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A CARTOMANTE - YARA MOURÃO

 



A Cartomante

Yara Mourão

 

Rita era uma mulher bem urbana, que não se atinha a crenças de nenhuma espécie. Era prática e resoluta, resolvia qualquer questão com presteza e calcada em razões, por mais subjetivas que fossem.

Tinha, porém, um certo desvio de personalidade: era muito ciumenta. De quase tudo: de seus pertences, seu gato, seu carro, mas principalmente de Vilela, seu jovem marido. Com certo motivo, talvez.

Vilela era um pouco mais novo do que ela, homem extrovertido e amável, com um séquito de admiradoras. Ele queria ter sido um artista, e a inclinação para o belo o levou aos caminhos da arte concreta, onde trilhou uma bem-sucedida carreira de arquiteto.

Rita e Vilela se deixavam levar pelo cotidiano, mas algo pairava obre o andamento da vida a dois. Para Rita nada podia estar entre eles.

Esse afeto adquirido e cultivado a qualquer preço era a razão de sua vida. E um amigo mulherengo, como Camilo, chegado às veleidades sociais, agitador de encontros e festas em que Vilela era sempre o convidado mais esperado, deixava Rita no limite da tolerância.

Ela já não estava mais com paciência para apenas suspeitar. Já tinha certeza de que Camilo era a figura por trás das escapadas de Vilela. Não ia esperar mais.

Pensou em outras alternativas para pôr fim a isso; e resolveu no calor do desespero. Ia a uma cartomante se certificar de que Camilo estava arrastando Vilela para aventuras à margem de seu casamento.

Buscou na internet o endereço de uma vidente. Qualquer uma serviria. Afinal, cartas, bola de cristal, búzios, tudo converge para o mesmo quando já se tem uma posição definida sobre qual vai ser o resultado.

Chegando no endereço, logo estava frente a frente com a cartomante. Esta nem titubeou: ¨esse tal de Camilo é a raiz de todo o mal e deve ser extirpado sem demora¨.

Era tudo o que Rita queria ouvir. Sentiu-se justificada. Era isso mesmo, então!

Saiu de lá apressada, decidida. Ligou para o marido e certificou-se de que ele chegaria mais tarde em casa nessa noite. Perguntou por Camilo e soube que ele estava no clube, jogando tênis. ¨ Melhor assim¨ pensou. Só esperaria o entardecer para ter a cumplicidade das sombras.

Entretanto, nas ruas, o trânsito estava lento e não acompanhava sua ansiedade.

Sentia um aperto na garganta.

Um nó no estômago.

Era o seu casamento que estava em jogo, por um fio. Mas ela ia salvá-lo, nem que fosse a última coisa que fizesse.

Finalmente chegou ao clube.

Esgueirou-se para a parte detrás das quadras de tênis.

Camilo estava lá. Ele sorria. Ela tremia. Lembrou-se do que dissera a cartomante, que tinha de ser sem demora. Então, a hora era esta.

Foi aí que aconteceu...o som sibilante cortou o ar da noite. Tiro certeiro. Camilo, o mal presumido e comprovado, jazia inerte.

Rita olhou para o céu, para um ponto no infinito, os lábios secos, os olhos cegos.

E, no silêncio imenso da desilusão, ela se perguntou baixinho: ¨salvei meu casamento?¨

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