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O rei do cimento - Antonia Marchesin Gonçalves

 




O rei do cimento

Antonia Marchesin Gonçalves

 

         — Como vim parar aqui? — Quem é você? 

Marcos respondeu:

— Calma, encontrei você na praia, estava desacordado, trouxe você aqui com ajuda do meu vizinho. Qual é seu nome?

— Nome? - Respondeu, com expressão de dúvida e olhar vago. Após minutos disse: — Não lembro quem sou.

Marcos disse que era normal a perda de memória.

— Você sofreu traumas, provavelmente por sua embarcação ter sido acidentada, pode ficar aqui na minha casa até você se sentir melhor.

                   Nos primeiros dias o homem ficou na cama, ainda se sentia fraco. A esposa de Marcos cozinhava muito bem. E, ele voltava da pescaria sempre trazendo pescados, além de frutas frescas, verduras e legumes originais da ilha.

Dessa maneira, o náufrago começou a apreciar os pratos e saborear o que lhe ofereciam. A família conversava muito com ele, queriam descobrir quem era o homem.

— Podemos te chamar de Venâncio até você se lembrar do verdadeiro nome? E Marcos explicou que não havia médico na ilha, um médico aparecia lá uma vez por mês.

— Daqui a duas semanas ele poderá te examinar, quem sabe até lá você já recuperou a memória.

                   Se sentindo mais forte, Venâncio passou a ajudar a família nos trabalhos do dia a dia. Aprendeu a limpar os peixes, levar para o mercado, preparar a rede para a próxima jornada. Mantinha-se ocupado. Mas, às vezes, ele sentava num tronco em frente ao mar, com olhar distante fixo no horizonte, notava-se o esforço em resgatar a memória. Mas, depois, abaixou a cabeça entre as mãos num sinal de desespero.

Certa tarde, Venâncio estava sentado nesse ponto da praia, quando chegou Mariana, filha do pescador vizinho, que ajudou a salvá-lo. Ele ainda não tinha notado a beleza da moça, e se surpreendeu de encontrar, em lugar tão isolado e simples, um diamante bruto igual a ela. Esbelta, altiva, pernas longas, corpo alinhado, bronzeado e de olhos de um azul esverdeado tão profundo que transmitiam singeleza e, ao mesmo tempo, vivacidade. A conversa durou a tarde toda e não viram as horas passarem. Ele ficou sabendo que ela havia estudado até a oitava série, agora tinha que ajudar a mãe e seus quatro irmãos, mas tinha um sonho, um dia poder estudar enfermagem.

                   Outros dias continuaram a se encontrar no fim da tarde no mesmo lugar, as conversas variando a cada dia. Venâncio não conseguia mais tirá-la dos pensamentos. Nos finais de tarde, já ansiosos, se adiantava para sentar no ponto onde se encontravam diariamente.  Em um desses encontros, Venâncio não resistiu e roubou-lhe um beijo contido há muito, transmitindo toda a paixão que havia nele. Mariana retribuiu com a mesma paixão. Os dois tomados pelo desejo ao sentirem os seus corpos envolvidos com ardor, pele com pele. Só conseguiram se afastar com dificuldade com a chegada de Marcos. Mariana voltou correndo para casa, enquanto Marcos o olhava curioso.

— Eu sei, disse Venâncio, não sei nem quem sou, não tenho o direito de me meter na vida de Mariana. Mas, isso está me consumindo, sinto um vazio na cabeça. Às vezes, sonho com pessoas que não conheço, vejo uma casa grande vazia, acordo com o peito apertado, suando muito. Outras vezes, ondas enormes me engolindo, eu desesperado, tentando respirar, acordo sem nada lembrar, é angustiante.  Essa menina veio me trazer paz, e afugentar meus medos.

                   Via-se na face dele a dor do passado ausente.

Duas semanas mais tarde aportou a barca-hospital, logo filas se formaram.

                   Os integrantes, além dos tripulantes, eram formados por dois médicos e três enfermeiras. Venâncio foi atendido, mas nada puderam fazer com relação à sua memória.  Deixaram, como sempre faziam, revistas e jornais das cidades lindeiras, o que ocupou Venâncio naquela tarde.

No dia seguinte, Mariana chegou à casa de Marcos com uma revista nas mãos:

— Olhe aqui! É você, Venâncio, é sua foto! Todos em volta da revista leram: “O rei do cimento, o jovem industrial Alberto Fonseca de Moraes, está desaparecido após o seu iate ter sofrido pane na tempestade em alto mar. A fúria das ondas e ventos fortes foram as causas de seu desaparecimento. Mesmo após incansáveis buscas, os familiares e sua noiva Angélica, não perderam as esperanças, dizem que ele é atleta e contavam com isso”.

                   Ele olhava a reportagem em silêncio, leu e releu e pensava. Sou eu mesmo, uma noiva, empresário de sucesso? Meus pais devem estar desesperados, mas não vinha na sua mente nem os nomes deles. Devo voltar? Olhou em volta, refletindo e dizendo mentalmente“ Não, eu estou apaixonado pela Mariana, não quero me afastar dela”. Mas, todos se reuniram em volta dele e o aconselharam a voltar.

— Com certeza, com os recursos da sua família, mais chance de recuperação você pode ter. 

Conseguiram o telefone da empresa, e dois dias depois vieram resgatá-lo de helicóptero. Antes, porém, Venâncio ou Alberto prometeu a todos que voltaria logo, em especial para Mariana, sua paixão.

                   Alberto foi recebido com muita euforia pela família. Mas, havia nele uma enxurrada de sentimentos confusos que ressurgiram. Sentia amor dos seus pais e irmão, mas não sentia o mesmo sentimento pela noiva Angélica.

                   Ao chegar à casa em que cresceu, examinou seu quarto e percebeu a memória clareando, aos poucos. E, em poucas semanas, já totalmente recuperado, não parava de pensar em Mariana. Decidiu explicar para Angélica e para os pais sobre a existência de Mariana, terminando o noivado, com a revelação de seu amor pela menina da ilha.  Os pais tentaram de tudo para que ele desistisse da ideia, alegando que o que ele sentia era um sentimento de gratidão. Mas ele estava irredutível.

                   — Não! Lá vi e senti o quanto a simplicidade pode te proporcionar sentimentos verdadeiros, de amor, solidariedade, munidos no desinteresse, sem ambição. Lá encontrei o amor verdadeiro e puro de Mariana, e é com ela que me casarei...

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