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O trem - Yara Mourão

 



O Trem

Uma saudade que eu gosto de ter

Yara Mourão

 

Não era uma Maria Fumaça.

Não era um Trem Bala.

Era uma locomotiva a diesel, que cortava as planícies apitando alto como um pássaro silvestre.

Era o Trem de Prata, o mais bonito da Central do Brasil, que ia de São Paulo ao Rio de Janeiro em 8 horas e do Rio a Belo Horizonte em outras tantas.

Saindo de São Paulo de manhãzinha, à noite havia uma baldeação para o trem noturno que vinha do Rio para Belo Horizonte. Era na cidade de Barra do Piraí onde, horas e horas de atraso infernizavam a vida de todos. Menos a minha.

As estações eram, simplesmente, um mundo. Gente por todo lado, numa procissão desencontrada, sem pressa, com um destino certo ou com um destino incerto.

O ruído das ferragens nos trilhos e os chamados do alto falante anunciavam que a aventura ia começar.

Nos vagões, os bancos eram confortáveis e as janelas amplas, panorâmicas. O garçom passava sempre com gostosuras: sanduíches, chocolates, sucos e café com leite. Doces lembranças que lá se vão...

Nas plataformas, entre um vagão e outro, o vento do campo e os ramos das arvores, de tão perto, eram quase um carinho na palma da mão. Mas ver, nas curvas do caminho o entrelaçamento dos trilhos, era um jogo de adivinhar: será que vai seguir pela linha da esquerda? Ou para a da direita? Vai passar no túnel? Vai passar na ponte?

Ah! O trem! O trem sempre parava em cima da ponte! Acontecia haver geralmente algum acidente na linha lá adiante. Que medo eu tinha! Porque a ponte era sobre o Paraíba do Sul, que é um rio muito caudaloso e das janelas podíamos ver a correnteza lá embaixo.

Não me esqueço das horas e horas passadas sobre a ponte, as notícias desencontradas, meu coração no ritmo descompassado, antevendo um desastre.

Mas não, nunca o inesperado aconteceu e, após um tempo entre longo e muito longo, o trem, dando um apito preguiçoso e cansado, seguia pelo caminho cortando pastos, vilas, ao pé da serra, senhor dos campos, pra dentro das Minas Gerais...

Não era uma Maria Fumaça.

Não era um Trem Bala.

Era uma máquina mágica carregando todo o encantamento que a vida da gente gosta de carregar.

 

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