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Não creio em fantasmas, mas.... - Ledice Pereira





Não creio em fantasmas, mas...

Ledice Pereira

 

Cecília entrou correndo em casa. Bateu a porta com força, permanecendo ali atrás, sem coragem de dar nenhum passo. Estava ofegante!

Desde que a família se mudara para ali, estava infeliz. Não conseguia habituar-se ao bairro.

Achava a vizinhança soturna. Ouvia ruídos estranhos que pareciam vir do além.

Passou a chave na porta, experimentando várias vezes para certificar-se de que ninguém conseguiria abri-la.

O medo a paralisara. Não conseguira dirigir-se ao quarto, parecia ter os pés estavam colados ao chão.

Assustou quando seu irmão abriu a porta, fazendo com que ele também se assustasse ao dar com ela ali parada naquela escuridão.

A chegada dele a fez desabar num choro nervoso.

Rogério custou a fazê-la parar de tremer. Preparou-lhe um chá e abraçou-a, pedindo-lhe que contasse o motivo daquele desespero.

Entre lágrimas e soluços, ela contou:

– Eu voltei da faculdade e quando desci do ônibus ouvi passos atrás de mim. Acontece que só eu desci naquele ponto. Sabe ali onde tem aquele hotel abandonado? Então, eu estava passando ali, quando ouvi uma cantoria. Olhei naquela direção e não vi nada, mas o som ia aumentando à medida que eu me afastava e os passos também. Olhava para trás e não tinha ninguém.

Senti até um perfume, acho que uma mão que mexeu nos meus cabelos. Saí correndo. A rua estava deserta. Eu não tinha pra quem pedir socorro. Me apavorei. Cheguei aqui e nem conseguia colocar a chave na fechadura tanto que minha mão tremia. Estava em pânico.

– Eu vi – disse Rogério – você me assustou. Mas acho que anda lendo muita história da carochinha. Tudo isso é coisa da sua cabeça. Deve ter ficado sugestionada com a conversa que nossos pais estavam tendo na outra noite. As pessoas andam falando que o hotel é mal-assombrado. Tudo por conta da especulação imobiliária. Depois, vou com você até lá para ver, com seus próprios olhos, que lá não há nada.

 

Cecília não quis acompanhá-lo. Preferiu ir tomar um banho para tentar se acalmar.

Rogério dirigiu-se ao local. Ao chegar, ouviu o som alto que atribuiu a algum alto-falante. Foi entrando. Mal pôde acreditar quando se sentiu laçado por uma mão peluda e braços fortes. Ele, que sempre praticou musculação, não conseguia desprender-se daquele abraço.

Começou a suar, não queria dar o braço a torcer, mas sentia-se impotente para enfrentar aquela força estranha.

As luzes do lugar tremiam. Um gemido vindo lá de cima o assustou. Ele, que ainda pensava tratar-se de uma encenação para que o prédio fosse vendido por um valor abaixo do de mercado, sentiu-se flutuar. Ouviu uma risada estridente vinda sabe-se lá de onde. Seu corpo inteiro tremia sem que pudesse controlar. Não conseguia mexer um dedo sequer. Estava imóvel.

Soltou um grito alucinante quando foi atropelado por um morcego.

A polícia invadiu o espaço. Encontrou-o encolhido num canto sujo, cheirando a urina, coberto por penas de galinha e asas de morcego. Chorava como criança.

Cecília tinha avisado os pais que o irmão estava sumido há duas horas. O pai, pelo 190, acionara a polícia.

O rapaz nunca mais subestimou alguém que tivesse medo. Sentira na própria pele os efeitos desse pavor.

 

Passados alguns meses, o hotel foi derrubado, dando lugar a um edifício de apartamentos, rapidamente construído por uma construtora de renome.

Era voz corrente que, às vezes, ouvia-se ali, um som longínquo, de um coral de vozes masculinas, que entoava antigas canções em uníssono, fazendo lembrar um canto gregoriano.

 

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