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A segunda bala perdida - Adriana Frosoni

 


A segunda bala perdida

 Adriana Frosoni


Por um período morei no bairro Bela Vista, mais precisamente no Bixiga, região de São Paulo muito movimentada de dia e de noite. Sempre me lembro de uma senhora que ficava na janela do primeiro andar de um predinho antigo observando tudo o que se passava na rua. Todos a conheciam de vista, inclusive eu, que nunca guardei nomes e já nem os perguntava mais, e apenas a apelidei de Dona Florinda, em referência à personagem do programa do Chaves que também usava um lenço na cabeça.

Ela dava palpite em tudo que acontecia lá embaixo e sempre acabava por puxar papo ou, menos frequentemente, briga com alguém. Se bem que era total insensatez de quem se atrevesse a brigar com Dona Florinda, depois disso a única solução seria não passar mais por ali e não dar brecha para continuar a desavença. Ela se recolhia tarde, depois das 22 horas, sempre que o caminhão do lixo entrava na rua, vindo lá da Brigadeiro Luiz Antônio. Dizendo que não gostava do barulho dele fechava a veneziana com força, como se quisesse ofender o caminhão ou avisar a todos que acabara seu expediente.

Num dia qualquer, que eu estava voltando do trabalho, parei para perguntar-lhe sobre a origem de uma perfuração que havia na veneziana de sua janela e ela me pareceu muito feliz em poder contar. Disse que a inquilina anterior havia saído do imóvel por conta do tal incidente: uma bala perdida. Riu-se da medrosa porque considerava que quando era chegada a hora da pessoa não tinha o que a salvasse, se não, não havia bala que a acertasse. Adicionou mais alguns detalhes à história e gargalhou gostosamente ao final, como sempre fazia, e quando me despedi continuou a resmungar a mesma história na esperança de um outro transeunte ouvir e puxar papo.

Bastante tempo depois, estranhei quando vi a janela fechada. Ninguém sabia o motivo e passei a observar mais atentamente: o sumiço de Dona Florinda foi definitivo. Intrigada, parei para observar o lugar que ela ficava e percebi que agora havia duas perfurações na janela. Nunca soube se ela havia se ferido, passado dessa para melhor ou simplesmente se mudado. Nem tive certeza de que foi uma segunda bala perdida que a tirou de lá e lamentei que o predinho não tivesse um porteiro para me informar. Senti falta dos resmungos e principalmente das gargalhadas, mas com o tempo me acostumei. Lembrei do que ela me disse sobre a hora de cada um e, do fundo do coração, desejei que não tivesse chegado a hora dela.

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