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Escapou por pouco - Ises A. Abrahamsohn

 



Escapou por pouco

Ises A. Abrahamsohn

 

Fininho odiava o apelido. Mas não tinha jeito. Criado ali no morro da Catacumba pela avó Dóris não era alto, porém era muito magro. Desde criança aprendeu a se defender. Ou correndo sobre as pernas finas e ágeis ou, mais tarde, quando jovem aprendeu  a lutar jiu-jitsu na escola de esportes patrocinada por uma ONG. Agora vivia com a avó numa casinha de alvenaria, bem ajeitada próxima à base do ladeirão que levava ao topo do morro. Seu verdadeiro nome era Arlindo, homenagem da mãe que adorava o sambista Arlindo Cruz. O sonho de Fininho era sair dali. Ele conseguira escapar do apelo do tráfico e a custo concluiu um curso de mecânica. Trabalhava em uma grande oficina de conserto de caminhões. Tinha tido várias namoradas, mas ainda não queria casar.

 Primeiro quero comprar uma casa, bem longe daqui, num lugar sossegado para levar minha vozinha, dizia. Aí vou pensar em casar.

O que Fininho não revelava era que estava apaixonado. Impossivelmente amava Bete, casada com Júlio. O casal morava na mesma rua uns duzentos metros ladeira acima.

Ele conhecia Bete desde os tempos de escola. Agora 2ele tinha 25 anos e ela 23, mas a paixão dele era recente. A afeição foi se instalando devagarzinho quando Fininho a reencontrou trabalhando no setor de empréstimo imobiliário da Caixa. O empréstimo não se concretizou, mas Fininho cada vez que ia ao banco dava um jeito de parar junto à sua mesa para uma prosa. Ao longo de dois anos cada vez mais Fininho sentia que a amizade se transformava em amor. E Fininho percebia que a moça não era feliz.

Há seis  meses reparou que ela tinha equimoses no lado direito do rosto. Não é nada, não Arlindo, eu tropecei e bati na quina da mesa. O rapaz suspeitou que Bete estava sendo agredida pelo marido, mas ela negava veementemente. Depois ela ficou duas semanas sem aparecer e tinha o braço engessado. Fininho ficou doido. Queria que ela denunciasse o marido, porém ela se negava:

O Júlio ameaçou de me matar e também a minha menina Mariana, era a resposta.

Fininho propôs que se mudassem, ela e a menina para o interior de Minas onde ele tinha uma tia que vivia em um sítio. Não vai adiantar, retrucou Bete desolada. Ele vai nos achar. Tem muitos amigos na polícia e já falou que me segue até o fim do mundo.

Era sexta-feira, quase meia-noite quando Fininho ouviu os gritos. Reconheceu logo. Era Bete, sendo surrada pelo marido. Fininho não aguentou. Correu ladeira acima até  porta da casa. De fora, ouvia os berros de Júlio e os gemidos e gritos de Bete. Alguns vizinhos também saíram. Finalmente Carlão, o dono da mercearia, falou: Vamos entrar, para acabar com isso. Acontece toda a semana. Puseram a porta abaixo e entraram, Fininho e Carlão. O agressor foi se esgueirando para trás entrou na cozinha enquanto os dois avançavam e gritavam para ele parar. Subitamente ouviram um tiro. O cara estava armado. Tinham que pegá-lo de surpresa na parte detrás da casa. Fininho e Carlos correram para agarrar o homem. Foi aí que o treino de Fininho no jiu-jitsu entrou em ação. Conseguiu imobilizar o marido de Bete,  enquanto Carlos arrancou-lhe o revólver da mão.

Levaram o valentão para a delegacia da mulher onde, finalmente, Bete prestou queixa. No caminho, Júlio chorava e repetia: Não sou eu... Não sou eu...É ela, ela que apronta...

No dia seguinte, Bete pediu licença no Banco e Fininho levou-a junto com a filha para o sítio da tia em Minas. O rapaz voltou a seguir ao rio. Não podia faltar mais um dia ao trabalho na oficina. Passaram-se alguns dias. O Fininho se comunicava com Bete pelo telefone. Aparentemente tudo estava bem. As marcas das agressões tinham desaparecido e mãe e filha estavam se dando bem no sítio. O marido de Bete, Júlio, também sumira do bairro. No bar disseram que ele tinha ido para a casa de parentes em Mato Grosso até que as coisas se acalmassem.

Passadas duas semanas, Fininho recebeu um telefonema angustiado da tia. Na madrugada de domingo a tia percebeu que no quarto apenas a menina dormia. Nada da Bete que voltou pelas cinco da manhã. Ao encontrá-la ao café a moça foi ríspida e disse que tinha direito de sair um pouco, não estava confinada no sítio. A tia pedia que ele fosse buscar a amiga e a filha. Aparentemente a moça tinha se engraçado com um funcionário do sítio vizinho.

Fininho não podia acreditar. Achou que a tia tinha inventado a história por não querer mais mãe e filha morando lá. Porém só poderia buscar a Bete no fim de semana. Ao telefone a moça negou veementemente o ocorrido e o rapaz se tranquilizou. Devia ser implicância da tia. Lá pela quarta-feira Fininho encontrou o Carlão.

Foi do Carlão que soube os detalhes das brigas entre Bete e Júlio.

Essa moça não presta, Fininho. Você precisa tomar cuidado. Sei que levou ela para sua tia no interior. Mas vou te contar a coisa como é, para você cair na real.

Fininho, quis pular no pescoço do Carlão. Mas esse já esperava a reação e controlou o rapaz.

Senta aí e vamos conversar pra você não fazer burrada.

Fininho aturdido engoliu a ira e escutou. A Bete, traía o Júlio com quem aparecesse... Sumia quase toda a noite e voltava às três da manhã. E não era Júlio que ameaçava. Era Bete, que ameaçava sumir com a filha do casal se Júlio a abandonasse ou pedisse o divórcio. O marido achava que ela se drogava. Apesar de ganhar o salário do banco, era frequente ela pedir dinheiro para o marido após gastar o seu. As brigas eram frequentes.

Estarrecido, Fininho tinha dificuldade em acreditar. Em casa chorou escondido abafado pelo travesseiro.

No sábado foi buscar Bete e a filha. Primeiro pensou em fazê-la voltar de ônibus, mas ficou com pena da criança. Não havia transporte direto e demoraria mais de 12 horas.

Pouco falaram na volta. Fininho deixou-as em casa. Na semana seguinte percebeu que a casa estava vazia. Bete tinha se mudado dali, e largado o emprego. Fininho ficou aliviado. Escapara de boa...


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