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A favorita - Adriana Frosoni

 


A favorita

Adriana Frosoni

 

No tempo em que São Paulo ainda era uma cidade envolta em ruas de terra e casarões coloniais, aqui viviam o Coronel José de Toledo e suas oito irmãs. Ana era a mais jovem, temporã; nem chegou a conhecer a mãe, que não resistiu ao parto. O pai também faleceu poucos anos depois. Como suas irmãs, ela era recatada, estudiosa e passava os finais de semana na chácara da família, um refúgio de tranquilidade às margens do rio Tietê.

Diferente das demais irmãs, que pareciam contentar-se com a vida de solteiras, Ana ansiava por algo mais. O seu coração sonhava com o amor e o casamento, com um lar e filhos, muitos filhos, correndo pelos campos da chácara.

Conhecida por sua beleza e graciosidade, com olhos vivos e sorriso discreto, Ana deixava-se levar pela imaginação, sonhando com um cavalheiro que a resgatasse da monotonia de sua vida cotidiana, assim como nos romances que lia compulsivamente. Seus gestos eram delicados, seu vocabulário, refinado, mas sua vontade de encontrar o amor verdadeiro, era forte e determinada. 

Um dia, durante um passeio com as irmãs, Ana viu um jovem rapaz, filho de um comerciante local. Seus olhares se cruzaram e algo se acendeu dentro dela. O rapaz correspondeu, foi gentil e cavalheiro, e logo os dois trocavam olhares intensos e demorados, não passando desapercebido pelas irmãs. 

O tempo passou e o contato entre eles se tornou mais frequente. Parecia que o jovem adivinhava por onde Ana passaria ou em que loja entraria, e lá estava ele para oferecer ajuda ao subir na carruagem, ou ao apanhar o lenço de cambraia de linho que ela insistia em derrubar quando passava por ele.

Ana estava apaixonada, e o jovem também parecia nutrir sentimentos por ela. Até que finalmente o rapaz dirigiu-se ao irmão da moça, o Coronel José de Toledo, e pediu permissão para cortejá-la.

O coração dela transbordava de felicidade, sabia que finalmente encontrara o amor que tanto desejava. O Coronel a preferia solteira, como as outras; caso contrário, almejava pessoa de família mais renomada e de posição mais elevada na sociedade. Portanto, negou o pedido, tentando fazer o rapaz desaparecer ao negar também o dote que a moça teria, por direito. Estratagema já usado anteriormente, com sucesso, contra os pretendentes das outras irmãs. 

Mas, desta vez, era tarde demais; o rapaz não desistiu, nem tampouco Ana. Ele estava disposto a abdicar do dote; e ela, da posição na sociedade. Mesmo correndo todos os riscos, começaram a se encontrar às escondidas. Tinham longas conversas e faziam passeios a cavalo pela chácara. 

Rosa, a irmã mais velha, até mais que o coronel, tratava a todos com instinto materno. Para a caçula, ela tinha um olhar de proteção ainda maior. Foi por isso que percebeu que não seria possível impedir o jovem casal de seguir com o namoro e temia que comentários maldosos manchassem a honra de Ana. Foi quando tomou coragem e cobrou pessoalmente que o Coronel desse a permissão e o dote para a menina se casar.

Quando questionada duramente pelo irmão sobre qual o interesse dela nesse assunto, a matrona, ao invés de baixar a cabeça como de costume, jogou sobre ele toda a desilusão que ela mesma sentia por estar sozinha numa idade avançada, sentindo-se incapaz de despertar o interesse de alguém. Lembrou-o de que a honra da irmã lhe custaria bem mais do que um dote, seria um vexame sem tamanho ter o nome da família jogado na lama. Além de que faria muito bem a todos se crianças começassem a fazer parte da família e animar a chácara aos finais de semana.

Rosa era a única pessoa que tinha autoridade para colocar aquele ranzinza em seu devido lugar, pois já havia até trocado as fraldas dele. O golpe final foi quando ela sugeriu que ele mesmo deveria arrumar uma esposa para si e sossegar, pois os inúmeros casos que tinha pela redondeza eram conhecidos por toda a família.

Envergonhado, pois achava que tinha sido absolutamente discreto até então, prometeu pensar para encerrar logo aquela audiência desconfortável. Além de se considerar um excelente e zeloso irmão, ele pensava ser suficientemente discreto com seus desavergonhamentos. Com receio do que poderia acontecer se Ana resolvesse fugir com o filho do comerciante, o Coronel resolveu ceder antes que essa história manchasse a honra de todas as mulheres de sua casa. E assim o fez.

O casamento foi celebrado na chácara e as sete irmãs estavam felizes por verem Ana realizando seu sonho. A caçula, que era a alegria da família, a mais querida e protegida de todas, tornou-se a primeira e única das oito irmãs a se casar e ter filhos.

 

 

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