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Mistérios nem sempre são Solucionados - Silvia Maria Villac Vicente de Carvalho

 




Mistérios nem sempre são Solucionados

Silvia Maria Villac Vicente de Carvalho

 

Mr. Burman, o típico escocês, fumava cachimbo na aula com uma classe única e todas as mulheres – a maioria na turma de literatura inglesa – tinha uma queda por ele. Ou seja, era disputadíssimo!

Denise, no caso, uma professora de compreensão em inglês, era particularmente interessada e estava sempre tentando dar umas investidas para cima dele, jogando seu charme e sorriso cativante, mas ele se mantinha distante e se fazia de desentendido, porque corria solto entre o corpo docente que ela não era flor que se cheirasse.

Mr. Burman, como era chamado por todos, independente de seus dotes físicos, era um professor excelente e muito querido, porém extremamente reservado. E havia a história da tal aliança na mão esquerda que intrigava a todos. Seria uma maneira dele tentar brecar as investidas? Ou seria ele viúvo e ainda apaixonado por sua mulher? Era um mistério que os alunos do curso de letras queriam desvendar. O que será que havia por detrás daquele homem de barba cerrada e olhos azuis-celestes?

Ana Luiza, aluna do último semestre, era uma pessoa que, apesar de não gostar de se socializar e apreciar o isolamento, parecia ser a única que mantinha um pouco de contato com o escocês. Porém, era um túmulo e não se arrancava uma palavra daquela boca. Quando não estava em aula, passava a maioria do tempo no laboratório.  Uma vez ou outra, os dois eram vistos juntos na biblioteca, mas nunca em atitude suspeita.

Em uma manhã de setembro, logo após o feriado da independência, Mr. Burman não apareceu para dar aula e a classe ficou em polvorosa, já que era a primeira vez que isso acontecia.  Os alunos nem aproveitaram a folga porque ficaram preocupados com a ausência do querido professor.

Passou-se uma semana, muito se falou e se especulou, mas nada de concreto se apurou. O fato é que ele retornou para a faculdade com um ar mais jovial, bronzeado e relaxado. Apesar dos alunos estarem com vários pontos de interrogação no rosto, ninguém ousou perguntar nada e, após a aula, ele saiu da classe do mesmo modo que entrou – sem dar qualquer deixa do que tinha ocorrido.

Lembro que era uma sexta-feira e que havíamos combinado um almoço no dia seguinte com um casal de amigos em um restaurante francês tradicional, no Largo do Arouche.

Quando chegamos ao La Casserole, o manobrista foi logo se desculpando pelo barulho, pois havia uma mesa grande que estava comemorando um casamento. Meu marido ficou aguardando o ticket do carro e o Maître me fez entrar.

Assim que adentrei o recinto, senti aquele cheiro de fumo de cachimbo familiar e, imediatamente, me deparei com meu professor. Por um segundo houve aquele momento constrangedor, quebrado por uma mulher morena, bonita, também bronzeada, na faixa de seus 45 anos.

─ “Muito prazer, eu sou a noiva!”, erguendo uma taça de champanhe com a mão esquerda.

─ “E essa é minha aluna na faculdade”, ele disse, sem mencionar meu nome porque acho que nem sabia como eu me chamava.

Ainda surpresa, enxergo, logo ao lado da cabeceira da mesa, Ana Luiza, a estudante tímida que costumava ficar no laboratório ou biblioteca. Ela veio me cumprimentar, explicando que era a filha da Laura, com quem Mr. Burman tinha acabado de se casar. Agora estava explicado o porquê deles se encontrarem ocasionalmente e nunca em atitude suspeita, eu pensei. No canto oposto, lá, no fundo, avisto mais um rosto familiar. É Denise, a professora charmosa, mas que hoje, ao invés daquele sorriso exuberante, vejo um sorriso amarelo, como que tentando disfarçar seu desapontamento.

Nisso, meu marido chega acompanhado de nossos amigos, dou um abraço e beijo no casal recém-casado, desejando-lhes felicidade e, em seguida, nós quatro nos dirigimos para nossa mesa. Não sem antes eu notar que havia uma nova aliança no dedo anelar do professor, dessa vez de ouro branco, igual à da noiva, que vi quando ela levantou a taça de champanhe.

Quanto à antiga, bem, essa é uma questão que permanecerá sem resposta. Mesmo porque, a quem interessa não é mesmo? Apenas concluo que, por estarem ambos bronzeados, tinham viajado em lua de mel antes da cerimônia no feriado prolongado de 7 de setembro.

 

 

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