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FEIRA LIVRE, NECESSIDADE OU RETROCESSO - Ledice Pereira

 



FEIRA LIVRE, NECESSIDADE OU RETROCESSO

Ledice Pereira


Otávio preparava-se para dormir quando Cecília o lembrou:

Você se esqueceu de tirar o carro da garagem? Amanhã é dia de feira.

Toda semana, aquele mesmo ritual. Levar o carro para a rua paralela para que não ficasse preso com as barracas armadas. Já estava farto daquilo.

Nem trocou de roupa, àquela hora não encontraria ninguém que prestasse a atenção no seu pijama.

Custou a achar um lugarzinho para estacionar. Foi parar lá longe. Voltou apressado, agora meio receoso de encontrar alguma vizinha.

Sabia que por volta das quatro horas o zum zum começaria. Os feirantes, chegando com seus caminhões cheios de caixas que retiravam sem muito cuidado, começavam sussurrando e aos poucos iam elevando as vozes, num bate papo descontrolado, desrespeitando os moradores que tentavam ainda retomar o sono. Naqueles dias, Otávio levantava-se de mau humor.

Cecília levantava-se rapidamente já pensando em fazer uma listinha que não a deixasse esquecer de comprar nada.

Tavinho, filho do casal, estava com dez anos e achava a feira uma diversão. Começava que a mãe o deixava comer um pastel de queijo com caldo de cana. Era seu café da manhã.

Aproveitava e dispunha na frente do portão uma série de revistas que o pai ganhava como publicitário e colocava-as à venda. Paralelamente, oferecia-se para tomar conta de algum carro estacionado ali perto ou ajudava senhoras a carregar sacolas ou carrinhos.

Era uma forma do garoto ganhar algum. Desde cedo, mostrava um tino de comerciante.

Às dez e pouco da manhã, o vaivém das pessoas carregando suas compras intensificava-se.

Os cheiros das frutas misturavam-se ao do óleo requentado que, apesar disso, juntava pessoas de todas as idades para degustar os pastéis enormes com pouco recheio na barraca mais disputada da feira.

Os vendedores atraiam as freguesas, chamando-as de “broto”, “tia” ou “vó”, promovendo seus produtos como sendo os melhores do planeta e oferecendo-lhes alguns como chamariz, com frases chavões como, Moça bonita não paga.

Frequentadores habituais paravam para conversar aquele papo semanal no meio do caminho, sem se importar de atrapalhar os transeuntes apressados.

Adiante, ficavam as barracas de frango e seus miúdos e aquela encontrada pelo cheiro, a famosa barraca de peixe.

Aquele ritual parecia agradar a vendedores e compradores que estabeleciam laços de amizade. Afinal, aquele encontro acontecia semanalmente.

Não foram poucas as vezes que Tavinho desceu a rua apressadamente para, a pedido da mãe, chegar a tempo de comprar algum produto esquecido. Conhecia as barracas e seus donos.

De repente, como por encanto, o movimento ia se tornando mais escasso, restrito àqueles que vinham em busca da xepa, produtos que sobravam e que não aguentariam até a feira do dia seguinte.

Estava na hora dos feirantes fazerem um balanço do que sobrou, restando apenas guardar nas embalagens, colocar nos caminhões, voltar para casa, descansar, para no dia seguinte começar tudo de novo.

A limpeza ficava por conta dos caminhões pipa que lavavam o meio da rua e com seu jato potente espalhavam a sujeira que sobrava para os jardins dos sobrados, cujos donos, armados de vassoura e esguicho, eram obrigados a complementar a limpeza, dobrando a quantidade de sabão e desinfetante bem insuficientes por parte do caminhão.

Apesar de todo esse transtorno, Otávio e Cecília não conseguiram entre os vizinhos quórum suficiente para seguir com seu propósito de acabar com a feira livre em frente às casas em que moravam.

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