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A BAILARINA ENDIABRADA - Oswaldo U. Lopes

 




A BAILARINA ENDIABRADA

Oswaldo U. Lopes

 

                            Caia

                             A tarde feito um viaduto

                             E um bêbado trajando luto

                             Me lembrou Carlitos

 

        Regina continuou guiando, enquanto escutava a musica. Gostava muito dela, achava bonitos os versos, lindos para dizer a verdade e o curioso, absolutamente datável.

        Não ia ficar discutindo, calendário Gregoriano, Juliano ou coisa que o valha. Muito menos A.C, D.C., A.D, E.C. (era comum),

A.E.C. (antes da era comum). Ficou apenas pensando o que o próprio Jesus Cristo, Causa e Senhor da polemica pensaria dela:

“ Amai-vos uns aos outros como eu vos amei, fazei sempre o possível e o impossível para viver em paz com seus irmãos. ”

        Simples não. Poderia ter dito: Não me aborreçam, o importante não é quando nasci, mas a mensagem que Eu vos trouxe.

        Viaduto que caiu no Rio de Janeiro era o Elevado Paulo Frontim, que devia ter o nome de um francês e desmoronou antes de inaugurado no dia 20 de novembro de 1971. Dia conhecido e manjado, Depois de Cristo, Ano do Senhor, ou da Era Comum, era um sábado e matou muita gente e ficou famosa a fotografia de uma betoneira em cima da parte que desabou. Que ideia, que associação de fatos!! Regina sorriu, os versos se comunicavam por um poder misterioso que só a poesia tem.

        Já escutara muita gente cantando a musica. O próprio autor João Bosco, o outro autor Aldir Blanc, Zizi Possi, Casoy, Heróis de Botequim, Trio Café, mas que a desculpasse Maria Rita e sua bela carreira, mas como Elis Regina não havia comparação. Já vira e ouvira suas diferentes versões e ainda ficava impressionada, como naquele frágil corpinho cabia tanta voz.

        Aos Precisionistas de plantão, Regina pensou, a canção é samba foi iniciada no ano de 1977, em 1979 estava pronta e a primeira gravação foi da Pimentinha (Elis). Por suas conotações semiexplícitas também ficou conhecida como Hino da Anistia. Em qualquer calendário que se queira adotar foi composta (1979) depois da queda do viaduto (1971).

                             A lua

                             Tal qual a dona dum bordel

                             Pedia a cada estrela fria

                             Um brilho de aluguel

 

        Continuava a guiar e a lembrar. Quando fora mesmo que mandara um homem para a Zona? O Bar era o Reencontro que ganhara maldosamente o apelido de boate dos Cornos. Não era verdade, o dono fazia questão absoluta de que não houvesse nem garotas nem garotos de programa entre os presentes.

        Então você tinha casais e não poucos, gente solteira a vontade, gente procurando gente, respeitadas certas regras, já que ninguém que frequentava era ou estava a fim de programa.

        Pois bem, ela estava no balcão com um delicioso Martini nas mãos quando o cara sentou ao lado e vai que vem, começou a esfregar na sua perna e no braço. Lançou lhe o olhar fulminante número dois, o famoso “se enxerga e chega para lá”. Suas amigas que conheciam o olhar diziam dele: ”Chique mesmo é mandar se "fuder" só com o olhar”.

        Parece que olhara para uma toupeira recém-saída do escuro, o cara continuou com o mesmo tipo de aproximação. Não teve dúvida falou alto e bom som:

        “ Quer encostar em mulher que aceita, até contra vontade, porque ta afim de cache, vai para a ZONA”. Ouviu o salão estremecer e até ouviu aplausos que iam num crescente. Pelo espelho viu o cara sair pela porta todo escondido e envergonhado. Teve vontade de repetir: Vai para a Zona, mas não foi necessário, o cara simplesmente escafedeu-se.

                              Meu Brasil que sonha

                                      Com a volta do irmão do Henfil

                             Com tanta gente que partiu

                             Num rabo de foguete

 

        Até o humor era melhor. Quanta saudade do Pasquim, dos fradinhos que dava até arrepio de lembrar! É o Milton Nascimento tem razão a musica popular de hoje está uma porcaria, bem lembrado embora ele não tenha dito porcaria, tinha toda razão. M...

        Ainda tinha o Victor Brecheret a dar voltas no túmulo e ranger de ódio. A direita sanguinária, quase destruiu a sua famosa dançarina, salva por gente boa na coisa. A esquerda de ponta queria destruir ou remover seu monumento imortal: As Bandeiras.

        Coisa de intelectual apressado que leu e não entendeu. Para encontrar na história da arte algo semelhante, era preciso ir ao Parthenon dos gregos, Miguelangelo ou Rodin. É favor não confundir, estátuas de escravocratas a cavalo com espada na mão com conjunto de granito, esculpidos na pedra em grupo monumental e único!


                             Chora a nossa pátria mãe gentil

                             Choram Marias e Clarisses

                             No solo do Brasil

 

        Meu Deus, eles estão falando do pessoal da resistência na TV Cultura. Rodolfo Konder, Pacheco Jordão, Vladimir Herzog, ela lembrou que também deixara rolar lágrimas. Corria o ano de 1976, maio para ser mais precisa, estava em Londres para um Congresso de Patologia que coincidiu com a chegada do Presidente Geisel.  

      Acostumado com repressão bancada pelo exército, Geisel não imaginava ou imaginou que, além de passear de carruagem com a Rainha Elizabete, haveria, como houve muitas e muitas manifestações de contrários à sua presença que não foram impedidas pela policia, mas por ela organizadas.

        Dai a publicação de uma foto horrível do Vladimir com as pernas dobradas na altura dos joelhos, com um cinto amarrado no pescoço pendurado numa janela baixíssima. Foto apontada como do suicídio do jornalista. Não tinha ideia de onde ela surgira, fora lhe passada por um colega inglês no Congresso, mas era crua demais, dolorosa demais, brutal demais, sentiu as lagrimas lhe escorrerem pela face. Acabara de ver a foto testemunha do assassinato do jornalista.

 

                                    Azar

                                    A esperança equilibrista

                           Sabe que o show de todo artista

                           Tem que continuar

 

        Estava chegando ao final de seu trajeto. Quase chorara de novo. A bailarina endiabrada estava cansada. De dor, de miséria, de tristeza. Como é que ia fazer para continuar o show?

        Esta é uma outra história que não cabe aqui. Até daqui a pouco. Um beijo...

 

 

Veja aqui uma das tantas interpretações magníficas que a Elis fez dessa música. 

       

 

       

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