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AS GERAÇÕES DE UM CASACO DE INVERNO - Antonia Marchesin Gonçalves

 


AS GERAÇÕES DE UM CASACO DE INVERNO

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Uma viagem traumática a nossa vinda para o Brasil!  Vinte e dois dias no navio, minha mãe sozinha com os três filhos, pois papai já tinha vindo dois anos e meio antes, após guerra. Eu, a do meio, dos três passei todo o tempo com enjoos, mal conseguia comer, vivia mais a base de maçã. Muitas coisas aconteceram nessa viagem, mas contarei em outra oportunidade.            

                Minha mãe não tinha idéia do que iria encontrar, nada sabia, nem da temperatura, nem o tamanho da cidade. Dizia ela que se não viesse papai iria formar outra família, era bonito e já havia montado uma empresa de construção com sócios em São Paulo, no bairro de Pinheiros. Ao desembarcar em Santos assustou-se pensou que estivesse na África, pois ela nunca tinha visto uma pessoa de cor negra. Os estivadores todos sem camisa, suados e carregando as bagagens, tudo muito movimentado e falavam aos gritos.

                A sorte que logo avistou meu pai, agarrando as nossas mãos com força. Em suas bagagens, além de nossas roupas serem diferentes dos daqui, lindas camisolas longas de seda pura e rendas maravilhosas, conjuntos típicos da época, anos cinquenta, chegamos em cinquenta e um, blusas de seda e um casaco de pura lã preto estilo militar, que chegava até os pés. Com emoção e lágrimas nos olhos conta que a família toda foi se despedir em Genova e que a irmã mais velha tirou o seu colar de perolas que tinha e o colocou em minha mãe como lembrança, todos eram contra que ela viesse, tenho o colar até hoje.

                Mas, voltando ao casaco preto, aqui foi pouco usado por ela, o inverno sendo mais ameno que na Itália, ele foi ficando no armário, não tinha coragem de se desfazer dele, a moda mudava e o casaco ficava. Desde mocinha eu sempre tinha ideias criativas para as minhas roupas, ela as costurava, mas eu sempre punha um detalhe diferenciado. Quando comecei a trabalhar no Banco, não podia usar calças compridas, eram saias, meias de nylon, nem sandálias se usavam.

                Mexendo no armário de mamãe descobri o tal casacão e dei a ideia de reformá-lo para usar para trabalhar. Apesar de relutar gostou, mas ela não saberia lidar com a tal reforma, resolvemos encontrar uma boa costureira, que por sinal costurou por anos para mim, inclusive meu vestido de noiva, aceitava sempre as minhas sugestões. Eram os anos sessenta, transformei num casaco curto até os joelhos transpassado, com quatro botões e para dar mais leveza comprei tecido de lã xadrez branco e preto e forramos os botões e a gola estilo paletó também desse tecido, ficou muito chique.

                Ao me casar foi para o meu armário. Anos mais tarde após a quarta gravidez já não me cabia mais, mas não me desfiz dele. Passados alguns anos, a minha filha caçula adolescente se encantou com o casaco e passou a usar fazendo muito sucesso. Quando se casou com chileno, meu genro e lá mora, levou o casaco com ela, magra até hoje como eu era, mesmo com dois filhos, acredito que ainda faz parte do seu armário o querido casaco.

               

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