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Martins - Yara Mourão

 




Martins

Yara Mourão


Ele sabia que todo feriado de finados chovia. De certo não seria diferente nesse ano, apesar da semana estar prometendo um pouco mais de calor.

Uns dias na praia, pensou, longe do corre-corre, das amolações diárias naquele escritório enfumaçado. Era tudo o que ele queria.

Martins tinha uma opinião formada sobre chefes: chefe não é líder, não abre portas, não promove conhecimento. Chefe é como uma chave enferrujada: tranca e não abre.

Já fazia anos que Denisard exercia seus poderes de coerção, subjugando todo o grupo de seus funcionários com ameaças, com assédio e intrigas infundadas.

À medida que o tempo passava Martins tentava se amoldar ao inevitável, pois o trabalho no banco exigia disciplina.

Mas Denisard era um chefe insuportável. Não respeitava as pessoas que para ele eram peças de um jogo, das quais dispunha como bem entendia.

Só que para esse feriado Martins tinha grandes expectativas. Iria se encontrar com amigos da faculdade que não via há tempos, e entre eles, Júlia, sua doce namorada dos tempos de sala de aula.

Ele até fez uma repaginação no visual: cortou o cabelo, aparou a barba, mudou a armação dos óculos. A Júlia continuaria linda, pensou, pois sempre foi a mais bonita da turma. E todos estariam lá: o Alex, gorducho, o Rui, um nerd, o Vitor, o bom de bola. Ia ser o melhor feriado de sua vida!

Mas, “no meio do caminho”, como dizia o poeta, tinha um chefe, Denisard. Que houve por bem agendar uma inútil reunião para o meio do feriado. Assim, de repente, urgente e inadiável. Comparecimento obrigatório sob pena de demissão sumária!

Isso foi a gota d´água para Martins. Não havia a menor possibilidade de trocar seu momento com o tão esperado encontro por mais um insuportável dia com seu algoz enfurecido.

Martins jurou vingança.

Esperou dar 18 horas. Jogou o paletó sobre os ombros, tirou os óculos, afrouxou o nó da gravata. Era, agora, um outro homem.

Foi até a porta da sala de Denisard e entrou sem bater. Caminhou até a mesa e, para espanto do chefe, abriu um largo sorriso. Falou pouco, olhando bem fundo nos olhos do outro, articulando calmamente cada palavra: ¨Fique com sua reunião enfumaçada e inútil que eu vou ver o mar, jogar bola e beijar a Júlia. A vida não espera.¨

Saiu da sala sem olhar para trás.

O Denisard?

Pediu demissão.

  

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