumam receber com seriedade argumentos questionando a linha oficial. Stanley Wells, presidente do Shakespeare Birthplace Trust, a ONG que cuida do legado do poeta em Stratford-Upon-Avon, classifica o ceticismo como mera teoria conspiratória. 

Mas há razão para dúvidas? O problema é a falta de documentos sobre William Shakespeare. O pouco que se sabe sobre o homem que nasceu em Stratford é que viveu entre 1564 e 1616 e ganhou dinheiro trabalhando como ator, sócio do Globe Theatre em Londres e até como comerciante de grãos. Nenhum de seus manuscritos sobreviveu. O mais importante documento ligado a ele é o Primeiro Folio, uma antologia impressa de 36 peças publicadas em 1623 com a assinatura de Shakespeare e o mais antigo retrato do homem de Stratford.

Poucos registros

Para alguém tão prolífico com a pena, a ausência de uma profusão de documentos ajuda a alimentar o ceticismo. Ainda mais porque um dos poucos registros deixados por William Shakespeare são assinaturas em que seu sobrenome, por sinal, é soletrado de maneiras diferentes, o que faz com que muitos anti-strat-fordianos usem as discrepâncias como evidência de que o filho do fabricante de luvas não teria cacife para produzir tamanho material. "Há estudos mostrando que o autor das peças e sonetos teria um vocabulário composto de 17 mil a 29 mil palavras. Me parece um pouco improvável que alguém com origens mais humildes no Período Elizabetano tivesse capacidade intelectual de produzir tamanha obra", afirma o jornalista Mark Anderson, autor de Shakespeare by Another Name ("Shakespeare com outro nome"), livro de 2006 que defende a causa de De Vere.

Oxfordianos têm boas suas razões para defender o barão. O argumento principal é que só alguém como De Vere, com enorme trânsito na corte, poderia exibir o conhecimento sobre bastidores da nobreza que tanto permeia as peças de Shakespeare envolvendo reis e aristocratas. Mais interessante é o fato de que o barão viveu na mesma Itália que é palco de alguns dos mais populares textos shakespearianos, como a Verona de Romeu e Julieta e a cidade de O Mercador de Veneza, funcionando como uma espécie de embaixador de Elizabeth I.

"Parece-me um nível de conhecimento fora de comum para alguém que, de acordo com o que há de registros oficiais, jamais saiu da Inglaterra, enquanto existe extensa evidência da passagem de De Vere pela Itália. Ele esteve nas dez cidades que Shakespeare cita em sua obra", diz Anderson. O barão também foi um notório mecenas das artes, dono de duas companhias teatrais, além de escrever poemas. Mas De Vere morreu em 1604 e as peças continuaram aparecendo. Uma delas foi A Tempestade, que de acordo com estudiosos se baseou em um famoso naufrágio de 1609, envolvendo uma missão de povoamento enviada aos territórios hoje conhecidos como Estados Unidos.

Céticos também apontam para a mediocridade do testamento de Shakespeare. Escrito em linguagem nada poética, o documento sequer menciona livros, poemas ou as 18 peças que ainda não tinham sido publicadas na época de sua morte. Seu funeral tampouco foi registrado com grandes demonstrações públicas de emoção, e a primeira homenagem escrita só veio justamente na capa do Primeiro Folio.

"É essa falta de conexões do homem com a obra que tem de ser abordada. Todos os autores importantes contemporâneos de Shakespeare deixaram o que se pode chamar de trilha de papel. Cristopher Marlowe é um exemplo, embora sua produção tenha sido bem menor que a do bardo. Também incomoda que um homem tão letrado como Shakespeare não tenha escrito um grande volume de cartas, ainda mais quando foi morar em Londres e deixou a família em Stratford", diz Bill Leahy.

No entanto, o próprio Leahy concorda com uma questão crucial. Diferentemente dos tempos modernos, o papel no século 16 não era um produto barato, apesar de a invenção da imprensa por Gutemberg ter derrubado em mais de 300 vezes os custos de produção de um livro. Documentos e afins eram "reciclados", o que também ajuda a explicar, por exemplo, a ausência de materiais como o histórico escolar de Shakespeare.

Isso porque para alguns acadêmicos também há um conflito de classes na discussão. Paul Edmondson, um dos diretores do Birthplace Trust e que coeditou Shakespeare Sem Sombra de Dúvida, critica o que vê como preconceito na causa oxfordiana. "O que mais me incomoda em tudo isso é termos que combater o argumento de que alguém da classe trabalhadora não poderia ter produzido literatura de alto nível. Isso não é apenas historicamente incorreto, mas preconceituso", diz Edmondson.

Coautoria

Uma das experts recrutadas para o livro foi Carol Chillington, então pesquisadora da Universidade de Warwick especializada na história do sistema educacional do Reino Unido. É dela que vem uma preciosa análise do currículo das escolas secundárias do Período Elizabetano. De acordo com seus estudos, alunos desses estabelecimentos não só tinham uma grade de disciplinas que incluía o latim, mas também uma lista de leitura de obras clássicas que hoje equivaleria a de uma ementa universitária.

Outro trunfo dos stratfordianos é uma análise feita pelo linguista David Kathman, especialista em dialetos arcaicos do inglês. Seu veredito é que os textos estão repletos de regionalismos relacionados a Warwickshire, onde fica Stratford-Upon-Avon. "Também temos análises de padrão métrico dos versos escritos por De Vere e por Shakespeare que revelam a impossibilidade de uma mesma pessoa ter escrito ambos", afirma Edmondson.

A polêmica ajudou a revelar detalhes interessantes não apenas sobre William Shakespeare, mas também sobre seus métodos de trabalho. Duas acadêmicas da Universidade de Oxford, Laurie Maguire e Emma Smith, já publicaram um estudo em que provaram que Shakespeare não escreveu sozinho a peça Tudo Está Bem Quando Termina Bem - a dupla até nomeou o escritor e dramaturgo Thomas Middleton como coautor. Smith garante que não foi um "a-rá" para os céticos, mas uma mostra de como entender a questão da autoria.

"O estudo ajuda a mostrar um quadro em que autores escreviam de modo muito mais colaborativo no Período Elizabetano do que se pode imaginar hoje. Trabalhavam de uma forma bem diferente do que imaginamos e romantizamos", afirma Smith. Mais do que celebridades, escritores do século 16 tinham um perfil mais operário, em que a quantidade ditava o ritmo. Companhias teatrais recorriam a diversos autores para chegar ao texto final de peças. E eles não tinham pudor em pegar emprestado trabalhos alheios. "A noção atual de plágio não se aplica a eras passadas. A apropriação era muito mais tolerada."

Os dois clãs concordam em um ponto: o debate não tem data para acabar. "A não ser que alguém encontre algum documento perdido, não se poderá dizer ao certo, mas nem por isso podemos deixar de questionar pontos duvidosos da versão oficial dos fatos, mesmo que firam interesses financeiros", afirma Bill Leahy.

Em 2018, com o auxílio do WCopyFind, um software anti plágio utilizado por professores para detectar colas na internet, Dennis McCarthy, um estudioso de Shakespeare e a especialista June Schlueter, descobriram que ideias e palavras de um manuscrito de 1576 são bem parecidas com as que seriam usadas por William Shakespeare décadas depois em obras como Ricardo III , Rei Lear, Henrique VMacbeth e outras sete.

O manuscrito que inspirou o artista leva o nome de A Brief Discourse of Rebellion and Rebels ("Uma Breve Dissertação Sobre a Rebelião e os Rebeldes"), e foi escrito por George North, uma figura do século 16 que foi embaixador da Suécia e esteve presente na corte da rainha Elizabeth I. E também primo de Thomas North, que também serviu de inspiração para Shakespeare ao traduzir para o inglês a obra Vidas Paralelas de Plutarco.

Uma das descobertas realizadas pelo software envolve uma sucessão de palavras e frases em comum como "proporção", "vidro", "recurso", "justo", "deformado", "mundo", "sombra" e "natureza" que North usou em uma passagem da obra que fala sobre beleza e feiura.

Shakespeare as usou quase que na mesma sequência na abertura de Richard III. A diferença é que enquanto North destaca que as pessoas devem valorizar a beleza interior, o Bardo explica que uma vez que Ricardo III é feio por fora, agirá como o vilão que aparenta ser.

"É uma fonte para a qual Shakespeare continua voltando", diz McCarthy em entrevista ao New York Times. "Isso afeta a linguagem, ajuda a moldar as cenas e até certo ponto, influencia a filosofia das peças."

Em sua edição do livro de North, os autores demonstram que Shakespeare não usa apenas as mesmas palavras que North, mas que em muitas vezes as usou em cenas sobre temas similares e até mesmo sobre os mesmos personagens históricos. No entanto, eles não chegam a sugerir que Shakespeare tenha plagiado, mas sim que leu e foi inspirado pela obra de North.

Emma Smith, que não participou do projeto stratfordiano comandado por Edmondson, acredita que o questionamento tende muito mais à excentricidade do que a ameaça vista pelo Shakespeare Trust. "A reação exacerbada só serviu de munição para quem fomenta teorias conspiratórias. O meio acadêmico deveria aceitar que uma figura tão poderosa quanto William Shakespeare não teria como deixar de ser alvo de ideias de fantasia."


Obras de William Shakespeare e suas características:


Shakespeare possui uma vasta obra com cerca de 40 peças, divididas entre comédias, tragédias e peças históricas, bem como poemas narrativos e sonetos.

 

Embora sua obra poética seja muito conhecida, o artista adquiriu maior destaque na dramaturgia.

 

Durante 20 anos, abordou temas como o amor, os sentimentos, as questões humanas, sociais, políticas, sendo sua produção dramática dividida em três fases:

 

Primeira fase (1590-1602): escreveu peças históricas, tragédias em estilo renascentista e algumas comédias;

Segunda fase (1602-1610): ocupou-se em escrever tragédias e comédias;

Terceira fase (1610-1616): fase caracterizada por peças menos trágicas, de caráter conciliatório.


Na tragédia merece destaque as peças:

 

Romeu e Julieta

Romeu e Julieta

A Tempestade

Júlio César

Antônio e Cleópatra

Hamlet

Otelo

Rei Lear

Macbeth


Na comédia merecem destaque as peças:

 


A Comédia dos Erros

Os Dois Cavalheiros de Verona

Sonho de Uma Noite de Verão

O Mercador de Veneza

Muito Barulho Por Nada

Cimbelino

Noite de Reis

Como Quiserdes

A Megera Domada


Nas peças históricas destacam-se:

 

Ricardo II

Ricardo II

Ricardo III

Henrique IV - Partes I e II

Henrique V

Henrique VI - Partes I, II e III

Henrique VIII

Rei João

Eduardo III


Na poesia destacam-se os poemas:

 


Vênus e Adônis (1593)

O Rapto de Lucrécia (1594)

Sonetos (1609)

 

Frases de Shakespeare:


“Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos.”

“Herege não é aquele que arde na fogueira e sim aquele que a acende.”

“O destino é o que baralha as cartas, mas nós somos os que jogamos.”

“O amor é a única loucura de um sábio e a única sabedoria de um tolo.”

“Eu aprendi, que ninguém é perfeito, até que você se apaixone por essa pessoa.”

“Aprendi que deveríamos ser gratos a Deus por não nos dar tudo que lhe pedimos.”

 

Curiosidades sobre William Shakespeare:


William Shakespeare era católico num mundo protestante.

Visto sua influência até os dias atuais, as peças escritas por Shakespeare são as mais encenadas no mundo.

 

A célebre frase filosófica “Ser ou não ser, eis a questão” (em inglês “To be, or not to be, that is the question”) foi escrita por Shakespeare na tragédia Hamlet (1599-1601).



Uma foto, um conto - Ledice Pereira

 

 



Uma foto, um conto

Ledice Pereira



Um fim de tarde fechado, um céu de nuvens carregadas, o vento balançando as palmeiras, e o mar rebentando ondas, às vezes, gigantes, indicavam a chegada de uma tempestade. Ali, as tempestades chegavam de repente, acompanhadas do vento que varria tudo.

René se aventurara por aquela praia deserta, andara sem rumo até chegar aonde não havia mais passagem. Não adiantava voltar. A maré tomara conta da praia, às suas costas. Estava ilhado. Bem que o haviam avisado que voltasse logo, mas ele não quis ouvir. Resolveu arriscar, estava hipnotizado pela vista.

Não era um bom nadador, faltava-lhe coragem para tentar vencer aquelas ondas que pareciam querer engolir qualquer aventureiro que tentasse enfrentá-las.

Ficou ali parado. Precisava pensar rapidamente. Começava a sentir frio, buscou na mochila. Nem, ao menos, trouxera uma jaqueta nem nada. Sua garrafa de água estava abaixo da metade. O jeito seria seguir em frente, beirando o pequeno elevado onde reinavam as palmeiras, tendo o cuidado de não escorregar para o mar e ser levado pelas ondas. Apesar do pânico, arriscou ir naquela direção.

 Enchendo-se de coragem, gritou a plenos pulmões:

– HEI DE VENCER!

 

Travessia de esperança - Adriana Frosoni

 




Travessia de esperança

Adriana Frosoni

 

João respirou fundo, sentindo o vento frio cortar seu rosto enquanto olhava para a ponte estreita e aparentemente frágil que se estendia sobre o rio agitado. A madeira rangia sob seus pés, e ele podia ouvir o som ensurdecedor da água correndo ferozmente abaixo. Enquanto a chuva caía torrencialmente impedindo a passagem de carros pelo único acesso ao vilarejo, cada passo que dava parecia um teste de coragem, mas ele sabia que não havia escolha. Precisava atravessar.

De trás de cada escolha difícil, há sempre uma história de superação. Para João, aquela travessia era uma jornada de esperança. Do outro lado da ponte estava o vilarejo onde sua avó morava. Ela o criara desde o nascimento, pois sua mãe morrera no parto por falta de assistência médica e seu pai o abandonou. Agora, adoentada, não lhe restava muito tempo. Ele precisava vê-la, segurar suas mãos e ouvir sua voz uma última vez.

O caminho até a ponte já fora longo e extenuante. Ele tinha deixado a cidade na madrugada com determinação feroz assim que recebeu a notícia de que a avó não teria muitas horas de vida. Foi avisado também da interdição da ponte nova e, chegando lá, dirigiu-se à ponte velha. João não se intimidou: a urgência de ver sua avó superava qualquer medo.

Enquanto atravessava, lembranças de sua infância vinham à mente. Ele e sua avó sempre foram muito próximos. Ela o ensinou a pescar, a reconhecer diferentes tipos de plantas e, acima de tudo, a valorizar as pequenas coisas da vida. Lembrou-se das tardes ensolaradas no campo, do cheiro de bolo de fubá saindo do forno, e das noites em que ela contava histórias ao pé da lareira.

Cada passo na ponte era uma mistura de temor e esperança. Ele sabia que uma queda poderia ser fatal; sentia as tábuas de madeira escorregadias sob os pés, mas o medo de falhar era maior do que o de morrer. A urgência invadia seu corpo em forma de adrenalina pura.

Finalmente, após o que lhe pareceu uma eternidade, João alcançou a outra extremidade da ponte. Sentiu uma onda de alívio e gratidão. O vilarejo estava próximo, e ele podia ver a fumaça subindo das chaminés das casas, um sinal de vida e de esperança.

Correndo como podia pelo caminho de terra enlameada, João finalmente avistou seu destino. O coração batia acelerado, não só pelo esforço, mas pela emoção. Ao entrar, encontrou-a deitada na cama com os olhos fechados. Aproximou-se devagar, pegou sua mão frágil e sussurrou: "Vovó, estou aqui."

Ela abriu os olhos lentamente, um sorriso fraco iluminando seu rosto amoroso. "Sabia que você viria, meu menino", disse ela com voz suave. E ali, naquele momento, João soube que todos os perigos enfrentados valeram a pena. Estava onde precisava estar, com a pessoa que mais amava no mundo, em um momento que seria eternamente lembrado.

Foi quando ela deu um último suspiro, apertou sua mão e partiu, como se estivesse apenas esperando por ele para descansar. No calor daquele reencontro que também foi uma despedida, João sentiu que, de alguma forma, sua avó tinha cumprido seu próprio destino de coragem, amor e sacrifício, tal como nas histórias que ela sempre lhe contava.

Os Verdes das Tardes de Outono - Yara Mourão

 





Os verdes das tardes de outono

Yara Mourão

 

Eles se estendem pelo chão entremeando as pedras e raízes, numa busca pelo brilho tépido que se desprende do céu.

Não parece se precipitarem do solo numa ânsia de vivificarem, mas têm toda a dormência da natureza que se oferece, bela e serena, à contemplação do nosso olhar.

Esses verdes ensolarados me remetem à infância; aos passeios nos parques, nas alamedas sombreadas dos bairros tranquilos. E ainda aos pátios dos conventos, tão reclusos e inatingíveis como aquelas freiras que por ali passam cantando litanias.

Esses verdes ensolarados têm também a paz dos túmulos; onde se pode contemplar o solo úmido, sob o qual dormem, para sempre, nossos amores idos, nossos inesquecíveis ancestrais: os bisavós estrangeiros, os avós queridos, os pais e irmãos insubstituíveis...

Esses verdes trazem os sons dos poemas, e deles emanam a inspiração das músicas dos grandes mestres, das aquarelas dos pintores românticos, tudo que toca a alma em sua essência mais pura.

Esses verdes ensolarados das tardes de outono carregam um passado pleno e um temor futuro; de que um inverno virá, e tudo será diferente. A paisagem será outra, a vida será outra.

Mas eu, eu permanecerei a mesma, esperando sempre pelo tempo em que a beleza ressurgirá, ainda que efêmera, a alegrar a vida sobre a terra.

Avalanche de recordações - Adriana Frosoni

 



Avalanche de recordações

Adriana Frosoni

 

       Ana se sentou àquela mesa alta, de madeira, e o som familiar do ranger das cadeiras trazia uma avalanche de recordações. Ao redor, o jardim estava exuberante como sempre, mas ela sabia que o verdadeiro tesouro daquele lugar estava nas histórias que ele guardava.

       Aquele espaço do clube era o refúgio dela e dos amigos. Sempre depois das aulas, corriam para lá, largando as mochilas no chão de tijolos e se acomodando nos bancos altos. A mesa redonda testemunhou risadas, segredos sussurrados e sonhos compartilhados.

       Ela se lembrava particularmente de uma tarde de verão. O sol estava brilhando forte e o calor era quase insuportável, mas à sombra do quiosque ninguém se importava. Com um celular tocando suas músicas favoritas, eles se perderam na hora e na despreocupação própria da idade. Ricardo, o piadista do grupo, contava uma história absurda sobre uma aventura que ele alegava ter vivido, enquanto todos riam e o provocavam.     

       Luiza, sempre sonhadora, falava sobre seu desejo de viajar pelo mundo. "Vou conhecer cada cantinho deste planeta", dizia ela, com os olhos brilhando de determinação. Ana, por sua vez, imaginava-se como uma grande artista, com suas pinturas expostas em galerias renomadas. Cada um tinha seu sonho, e ali, sob as árvores e com o cheiro das plantas ao redor, tudo parecia possível. O tempo era infinito.

       Foi também naquele lugar que cada um experimentou o primeiro beijo e viveu seu primeiro amor. O que nenhum deles imaginava era que, depois de anos de futebol, festas de aniversário e brincadeiras na piscina, esse primeiro passo em direção à vida adulta os levaria ao afastamento.

       Com as brigas de ciúmes e os interesses cruzados, o grupo começou a se dispersar. Outras novidades começaram a ser percebidas. Ricardo foi estudar em outra cidade, Luiza realmente embarcou em suas viagens pelo mundo, Ana mudou de escola e Carlos também seguiu outra direção.

       Agora, de volta àquela mesa, Ana se sentia nostálgica e os momentos que viveu ali eram inesquecíveis. Olhando para as cadeiras vazias ao redor, ela podia ouvir as vozes de seus amigos e quase sentir o calor da presença reconfortante deles. Mas era tão real que ela olhou em volta e percebeu que um novo grupo de estudantes parecia ter se apropriado do lugar e chegava barulhentamente para passar uma tarde animada ali.

       Com um suspiro, Ana se levantou, dando uma última olhada ao redor. Ela sentiu a alma aquecida por perceber que mais de uma geração estaria sempre carregando um pedaço daquele paraíso juvenil no coração.

ENFRENTANDO FANTASMAS - Ledice Pereira

 





ENFRENTANDO FANTASMAS

Ledice Pereira

 

Nessa época do ano, a noite chegava sorrateiramente, às cinco da tarde, tingindo de escuro tudo por onde passava.

Eric estava ali, sozinho, preso naquela mata.

À sua frente, uma pequenina ponte construída pela pobre população do lugar, desde que aquela, que parecia uma fortaleza, havia sido levada pela tempestade.

Era atravessar, ou permanecer ali, noite adentro, enfrentando todas as intempéries que viessem, chuva, animais noturnos, cobras, sapos e outros “fantasmas”.

Tinha pouco tempo para resolver, não dava para pensar muito.

Resolveu criar coragem e arriscar. Era aquela coisa de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Sem mais uma alternativa.

Fotografou, pensando em registrar o momento. Rezou para todos os santos. Foi.

O balanço da ponte o assustava e o nauseava. Uma mistura de medo e mal-estar. Tinha que encarar. E a noite vinha. Precisava apertar o passo.

Tentava controlar tudo. Medo, o peso da mochila, o importante era olhar para a frente e esquecer os ruídos da floresta e os respingos do riacho, batendo fortemente nas pedras, molhavam suas pernas. Procurava pisar pé ante pé, mais lentamente do que o necessário.

 A cigarra entoava sua canção estridente, despedindo-se da vida até estourar.

As abelhas o rodopiavam, enquanto corujas iniciavam seus pios alarmantes.

Tudo tomava proporções gigantescas. A pequena ponte resistiu ao seu peso e ao peso de seus pensamentos negativos.

Os poucos minutos pareceram muitas horas.

Chegou ao outro lado, suando como se tivesse atravessado quilômetros.

Não havia ninguém ali. Apenas uma luzinha longínqua o direcionou. Era uma taberna bem simples onde alguns homens bebericavam. Pediu um copo d’água. Sentou-se. Tremia ainda. Continuava apavorado. Pediu algo mais forte. Serviram-lhe uma dose de cachaça que tragou num só gole.

 Ao perguntar onde poderia pernoitar, indicaram uma modesta hospedagem, pertencente a um pescador local para onde se dirigiu. Uma sopa rala de Tambaqui lhe foi servida e o aqueceu. Indicaram-lhe a cama. Sentiu-se acolhido. Deitou-se e rapidamente adormeceu.

Ao acordar, estava renovado, tomou café e seguiu viagem.