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Aventuras de um rico barão e seu mordomo - Ises A. Abrahamsohn.

 




Aventuras de um rico barão e seu mordomo

Ises A. Abrahamsohn.

 

O barão Lamberto era muito, muito rico... E também muito idoso. Morava em um castelo numa ilha no centro de um belíssimo lago do norte da Itália. A região era encantadora e durante o verão e outono milhares de turistas se dirigiam a esses lagos.

O velho barão morava no castelo com seu mordomo, Anselmo, que lhe servia de companheiro e enfermeiro há três décadas. Anselmo era regiamente recompensado por sua dedicação. Aliás ficava irritadíssimo com os estereótipos das novelas carentes de imaginação que indicavam os mordomos como culpados! Ele vivia em função do patrão e tratava das várias doenças reais ou imaginárias que o afetavam. Para todas havia algum remédio ou alívio que Anselmo, muito cuidadoso, tinha anotado e se apressava  a ministrar. Assim, às dez da manhã havia a queixa de dores nos ossos logo acudida com um xarope do frasco rotulado com o número da doença. Foi o sistema que ele e o barão criaram para que não houvesse dúvidas quanto à medicação. Reumatismo era a doença de número 5, mesmo número do elixir. Soluços e gases intestinais tinham os números 8 e 9 e assim por diante. O que não tinha remédio era o frio e a umidade que desciam sobre a ilha assim que o outono se anunciava, e pior o inverno.  Apesar do aquecimento era época terrível para o Signore Lamberto.

Quando as folhas mudavam de cor, assim também se mudavam o barão e seu fiel mordomo para a mansão no Egito. Todos os anos, a lancha particular os levava para Alexandria onde tomariam o trem na direção de Luxor. O vagão privativo onde viajavam pertencia ao barão e garantia todo o conforto necessário. Era engatado na composição e desengatado em Luxor, onde ficava à disposição para a viagem de volta. Em Luxor, o barão e Anselmo se instalavam em outra esplêndida mansão onde a cada ano passavam seis meses aproveitando o clima quente e seco do país. O Signore Lamberto ficava horas no jardim lendo ou ouvindo música de uma vitrola que o mordomo abastecia com os discos de 78 rotações existentes na época. A coleção era enorme, árias de ópera, concertos de solistas de todos os instrumentos, orquestras, jazz , música folclórica e mais.

 Naquele ano de 1955 o barão tinha completado 93 anos e, como sempre, no outono viajou com Anselmo para o Egito. O Signore estava feliz e antecipava o alívio de seu reumatismo naquele clima ameno. Havia apenas um inevitável desconforto para seu futuro bem estar. O sobrinho e possível futuro herdeiro, Otávio. Era um ser desprezível na opinião do barão e de Anselmo. Jogador inveterado, apostava em tudo e nunca trabalhara. Conseguira arrancar do velho barão um empréstimo sob o pretexto de abrir um negócio, mas torrara os milhões em apostas de todos os tipos. Carteado, cavalos, sinuca, o que houvesse... Só em pensar em Otávio fazia piorar o reumatismo do barão. Aliás, não tolerava nem o nome do sobrinho. Duas vogais idênticas no nome, e pior, no início e fim ladeando o centro como parêntesis de uma quadra sem sentido! Apreciava nomes sem repetição de letras tal como Lamberto. Era um nome perfeito, Humberto seria também, mas neste o H não lhe agradava. Lamberto leu no jornal daquela manhã que o notável herdeiro italiano, Otávio, se encontrava no Cairo para as corridas anuais no hipódromo. “Herdeiro, uma ova, resmungou o barão , se depender de mim não recebe mais um tostão”. Teve que ser acudido imediatamente com o elixir número 5 pelo prestimoso Anselmo que lhe deu ainda uma dose adicional de uma nova poção recomendada para acalmar os nervos. Essa o mordomo sabiamente havia rotulado como número 20 e o paciente a apreciava e elogiava sem se dar conta que se tratava de um excelente vinho do Porto envelhecido por 20 anos. É de fato um excelente remédio para as perturbações da alma. Entretanto os noticiários não deixavam de  mencionar Otávio, alguns até o chamavam de comendador. O que tornava o barão furibundo e piorava a sua artrite. Finalmente leu que o elegante Signore  Otávio acompanhado da senhorita Mirella iriam passar o restante das férias em Mônaco.

  Com que dinheiro? rosnou o tio. Deve ter dado algum golpe. E de novo com crise terrível de dores teve que ser acudido pelo elixir 5.

Parece-me que este número 5 não faz mais o efeito que fazia. E nem o de número 20, reclamou a Anselmo. Após uns dois dias e esgotados todos os possíveis elixires e remédios, no correio da manhã junto ao jornal havia um curioso envelope endereçado ao morador. Lamberto avaliou o envelope e o papel, ambos de excelente qualidade, impresso com desenhos de hieróglifos que circundavam a mensagem do Dr. Abdel Gammal, médico homeopata especializado em técnicas de medicina tradicional egípcia. O barão, ainda sofrendo com a artrite, ordenou a Anselmo combinar a vinda do médico à mansão. No dia seguinte, por volta das cinco da tarde chegou o doutor Gammal. Vestia uma longa túnica de linho branco e tinha na cabeça um pano listrado preso na testa e caído sobre os ombros à maneira das ilustrações do Egito antigo. Uma máscara de tecido branco com símbolos dourados cobria a parte inferior do rosto deixando ver apenas os olhos desprovidos de sobrancelhas o que lhe conferia um aspecto esotérico. Aliás, também não se viam cabelos ou pelos nos braços e dorso das mãos. Trazido à presença do barão, conversava em francês intercalando palavras que soavam como árabe. Inteirou-se da situação do barão e ouviu suas queixas de dores. Passou logo ao tratamento  com ministrações que incluíam fumigação, palpação das articulações e um ramo de ervas que era passado pela fronde e ao longo dos braços do paciente. Tudo acompanhado de cânticos em língua desconhecida. O velho barão já estava tonto com os vapores de cheiro penetrante. O mordomo Anselmo, porém, não se deixou impressionar pelo ritual. Quando o exótico curandeiro ofereceu um cálice com beberagem a Lamberto, Anselmo pulou de seu esconderijo atrás das cortinas, deu-lhe um safanão no braço e uma rasteira e acordou o patrão do transe. Arrancou a máscara e o pano da cabeça do curandeiro, logo reconhecido como o sobrinho, Otávio... A beberagem continha um potente veneno de arsênico que causaria a morte de Lamberto em dois a três dias. Otávio destituído da herança foi condenado por tentativa de assassinato. Lamberto e Anselmo voltaram à Itália e viveram ainda bons anos em sossego. O velho barão Lamberto deixou a fortuna para a cidade, algumas obras assistenciais e uma boa parte para o fiel mordomo Anselmo.

 

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