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JERÔNIMO – O PORTUGUÊS - Antonia Marchesin Gonçalves

 


JERÔNIMO – O PORTUGUÊS

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                   Em 1919 Jerônimo saiu de Portugal de uma pequena vila na região do Alto Douro, nasceu e lá cresceu numa quinta dos seus pais plantadores de uva e azeitonas. Sendo caçula de quatro filhos, o sonho dele era ampliar seus horizontes. Não pode estudar, fez só até a oitava série, pois tinha que ajudar na propriedade que não tinha empregados.

                   Com vinte anos avisou os pais que viria para o Brasil. Era o sonho dele. O tio, irmão do pai, já morava há muitos anos na cidade de São Paulo, mais precisamente no Guarujá, na Enseada. Jerônimo chegou já espantado com o tamanho da cidade vista do avião. O tio veio buscar em Guarulhos e desceram direto para a praia da Enseada, depois de dez horas de voo e mais duas horas na estrada até chegar na casa do tio José.

O tio era proprietário de uma padaria, pequena, e conseguira comprar sua casinha, carro e o sustento para não faltar nada. Sentia-se rico, pois os dois filhos faziam faculdade e ajudavam, com a mãe, na padaria.

Depois de alguns dias, ele saiu à procura de emprego, seu tio aconselhou que fosse ao condomínio de casas em frente à praia, ele soubera estarem procurando jardineiro, e de plantas Jerônimo entendia. Na entrevista de emprego o síndico do condomínio gostou dele e o empregou. Forneceram o material de trabalho e um uniforme. Feliz, ele disse ao tio que tivesse paciência com ele até poder pagar um quarto, e a resposta foi, fique o quanto precisar, mas ajude com a despesa da casa.

                   E assim foi durante o primeiro ano, no condomínio Jerônimo foi conquistando a todos, que além de cuidar do jardim da área comum, ele passou a cuidar dos jardins de algumas casas. Com isso entrava sempre um dinheiro extra. Almoçava de marmita trazida de casa e não gastava com refeição, era mais uma economia.

                   Em dois anos conseguiu comprar a sua primeira casinha, quarto, cozinha, pequena sala e banheiro, mobiliou com o estritamente necessário e se mudou emocionado.  Passou a noite acordado no seu primeiro dia nela.

                    Numa das casas no condomínio moravam pais com dois filhos, a filha mais velha estudava na Inglaterra e tinha voltado após a sua graduação.  Mariana chamava-se, era alegre e dinâmica. Jerônimo se apaixonou no mesmo instante em que a viu. Contou para o tio que o aconselhou esquecer jamais a moça daria atenção a ele. Durante meses ele sofreu com seu amor platônico. À noite, na cama, dormia com a sua imagem.

                   Certo dia Mariana estava colhendo rosas no jardim e olhou para ele, e perguntou se era ele que cuidava do jardim. Envergonhado, respondeu que sim, e a partir daí passaram a ter longas conversas, o que alimentava mais o amor dele. Mariana passou a prestar mais atenção e a notar na beleza dele. Os pais começaram a se preocupar a ponto de proibirem que ela desse atenção ao português jardineiro. Não foi para isso que você estudou fora, argumentavam. Com a proibição, ela percebeu que se enamorara por ele e passou a demonstrar os sentimentos, até ele se declarar e ela aceitar.  Decidiram fugir e se casaram no cartório, a primeira noite foi na casinha dele.

                   Os pais dela não tiveram outro jeito senão aceitar, e resolveram ajudar o casal a montar uma empresa de jardinagem que, com os anos, cresceu muito, só sucesso e prosperidade.

                        Com os dois filhos, nas férias foram visitar Portugal e seus parentes. Aproveitavam para conhecer outros países europeus.

O importante é ser sociável - Sergio Dalla Vecchia




O importante é ser sociável

Sergio Dalla Vecchia

 

Orlando, funcionário público exemplar no cargo de chefe de seção, querido por todos os colegas, discreto nos modos e de olhar sincero.

Na hora do almoço, após a finalização com um indispensável cafezinho, participava da roda de colegas, onde saciados soltavam o verbo para assuntos dos mais variados. Política, casos, passeios e principalmente futebol. Não faltavam torcedores para os principais times rivais. Assim a digestão seguia descontraída e plena nos corpos felizes.

Cada raio da roda demonstrava características próprias ao se expressar. Havia o bravateiro, o tímido, o técnico infalível de futebol, o humorista, etc. Todos já com perfis definidos pelas histórias contadas.

Orlando, por sua vez, era o eixo da roda, onde todos os raios se conectavam, como uma roda de bike. Ele era crível, de fala mansa, perfeito nas descrições, nas figuras de linguagem e na oratória convincente.

Assim, por anos ele relatava seus casos interessantes, alguns sérios, outros divertidos para a plateia boquiaberta.

Certo dia iniciou um novo funcionário no departamento. No refeitório o quando viu Orlando, parou, mirou e veio eufórico em sua direção:

 É você Orlando? Que coincidência feliz nos encontrarmos nesse departamento após tantos anos. Que alegria rever meu amigo de adolescência, de tantas jornadas alegres lá na nossa cidade nas Minas Gerais.

Um longo abraço selou o reencontro dos amigos.

 Então vocês já se conhecem de longa data? O prazer é ainda maior por ser amigo do nosso querido Orlando, portanto receba nossas boas-vindas com muito apreço. – Disse um colega.

O novato feliz, repleto de entusiasmo, foi orientado como funcionava a roda e como estreante teria a honra de iniciar com uma história.

Ele, inibido, foi se desculpando pela inexperiência na arte de contar histórias, mas criou coragem e logo início:

 Éramos inseparáveis, nos gostávamos muito de pescar, mas não muito felizes com os tamanhos dos peixes. Isso não importava, pois Orlando com sua fluência, convencia os demais pescadores que pegava sempre o maior pintado, a piranha feroz com as próprias mãos, o dourado pulando nas corredeiras e assim por diante, com tanta serenidade e convicção que todos acreditavam. Assim éramos considerados os melhores pescadores da cidade.

 E aqui, Orlando também convenceu vocês com seus relatos?

Fez-se um silêncio total na roda, sentiam-se apenas as vibrações das flechas na direção dos olhos de Orlando.

A vítima desapontada engoliu em seco e com esforço sussurrou soltando um minerês enrustido:

Sou minero e pescado, ocêis qué que di eu sô!

Uai! 


A LIDA NO CAMPO - Sergio Dalla Vecchia

 


A LIDA NO CAMPO

Sergio Dalla Vecchia

 

O dono da boiada, montado na sua mula alazã, seguia em passos lentos a cadência da marcha dos bois.

Toda atenção era pouca, quando uma comitiva de peões assume a responsabilidade de transporte de carga tão valiosa, medida em arrobas.

Basta uma porteira aberta, uma encruzilhada ou uma cerca rompida para que um novilho mais rebelde penetrasse e com ele carregasse um punhado de seguidores atabalhoados.

Seu José, como dono do lote, observava de perto as manobras dos peões, os ponteios que se encarregavam de abrir porteiras, bloquear cercas caídas, desvios, etc. Ele e mais um na retaguarda empurravam a boiada.

Seu José, negociante de bois, tinha muita prática em comitivas, adquirida pelos longos anos de transações. Ele montado na sua imponente mula Revista formavam um conjunto único, ela encolhida, com orelhas em riste, pronta para um ataque sob o comando das esporas lisas do seu José.

Assim seguia a boiada na sua toada. Eis que do nada, um boi assustado resolveu pular a cerca, sem ao menos tocá-la, tamanha sua agilidade e saiu em disparada pasto adentro.

As esporas deram um pequeno toque na barriga da Revista e o conjunto arrancou na invernada em busca do boi desgarrado. A mula voava baixo, corpo alongado, galope firme. Buracos de tatu, valas, tocos, nada impedia o galope seguro da mula ajudado pelas rédeas firmes do cavaleiro.  Logo avistou o fugitivo, tirou o laço da garupa, preparou a laçada, outro ataque em direção ao boi já com a laçada girando no ar, nas mãos calejadas do boiadeiro. Quase emparelhados, o laço foi lançado argolando no pescoço grosso do desgarrado. Imediatamente a Revista estacou e tensa aguardou o impacto na chincha. Um pequeno desequilibro e o boi nas mãos. Foi puxado laçado de volta até a boiada.

Assim que o boi se reintegrou, a mula relaxou as orelhas, Seu José retirou o chapéu, enxugou o suor com a manga da camisa, relaxou na sela e a boiada tranquila seguiu seu rumo.

Fato corriqueiro na lida do campo!

UM FOGÃO NOVINHO EM FOLHA - Suzana da Cunha Lima

 


UM FOGÃO NOVINHO EM FOLHA

Suzana da Cunha Lima

 

Tanto tempo e tantas esperanças a desenhar no coração como ela sonhava ser seu lar.

Não que o marido se importasse muito. Tendo a cervejinha gelada no freezer e uma picanha nos almoços de domingo estava tudo mais que perfeito. Mas ela queria mais. Queria aposentos largos, banhados de sol, visitados pela brisa da manhã.  Não queria banheiro ou quintal comunitário, Deus me livre! Tampouco cozinhas acanhadas, com piso meio quebrado e sujeira entre os azulejos. Do jeito que ela via, era sujeira antiga, entranhada nas paredes de gente muito relaxada. 

E o fogão?

Daqueles que só jogando fora e comprando outro novinho, nada de segunda mão, com cheiro de velhas comidas.  Ela estava projetando iniciar um pequeno negócio de marmitas para trabalhadores, com “comida de casa”. Precisava de fogão com 6 bocas e espaço limpo para guardar os utensílios e os alimentos, 2 geladeiras, pelo menos... Céus, era coisa! Será que ele ia colaborar? Afinal, ela ia trabalhar pelo bem do casal. Mas qual o quê! Nem deu para explicar direito seu projeto de ganhar dinheiro e terem mais conforto!

— Para de sonhar, mulher. Não queria uma cozinha espaçosa? Pois está aí.  Pelo menos esta cabe no meu bolso.  Vou parar com esta história de me mudar toda hora por capricho seu. Se queria esse luxo todo, devia ter casado com algum riquinho do seu clube. E trata de fazer logo o jantar. O almoço estava péssimo na empresa. 

Ela aproveitou logo a deixa:

— Não te disse? Tem mercado para comida caseira. E isso eu faço bem. Só preciso...

— Você é surda? Alteou a voz com raiva acumulada de tantos “sapos” que era obrigado a engolir durante o dia. Tantas decepções... Desta vez tinha sido preterido na promoção sonhada. Estava como panela de pressão prestes a estourar. - Tira a bunda da cadeira e começa logo esta janta.


Ela se encolheu um pouco; não gostava de gritos, tampouco os modos rústicos e grosseiros dele. Há quanto tempo aguentava aquilo?  

Parece que a panela dos dois estourou simultaneamente, fazendo um tremendo estrago.

Ela estava com uma frigideira cheia de óleo no fogo e nem pensou duas vezes. O óleo fervente escorreu pela cabeça dele e ela saiu correndo de casa ao som de seus gritos.

Era o que recordava agora, com um sorriso no rosto, enquanto mexia sua famosa sopa de lentilhas no fogão novinho da cozinha da penitenciária.

 

 

Nossa Casa aberta ao mundo - Suzana da Cunha Lima

 



Nossa Casa aberta ao mundo

Suzana da Cunha Lima

 

Mesmo hoje, em que praticamente os encontros presenciais estão liberados, no mundo dos negócios, observa-se uma tendência geral voltada para manter, pelo menos em parte, o chamado home-work.

Assim, de uma hora para outra, o ambiente do lar, tão privativo e tão nosso, transformou-se em ambiente de trabalho, seja ele qual for.  E aí, precisamos pensar rapidinho em nossa presença física, cabelo, maquiagem, blusa ou camisa, pelo menos da cintura para cima e o que vamos apresentar às nossas costas, nosso cenário. E fazer com que ninguém passe por ali ou nos chame para qualquer coisa.

Comecei a prestar mais atenção no entorno. Muito interessante mesmo.  Temos apresentadores com casa muito bem montada e um, particularmente, tem um vaso de orquídea linda, em cima de um aparador.  Toda vez que ele se apresenta, eu bato o olho e ela está ali, bem ereta, sempre na mesma posição.  Estou até pensando que pode ser artificial, porque a minha, aqui em casa, tratada como um bebê, de vez em quando desfolha suas lindas pétalas.

Outra apresentadora fica de costas a uma estante alinhada, de mogno ripado e com belos exemplares de livro, bem arrumadinhos.  Estão sempre no mesmo lugar, nenhum cai um pouquinho por cima do outro, não há vazios nem sinal algum de manuseio.  São enfeite ou é cenário pronto? Ou ninguém lê nada mesmo.

Mas tem outro, que gosto mais e me permito citar o dono do ambiente, que é a casa do Gabeira.  Muito arrumada, um abajur sempre aceso perto de uma poltrona e uma mesinha.

 Ele trabalha numa espécie de varanda coberta, bem iluminada e às suas costas tem uma parede com quatro quadros, dos quais só desfruto da vista de dois.  O rosto dele esconde os outros. Fico com vontade de lhe pedir que afaste um pouco a cadeira onde está sentado,  para que eu possa apreciar a visão de todos juntos, pois me parece que existe uma certa conexão entre eles.

Mas o melhor desta casa é o gatinho que passeia por ali e dá vida ao ambiente. Às vezes ele pula para a poltrona da sala e lá se enrosca. Ou fica bem embaixo dos tais quatros ou em outra cadeira, embaixo da janela.  Isso dá um significado encantador ao que ele está dizendo.  A casa dele existe! É onde mora, trabalha, sonha e ama, como as nossas, de modo geral. Mas não tenho visto mais seu amigo fofinho.  Onde anda seu gatinho, Gabeira?

O PIPÔCO DO FOGÃO - Sergio Dalla Vecchia


 


O PIPÔCO DO FOGÃO

Sergio Dalla Vecchia

 

A cozinha até que era espaçosa, bem iluminada, azulejos sofríveis e um fogão bem usado.

Era a primeira vez que Luciana pôs os pés na sua nova moradia. Adquirida com esforço, financiada em 10 anos, contando com a soma dos salários dela e do marido Thiago.

Tudo isso passava pela cabeça de Luciana, fazendo-a duvidar do sucesso do negócio.

Com mãos na cintura em posição de ataque, escaneava o local com os atentos olhos negros.

De tudo que analisou, o fogão não passou na peneira da exigente dona de casa.

Como cozinharei com um fogão velho desses que ainda dá estouros, questionava ela mesma.

Então, convicta, desviou o olhar do fogão e apontou-o na direção do Thiago.

Ele conhecendo a posição de ataque da esposa, já se precavendo, olhava para o teto pensando em uma saída honrosa para o problema.

Então marido, vim até aqui para você me desencantar com esse lixo de fogão?

Eu não me mudarei de jeito nenhum para cá, esbravejou Luciana.

Thiago com muita calma respondeu que também não mudaria em nenhuma hipótese.

Diante de tal resposta inesperada e solidaria, Luciana baixou o tom e ao mesmo tempo indagou:

E agora que já assinamos o contrato, como faremos o destrato?

Será complicado, mas fique tranquila que eu resolvo, afirmou serenamente Thiago.

Luciana estava visivelmente abatida, não conseguiu conter a emoção e pediu para irem embora.

Prontamente, Thiago concordou e saíram abraçados. Já no elevador ele a convidou para visitar o apartamento do andar acima, para que talvez Luciana pudesse ter uma outra impressão.

Assim fizeram, foram entrando e a expressão do casal foi sofrendo uma metamorfose desde o hall, sala, quartos e pôr fim a cozinha.

Luciana deu um grito de espanto quando deparou com o fogão de seis bocas inox, novinho em folha na cozinha completa com armários novos.

Que cozinha maravilhosa, era assim que eu queria e não aquela coisa que você comprou.

E mudando de humor intimou o Thiago fazer logo o destrato.

Thiago com toda paciência foi até sua pasta de documentos, retirou um contrato e pediu para Luciana analisá-lo e dar seu parecer.

Ela leu e foi dizendo que contrato já estava assinado e pertence ao outro apartamento e não entendia por que o Thiago lhe pedira para revê-lo.

Então Thiago pediu para ela reler com atenção a descrição do apartamento, principalmente o número da unidade.

No que Luciana foi lendo, viu o número e foi correndo conferir na porta de entrada.

Thiago, então este é o nosso apartamento? Já tremendo de emoção. Isso não é coisa que se faça, meu coração não aguenta, seu enganador de esposa!

Luciana correu em direção à Thiago se lançando em seus braços dando soquinhos de alegria no peito do marido pregador de peças!

O piso frio do quarto não foi suficiente para baixar a temperatura do casal em êxtase que rolava no chão como fossem um só.

Mudaram-se,  e serão felizes até quando o fogão durar!

 

 

 

 

Aos pés da Mantiqueira - Suzana da Cunha Lima

 



Aos pés da Mantiqueira

Suzana da Cunha Lima

 

Estou aqui, aos pés da Mantiqueira

Nua em pelo sobre a pele de um camelo

Arrastando a longa veste afegã

Molhada pelo orvalho da manhã

 

Aqui estou eu, em frente à cordilheira

Escrava eterna da montanha altiva

Que guarda tantas dores e amores

E um segredo traz bem escondido

 

Um desejo antigo,

Um buscar sofrido,

Por um amor que não cheguei a ter

E assim mesmo consegui perder

O ARROZ DE PALMA - FRANCISCO AZEVEDO - FAÇA SUA ÁRVORE GENEALÓGICA

O ARROZ DE PALMA - FRANCISCO AZEVEDO





O ARROZ DE PALMA – Francisco Azevedo

Família é prato difícil de preparar.

São muitos ingredientes.

Reunir todos é um problema…

Não é para qualquer um.

Os truques, os segredos, o imprevisível.

Às vezes, dá até vontade de desistir…

Família é prato que emociona.

E a gente chora mesmo.

De alegria, de raiva ou de tristeza.

O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita.

Bobagem!

Tudo ilusão!

Família é afinidade, é à Moda da Casa.

E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.

Há famílias doces.

Outras, meio amargas.

Outras apimentadíssimas.

Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.

Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo.

Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa.

A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia.

Muita coisa se perde na lembrança.

Aproveite ao máximo.

Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete!


E, saiba o que autor nos diz sobre esta obra e o tema que ele aborda: 

http://franciscoazevedo.com/o-arroz-de-palma


O livro O ARROZ DE PALMA nos leva a pensar na família, na sua constituição, na sua formação, nos valores, nas pessoas, na união, nos amores, na saudade, nas lembranças, nas importâncias. Experimente O ARROZ DE PALMAS.

Depois dessa valiosa degustação, certamente, você vai querer muito montar a árvore genealógica de sua família.

Experimente isso também. Você vai o prazer da pesquisa e de estabelecer contatos cm quem ha muito não vê.

Há muitos sites que ancoram sua árvore genealógica de modo gratuito. Indico o site MYHERITAGE. Lá o site é grátis, e há muitos caminhos de buscas, além da possibilidade de compartilhar com seus parentes. 





E mais tarde, talvez você se veja interessado em escrever a biografia de um familiar  ou da família toda...

Histórias Ardilosas - Adriana S. Frosoni

 



Histórias Ardilosas

Adriana S. Frosoni


Lucas era de uma simpatia ímpar, ótimo contador de histórias e querido por todos. Ele narrava de forma interessante fatos incríveis e dos mais variados assuntos, desde o que havia comido no café da manhã, até situações com pessoas famosas encontradas ao acaso.

Ele sempre achou que suas histórias eram a melhor forma de fazer amigos. Quando era criança, encantava seus pais. Na escola, impressionava os colegas e conseguia popularidade. Já na vida adulta, usava isso para conquistar mulheres e conseguir empregos.

As pessoas começaram a desconfiar dele devido a pequenos deslizes como, por exemplo, os de dizer que alguns amigos estavam em suas histórias, sendo que, estes não se lembravam de ter participado delas. Com seus familiares surgiram impasses causados por algumas pessoas que passaram essas histórias adiante, e descobriram falhas ou exageros. Até que um dia, ele perdeu o emprego em uma grande empresa, pois acabou sendo descoberto em uma situação que não sabia resolver, apesar de já ter contado histórias de como havia feito algo parecido no antigo emprego.

Lucas percebeu ser o fim da linha quando chegou em casa e a encontrou vazia. Foi abandonado pela esposa, pois no último churrasco com os colegas, ele descreveu como havia conseguido encontrar-se com a rainha da escola de samba, nas coxias, do ensaio do carnaval, só se esqueceu de que um deles trabalhava com sua esposa.

Foi um processo difícil, mas com o apoio da família ele conseguiu superar sua necessidade de chamar a atenção com inverdades, fazendo terapia e se inscrevendo em um curso de escrita criativa.

Ele se tornou uma pessoa melhor, recuperou a confiança de seus amigos, dos familiares e, finalmente, conseguiu um novo emprego em uma empresa menor. Só não recuperou a esposa; ela se casou com o tal colega de trabalho.

 

ILHA ESCURA e o PIRATA GUARDIÃO - Parte II - Maria Luiza Malina

 



ILHA ESCURA e o PIRATA GUARDIÃO 

Parte II

Maria Luiza Malina

 

"O pirata guardião da Ilha Escura, só é visto em noites de lua cheia". Uma lenda levada pelos fortes ventos que impregnou com certas ranhuras de áspera curiosidade e sabor juvenil, os aventureiros mais afoitos.

 

Agências de turismo exploram exclusivamente - jantar romântico para casais - absolutamente no rigor das regras e horários.

 

Haja rajadas de chuva ou nuvens que encobrem a lua, brincando de esconde-esconde. Não importa. Se um tempestuoso vento surge no repente, escurecendo totalmente a embarcação num negro véu, da mesma forma na sensação de "tudo perdido, vamos morrer"... em que todos se abraçam e temem pular ao mar, lembrando a tragédia do Titanic, com OH, não! Mãos que se grudam, braços que se transformam em guelras, o bater do coração, tum!tum!tum! Não importa. Sem saberem, os afoitos marujos de 1.ª. viagem, todos fantasiados de piratas e as mulheres com saias rodadas coloridas e perfumada flor nos cabelos, brindam seu amor. 

 

No controle do corte do bater do vento nas velas da grande e velha embarcação, o Capitão, homem de meia-idade, mantém se firme, com o eterno cachimbo amadeirado pendurado do lado esquerdo da boca a combinar com o roto casaco de navegação fechado até o pescoço, orientando sem cessar ordens aos marujos quanto a arte de manobrar velas em função do vento, durante as dezenas de minutos de mar bravio. Os turistas, pobres turistas arregalados, mais e mais se comprimiam num todo.

 

A ação do pirata quando se sentia invadido por estranhos, tornava o mar revolto, não permitia aproximação de nenhuma embarcação. A Ilha Escura só a ele pertence. Necessitava absorver o som do terror e exclamações, a força da voz do Capitão, o esforço desmedido dos marujos no controle da nau, em noites escuras, este conjunto o abastecia na solitária sobrevivência física e espiritual.

 

O olhar ansioso aguardava a cada morte do dia a vida renascer no céu.

 

Nas noites de calmarias inusitadas, com um mar transformado numa grande lagoa azul escura em que a amorosa luz da lua se reflete, acentuando o ondular sensual dos seus cabelos nas ondas, remete a um berço de bebê embalado por mãos suaves e afilados dedos ao delicado som de uma canção de ninar.

 

Este momento marca a presença de seu grande amor chegando lentamente no crescer da Lua. De tempestuoso e estranho pirata passa a acalmar-se nas vagas iluminadas. Conversam longínquas, chegam lhe aos sussurros sentindo a aproximação crescente de sua amada que brilha forte para estar perto de seu amado e inesquecível amor, um dia deixada à mercê de uma espera sem fim.

 

Ele é o Dia com seus malditos e benditos afazeres, ela é a Lua Cheia que a cada quatro estações trazia-lhe notícias da amada que morreu aguardando seu retorno. Hoje, reencontram-se na força humana brutal acalmada pela doçura da beleza do nascer da encantadora Lua, que na amada se transformou. Ele continuará a ser o estranho pirata solitário.

 

 

JACINTO, POBRE JACINTO - Maria Luiza Malina

 


JACINTO, POBRE JACINTO

Maria Luiza Malina

 

Desde pequeno era notado pela sua esperteza incomum. Saiu-se bem! - Dizia a família, composta de oito irmãos, apesar de ser um adolescente revoltado que fugiu da escola.

A idade adulta, da mesma forma que desaparecia, aparecia surpreendendo não só a família apreensiva, como os amigos. Driblava a vida com muitos pontapés, aliás era o que sabia fazer de melhor. Na necessidade, cá estava, como que caído do céu. Com um escritório de advocacia muito bem montado, na entrada uma adorável estagiária vestida de acordo exibindo o slogan do escritório no crachá. A parede bege exibia o não todo suado diploma emoldurado em finíssimo acabamento.

Muito respeitado na região, conduzia seus funcionários, gabaritados nas posições ocupadas, o que fazia com que a sua ausência prolongada nem nada interferisse no andamento dos processos, mesmo porque, em tempos de correspondências on-line, celular, enfim o diabo que fosse, estava sempre antenado aos mínimos suspiros e insuspiros advocatícios. Um controle raro. Tipo “paredes têm ouvidos”. Só não deixava rastro por onde passava.

Ausentava-se por longos períodos. Esbelto, bonito e rico. Retornava das viagens sem dinheiro, alegando à família os gastos nos jogos de azar em cassinos clandestinos. Na estraçalhada poeira de buchichos de amigos “pero no muchos amigos”, o comentário do desaparecimento é que tinha outra família. Mas que nada!  Disfarçava muito bem. Entrelaçava os negócios a tudo.

Certa vez, uma negociação o deixou com a pulga atrás da orelha: exigia uma reunião em alto mar. Estranhou. Encarou sem pestanejar, de forma pacífica, pois estava acostumado a longos e preciosos períodos de ausência. No entanto, desta vez tardou-se acima de sua atenta expectativa, ludibriando até mesmo uma das namoradas ocasionais mais constantes, para a qual jurava eterno amor com direito a poemas. Era a única acima de sua ingênua esposa entretida com os pesados compromissos dos cinco filhos.

Ela, Perolaliz, o entendia muito bem, a "Perolara", como a chamava, acreditava ser a única. Era assim que tratava a todas as pérolas aos seus pés caídas...

Obviamente, longe de qualquer holofote, estaria livre, pensava. Neste pensar lembrou-se do compromisso que teria com uma das pérolas, não a rara, “a outra”, e resolve enviar um WhatsApp “Perolamel, amada, desculpe o atraso, passei em frente a uma loja e não aguentei, desfaça-se do nosso quarto, comprei outro moderníssimo, cama arredondada e luzes, amanhã mesmo instalarão e à noite te amarei por inteira”.

Clicou. Enviou. Desligou o celular.

— O que é isso! - Surpreende-se Perolaliz arregaçando as mangas, enviando um recado atrás do outro, já se somavam uns vinte e um sem respostas às enlouquecidas cenas de ciúmes, vez que ela própria trocara semana passada o mobiliário do quarto para um mais sensual, a pedido e custas de Jacinto... resolveu apagar todas as mensagens não respondidas e aguardar, enfiada em seu ciumento e doentio cobertor – “há outra pérola? Vou descobrir”.

Assim ficou desabrochada da vida.

A secreta reunião deu-se em uma ilha distante a 50 km da costa. Qual não foi o espanto da surpresa? Boquiaberto, lá estava a foto de “Perolamel”, a esposa do empresário com quem estava marcado o encontro. Jacinto disfarçou, mas estremeceu na base, por um instante, voltou a ser aquele menino de esperteza incomum comentando:

— Boa tarde. Sr. Venceslau, Dr. Jacinto ao seu dispor! Espetáculo de moradia com esta vista bem enquadrada com a foto de sua filha… – nem conseguiu acabar de falar sendo cortado pelo vozeirão de Venceslau.

— Minha filha coisa nenhuma, minha esposa. – Acentuou forte. Gostaria de apresentar-lhe, mas justamente esta semana ela tem consulta médica no continente. Fica para a próxima.

Aliviado, Jacinto já nem mais se sentia, vagava. Algum engano. Ela é uma moça fina, mas o apartamento é muito simples para seu padrão. Deve haver outra moça parecida, gêmeas idênticas, tentava ludibriar-se no atordoamento. Quando voltar, vou tirar a limpo esta confusão. Entretido nos fantasmas que povoavam a cabeça, pensava no recado que havia enviado a ela – o que fazer. Deixara o celular na pasta extra, - o que fazer? Interromper uma negociação de bilhões por uma mulher? Isto ainda iria noite adentro. - Preciso desculpar-me com ela.

O entardecer chegou impressionando Jacinto com a visão de um pôr-do-sol rodeado das cores mutantes que se esvaneciam no mar. - Precisava ir embora... nisso, entra a governante convidando-o a se acomodar num aposento, pois o jantar seria servido em uma hora. Sem nada entender, deixou-se guiar. Realmente a elegância de Venceslau, como o tratava, o desconcertou. Pensava no recado enviado a Perolamel… totalmente sem sentido. Como se desculpar?

Amanheceu. O capitão o esperava no deck, após o alucinante café. Precisava retornar e encontrar-se com Perolamel. Nas poucas horas no mar, calado, jogava ao mar a âncora do entendimento que em nada se enroscava.

Abre a porta e a encontra. Ela, estranhamente, o abraça e pergunta se, esquecera do compromisso de ontem, com quem esteve, etc., … coisas de mulher - Outra com cena de ciúme, pensa e em seguida retruca. - Estou vendo que o pessoal da loja ainda não veio instalar seu novo quarto. Por que você não se desfez deste horrível e démodé mobiliário como pedi pelo whats?

Perolamel, não sabe o que responder. Apenas o abraçou e se acarinharam. Não havia mais os porquês...

Neste ínterim, Jacinto, apavorado, levanta-se num pulo, recompõe-se, sai em disparada, sem nada explicar. - Pobre Jacinto, pensa ainda sentada na beira da velha cama que não deixou de ranger ao seu suspiro, afinal lá era a casa em que nasceu!

Descuidado, resolve abrandar a situação envia outro Whats- “Desculpe meu amor por falhar ontem com você, hoje você estava linda!”. Clica. Enviou. Dirige confuso, embaraçado e cai em si, relembra: cliquei rápido e enviei o whats... Ops. Estaciona o carro. Verifica o celular e se dá conta que os enviou à pessoa errada.

Ficou longa semana sem contatar a pérola rara. Era seu jeito de ser, sumidouro.  Fazer-se de desentendido, desaparecido, do que está falando? Não, deve ter sido engano, e transforma o assunto num pé sem cabeça abreviando o momento: um belo convite de viagem em um transatlântico entregando um envelope com belo maço de dinheiro para Perolaliz preparar seu enxoval para o tour pela Europa, que inclui um jantar com o comandante do navio.

— Quero ver-te bela!

Abraça-a e sai pensando, “por esta escapei de pouco”. Bom, agora preciso ir para casa. Outra driblagem.

 

 

A VIAGEM - Antonia Marchesin Gonçalves

 



 A VIAGEM

Antonia Marchesin Gonçalves

 

Me lembro bem...

Me lembro da janela do navio, eu tinha cinco anos.

Mamãe, corajosa, embarcou com os três filhos para o Brasil.

Papai veio bem antes, uns dois anos antes, em 1949. Ele veio como turista, gostou e ficou. Foi aprovado no Liceu de Artes e Ofícios, até queriam que ele lecionasse, mas ele preferiu montar uma empreiteira. Segundo ele, havia comprado passagens de primeira-classe para nós, mas ele teria sido enganado, e nós viajamos na segunda-classe. Esse assunto gerou muitas discussões entre eles.

O que lembro dessa viagem... mamãe chorava muito com medo de contrairmos alguma doença dos passageiros, pois não eram nada cuidadosos, nada higiênicos. Meu irmão mais velho suportou bem a viagem, já tinha dez anos, era mais independente, minha irmã mais nova era ainda um bebê, com dois anos e meio, ainda era amamentada no peito. Já eu passei todo o trajeto vomitando. O capitão do navio vinha nos ver, consolando mamãe, trazia maçã para me ajudar a suportar os enjoos.

A maior lembrança era mesmo a janela redonda do navio, a escotilha, e eu debruçada nela para tomar ar. No convés pouco íamos, mamãe tinha medo que caíssemos no mar. Meu irmão ficou amigo do capitão. Pela janela, a imagem nítida que ficou na minha mente, foram os peixes que acompanhavam a embarcação, seguindo os dejetos que o navio produzia, e felizes pulavam fora do mar de um azul maravilhoso, mas também às vezes o mar se apresentava muito turbulento. Os peixes pareciam felizes e divertidos, eu ficava encantada. Foram vinte e dois dias até chegarmos em Santos, aí que tive a noção do tamanho da embarcação, em terra parecia um monstro.

Desembarcamos. Era ano de 1951, papai todo bonitão à nossa espera, foi encantador ter a família unida de novo. Papai contratou um carro e subimos para São Paulo pela Serra de Santos, ficamos encantados com a vegetação, e nos instalamos em Pinheiros, onde ele morava e tinha seu escritório de empreiteiro.

A partir daí nova fase de vida para todos, longe de todos os parentes, só nós cinco.