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Crer ou não crer, eis a questão! - Ledice Pereira

 

 


 

Crer ou não crer, eis a questão!

Ledice Pereira

 

Aquela menininha de olhinhos vivos cor de jabuticaba estava sempre atenta. Tinha a esperteza de uma criança mais velha. Nem parecia ter apenas nove anos.

Os pais, ambos professores, levavam uma vida sem extravagância, mas estavam sempre presentes, procurando passar valores para os pequenos.

Corria o mês de novembro e os dias, para Mirella, pareciam não passar. Aguardava ansiosamente a chegada do Natal, quando iria ganhar a bicicleta dos seus sonhos.

Murilo, seu irmãozinho, ainda não entendia muito essa coisa de presente, de Papai Noel, de Natal. Tinha apenas quatro anos. Os pais haviam decidido comprar um jipe com o qual o menino se encantara na loja de brinquedos.

Mirella costumava falar sozinha no quarto que dividia com o irmão. Olhando para sua janela, ficava matutando sobre essa história muito mal contada de Papai Noel.

Como pode um velho gordo abrir e passar por essa janela sem fazer barulho como vai conseguir carregar a minha bicicleta e o carrinho do Murilinho será que a gente tem que deixar a janela aberta será que ele tem ajudante eu nunca soube que ele tinha ajudante ele anda naquele negócio puxado por aqueles bichos como é mesmo o nome...

Tanto remexeu dentro de casa que acabou achando, no quarto da Edileusa, a moça que cuidava dela e do irmão quando os pais não estavam, a embalagem que parecia trazer o que tanto desejava, tinha todo o jeito de ser sua ambicionada bicicleta. Um misto de alegria e decepção tomou conta dela.  Era tudo uma grande mentira. O tal velhinho era uma invenção. Não trazia nada. Seus pais é que tinham comprado o seu presente. Ah, e aquele outro devia ser o jipe do irmão. E agora? Pensou em sair gritando aos quatro ventos a sua descoberta mas achou melhor ficar quietinha.

Coitados o papai e a mamãe trabalham tanto sempre se queixam de que tudo está caro mas gastaram dinheiro pra comprar nossos presentes não vou contar que descobri eles ficariam muito tristes...

Nos dias que se seguiram, os pais perceberam que Mirella estava muito quieta e pensativa. Estranharam. Ela era sempre tão falante e inquieta. Alguma coisa estaria tramando.

Na escola, com a ajuda da professora Giselle para quem contou seu plano, a menina juntou os amiguinhos e sugeriu que juntassem brinquedos, com os quais já não se divertiam mais para distribuir às crianças pobres da região.

Sua descoberta a fizera entender que essas crianças, cujos pais não tinham dinheiro suficiente, não receberiam nenhum presente por ocasião do Natal e isso não seria justo.

Embora não tivessem ideia do que teria levado a filha àquela iniciativa, os pais ficaram orgulhosos. 

Na noite de Natal, ao lado dos pais, tios e avós, as crianças ficaram muito contentes ao receber os presentes do “Papai Noel”.

Um burburinho na casa ao lado chamou a atenção da curiosa. Correu para a porta e ainda pôde ver o bom velhinho dando adeus às crianças em polvorosa. Essa cena fez a cabeça da menina dar um nó:

Entendi tudo errado não é que o danado do ‘homi’ existe...

A máscara da homem aranha. - Ises A. Abrahamsohn

 


A máscara da homem aranha.

Ises A. Abrahamsohn

 

Lúcia não via a hora de voltar às aulas presenciais. Era professora por vocação. Amava ver aquelas crianças, suas crianças, progredirem a cada dia. Nos meses anteriores a situação tinha melhorado, mas os alunos vinham a intervalos e muitos pais nem levavam os filhos. Difícil acompanhar o aproveitamento dos alunos.

Enfim naquela segunda feira a escola voltaria a funcionar normalmente. Ou quase, porque os alunos ainda deveriam vir com máscaras para proteção de si mesmos e dos colegas e professores.

Eram 25 na classe do quarto ano do fundamental. Ao fazer a chamada, Lúcia verificou que ali estavam todos menos um. Repetiu o nome:

Roberto, Roberto.... Agora lembro... Garoto inteligente, mas metido a valentão.... Vou ver após a aula.

Olhou aqueles olhos cheios de expectativas, por cima das máscaras. Máscaras de todo tipo e cor. A maioria de confecção caseira, coloridas, algumas com figuras de super-heróis. Impressionante com os pequenos se adaptam ... E entendem que é importante. Há 2 anos se alguém me descrevesse um cenário semelhante eu teria dito que era ficção científica!

Depois da aula, Lucia foi saber na diretoria o que tinha acontecido com Roberto. Voltou a se lembrar do menino. Era o garoto que adorava o homem aranha. Antes da pandemia, durante o recreio, colocava uma máscara do herói e se exibia escalando o muro e as árvores do pátio da escola.

A diretora iria ligar para a casa do aluno. Mais tarde, Lúcia olhou a mensagem no celular: Pai do menino não quer que ele use máscara. Virá amanhã à escola. Problemas à vista. Vamos nos preparar.

No dia seguinte, Lucia se deparou com Roberto e o pai à porta da escola. O garoto murmurou um “bom dia fessora” tímido ao lado do pai que mais parecia um boxeador prestes a entrar no rinque. Nem deu bom dia e vociferou:

Meu filho não vai usar essa p.... dessa máscara. Não serve para nós. E vocês vão ter que engolir ele assim mesmo. Nós, na nossa família, não caímos nessas bobagens de vacina e máscara pra cá e pra lá. É coisa de maricas. Desse governador metido a besta!

Lúcia, boquiaberta decidiu não retrucar ao boquirroto. Olhou o menino que, meio encolhido atrás do pai, arrumou coragem para dizer:

Mas pai, eu quero vir pra escola. Não aguento mais ficar em casa. Não vou conseguir passar de ano.

Com máscara não vem, pirralho! Pode esquecer!

 Lúcia olhou diretamente para o menino, ignorando o truculento:

Roberto, você é a pessoa mais importante aqui. Pode vir como quiser. Nós daremos um jeito.

O homem pareceu decepcionado por Lúcia não ter retrucado. Estava ansioso por um confronto. Virou-lhe as costas e saiu pelo corredor puxando o filho.

No dia seguinte, Lúcia se perguntou se Roberto afinal viria ou não. Foi o último a chegar e, felizmente, veio trazido pela mãe. Ambos sem máscara. Lúcia, nervosa, esperando uma possível agressão ignorou-a e fez sinal para o garoto entrar. Fechou a porta com firmeza e entregou ao menino uma linda máscara novinha estampada com o homem aranha.

É um trato entre nós, Roberto. Você vai ganhar duas. Você coloca ao entrar e devolve no fim das aulas. Eu cuido de lavar a máscara. Mas lembre-se, isso é um trato apenas entre nós. Assim você poderá voltar para a escola, encontrar seus colegas e continuar a estudar.

CONTO DE NATAL - ATÉ 28 DE OUTUBRO

 






O NATAL VEM CHEGANDO
O ESPÍRITO DE NATAL NOS ENLAÇA





Mande seu conto de Natal.


O texto para a revista tem prazo fechado. Mande até dia 28 de outubro para o e-mail: oficinadetextosescreviver@gmail.com

O melhor deles será publicado na revista do Clube. 
Todos serão publicados no blog.



A MELHOR HISTÓRIA EM 30 DIAS

 



A MELHOR HISTÓRIA EM 30 DIAS 

Convocação geral para os alunos desta oficina


 Desafio: criar um romance curtinho, uma escrita mais longa que o tradicional conto, com mais vertentes, com mais conflitos.


Você tem apenas 30 dias.

O prazo: 10 de Novembro de 21.

Prepare seu texto, estruture sua história

Investigue, pesquise, namore sua história, e só envie no dia 10.


OBS.:

O tema, não há nenhuma exigência.

O tamanho do texto, não há nenhuma exigência


Todas as histórias que chegarem no e-mail e-mail abaixo na data do dia 10 de novembro, serão considerados válidos para o "concurso" de MELHOR HISTÓRIA EM 30 DIAS. Todas serão lidas, analisadas e comentadas:

E-mail para envio: oficinadetextosescreviver@gmail.com


A melhor história será premiada.


CAPRICHE PARA QUE SEJA A SUA.


RASPAS DO BAÚ - OSWALDO ROMANO



Tivemos grande alegria em visitar nosso amigo Romano, há alguns dias. Fomos em 3 casais:

ANA MARUGGI COM OLAVO

SUZANA CUNHA LIMA COM LUIZ

ANTONIA MARCHESIN COM ROBERTO

Fez muito bem para nós, e também para ele. Foi como se estivéssemos no evento de lançamento do seu livro RASPAS DO BAÚ.

Para quem não sabe o Romano tem passado por algumas cirurgias, e isso o tem mantido em casa. 

Tomamos um bom champanhe antes de fazer um tour pela casa dele. Uma bela e moderna construção no bairro de Pinheiros. Depois, nos esperava uma mesa repleta de variados sanduíches e vinhos especiais.

Passamos alegres momentos com ele, e com a Cecília. Agradecemos a acolhida.

Temos algumas fotos que postarei ao final, e tenho algumas considerações sobre o livro que postarei mais adiante. 

Mas, antes, tenho aqui o texto que ele quer que vocês conheçam sobre como ele recebeu as homenagens dos amigos do EscreViver, pois assim como livro dele é embebido de gratidão e fé, aqui ele não poupa os amigos desse carinho:










E aqui temos algumas fotos do nosso encontro









E sobre o RASPAS DO BAÚ...

Ele deixou na sala do curso um exemplar para os colegas.

Aqui reproduzo o prefácio que, com prazer fiz para esse livro:

PREFÁCIO

Acompanho com prazer o crescimento literário do Oswaldo Romano, e confesso enorme surpresa quando me deparei com a qualidade deste “Almanaque” de histórias em variados gêneros.

Entre um episódio e outro, parece que fugimos da tradicional leitura, pois nos dá a impressão de estarmos imersos em um comportado fluxo de pensamentos e sentimentos.

A obra lembra um folhetim, um mix de gêneros e estilos, para refletir, rir, emocionar e degustar. O conteúdo é recheado de cartas, credos, contos, crônicas e cartões de aniversários, política, declaração de amor aos lugares e às pessoas, perdões e lembranças. Realmente, textos que parecem terem sido raspados do fundo baú.

Este material literário vai revelar o lado manso do coração do filho Wado, e do avô que ele se tornou. O lado criativo do homem trabalhador incansável que prova para si e para os outros do que ele sempre foi capaz. O lado religioso, a fé, e a força que ele tira de dentro para vencer sempre, haja vista o projeto empreendedor que seu lado empresarial mostra logo na abertura do livro.

Romano é um escritor cheio de poesia, aplicador de boas metáforas que encantam os parágrafos. Há muita saudade nas entrelinhas. Há muito carinho com as palavras. Há muito respeito com tempo. Há tanta gratidão dentro desta obra!

É tão bom lembrar, não é? Dá uma extensão de vida”.

Este livro é uma reconciliação com o passado, com a sua própria história, com a família, com os amigos, com as coisas, e com o país.

Não deixe de ler, estou certa de que haverá encantamento no seu coração. E para rir, visite a história do defunto Teodoro, e os amigos que tentam enterrá-lo.

Suspense, ele faz, e faz bem. Veja o conto “Quem roubou a loja”. É um texto curioso com um falso desfecho, pois o real desfecho ele só nos apresenta muitas páginas depois. Trata-se de uma história policial cheia de meandros, que vale a pena saborear.

Há outros contos engraçados que quebram o emotivo, reflexivos que ensinam a explorar sentimento... Mas o que marca nesta obra, o que realmente fica para o leitor, é a força do trabalho que ele empenhou a vida toda, a dedicação empurrada pela necessidade e pelos valores familiares, o desejo de comungar com as pessoas, e com o tempo.  

Raspas do baú vai surpreender você também.

 

 

Ana Maruggi

Coordenadora de Escrita Criativa

 



De música e cores - Ises A. Abrahamsohn.

 


De música e cores

Ises A. Abrahamsohn.

 

Leonora se espantava com aquele filho. Desde  os 18 meses de idade era um experimentador de sons. Batia com a mão nos objetos e parecia deliciar-se com o som de uma colher em uma lata vazia, ou em um bloco de madeira ou ao bater o chocalho num copo de vidro. Acho que vai ser músico, pensava a mãe. Agora com cinco anos seus brinquedos favoritos eram instrumentos musicais. Para desespero dos irmãos alternava entre tambores, latas, dois velhos apitos e uma clarineta de brinquedo. Verdadeira tempestade sonora varria a casa. A cacofonia infiltrava-se por baixo das portas fechadas deixando todos na casa irritados.  O potencial músico chamava-se Sérgio.

Ele parecia não perceber a comoção que causava. Dizia que precisava testar as cores dos sons. Ninguém entendia muito bem o que queria dizer. Os pais o levaram a uma escola de iniciação musical. A ideia era que lá ele pudesse dar vazão à sua curiosidade musical e praticar à vontade longe de casa. O menino ficou encantado. Fez questão de levar seu caderno de desenho e lápis de cor. A mãe não entendia a razão. E ele explicou.

Há sons que são azuis, outros amarelos e outros vermelhos ou roxos. Por isso eu preciso testar os sons . A mãe achou muito estranho e falou com a professora de música que ficou entusiasmada.

Talvez ele realmente consiga ver cores ao ouvir sons. Se for verdade, é um dom maravilhoso. Grandes músicos como Scriabin e Schönberg tinham essa capacidade. E pintores como Kandinsky também. São sinestésicos. Eu não sei se seu filho vai ser músico. Com o tempo veremos.

Sérgio foi crescendo e continuou a produzir sons. Sons associados a cores. Ganhou um violão aos oito anos, mas esse só dedilhava em casa. Na verdade, o que o entusiasmava era a bateria. A mãe do menino conseguiu inscreve-lo no projeto Guri.  Lá ele poderia aprender a tocar bateria. E Sérgio era rápido no aprendizado. Era uma aula um tanto estranha. Quando o professor corrigia algum toque ou andamento errados Sérgio retrucava:

Certo, professor, aqui eu preciso um verde e no terceiro compasso preciso mais vermelho. Por sorte o mestre tinha a mente muito aberta e sabia que o rapaz tinha a tal sinestesia para cores.

Sérgio cresceu e devia agora completar seus estudos na escola de música. Prestou o exame e foi muito bem. O problema surgiu na aula do professor de harmonia, Eurípedes. O professor pediu para o rapaz marcar os acordes das escalas na partitura. Tarefa feita, Eurípedes olhou espantado aquela folha marcada por um arco-íris de cores. Do violeta escuro passando pelo azul, vermelho, verde até o amarelo claro e cinza. Achou que Sérgio estava se divertindo às suas custas e bagunçando a aula. Ao ser repreendido, explicou que era pelas cores e suas nuances que enxergava os sons. O professor respondeu que sim, conhecia sinestesia, mas nunca tinha visto coisa igual. De qualquer modo Sérgio teria que se adaptar à notação musical padrão. Os colegas ficaram espantados. Alguns com inveja, outros achavam que ele era um gozador e mentiroso e uns dois apenas admiraram a sua capacidade. Entre eles, Renata que tocava saxofone e aparecia de vez em quando para tocar com os bateristas. Todos os rapazes queriam namorar a bela Renata. Ela, porém, não queria saber de nenhum. Até que escutou de um dos colegas a história das cores e sons acontecida com Sérgio. Depois da aula ela esperou o rapaz.

Ouvi que você ouve sons que têm cores. É verdade?

Ao ouvir a resposta afirmativa a garota ficou entusiasmada.

Queria lhe dizer, que sei exatamente o que você sente. Comigo acontece o mesmo. Já tentei explicar melhor para as pessoas, mas todas acham muito exótico ou que estou inventando. Mas aqui na escola de música gente como nós precisa se adaptar ao método clássico de ensino. Na verdade, o que importa é aprender a tocar bem.

Começaram a namorar. A conversa dos dois músicos soava muito estranha para outros ouvidos. Assim como:

Aquele acorde azul de sol com sétima maior  poderia soar vermelho se a gente substituísse por um acorde de sol com baixo em si, não acha?

Sérgio embevecido deu-lhe um beijo carinhoso, um beijo musical com todas as cores do arco-íris.

FAZENDA DOS SONHOS - Antonia Marchesin Gonçalves

 




FAZENDA DOS SONHOS

Antonia Marchesin Gonçalves 

               

Marcelo e Olivia quando casaram tinham o sonho de viver e criar os filhos que tivessem em um sítio que fosse fora da cidade. Para isso se dedicaram ao máximo ao trabalho, economizaram o suficiente para alcançar esse sonho. Não precisaram fazer grandes esforços, sendo que os dois com boa formação acadêmica eram excelentes profissionais e bem remunerados. Após dois anos de casados decidiram que já era hora de serem pais e foram à procura de um sítio, não muito longe da cidade, mas que tivesse espaço e características de sítio.                 Encontraram não um sítio, mas uma fazenda abandonada, até as cercas rompidas. As fotos pela internet eram bem nítidas. O que chamou a atenção do casal foi um relógio antigo de ferro em frente da casa. Pela internet tudo fácil e rápido. Se muniram do endereço e lá foram eles, a propriedade ficava a uma hora da cidade. Indo pela estrada, pararam em um restaurante para tomar um café e ao descerem foram despertados pelo cheiro que vinha da famosa torta de maçã esfriando na janela, entraram com água na boca. Talvez a torta fosse a única coisa atraente nesse restaurante. O lugar era tosco, antigo, de pouca iluminação, mesmo assim aparentava limpeza. Até a garçonete parecia ser do tempo da inauguração. Perguntaram sobre a fazenda, porque estava à venda, e ficaram sabendo que o único herdeiro, já idoso, morava numa casa de repouso e não tinha mais condição de administrar a propriedade, foi então que decidiu vendê-la. Marcelo e Olivia ficaram curiosos. Uma fazenda que vinha de pai para filhos, que já possuí a sua própria história, que a história morreria naquela geração, mas que poderia continuar com os filhos que gerariam. Parecia um bom presságio.                  Ao chegarem viram que realmente seria muito trabalhoso torná-la habitável. Ao entrarem a porta rangeu forte, causando arrepios. Marcelo comentou: Primeira coisa, temos que lubrificar essa porta. A casa estava toda mobiliada, o que poderia ser bom. Os móveis estavam protegidos da poeira, cobertos com lençóis brancos, naquele momento transferindo uma imagem fantasmagórica. Estranharam as chaves modernas de automóvel do ano, na mesinha de madeira ao lado da porta, não tinham visto carro algum. À medida que andavam, as tábuas rangiam provocando desconforto nem Olívia que sempre foi temerosa com temas sobrenaturais. Seguindo pelo corredor da área íntima, os quartos estavam com as portas abertas, exceto um. A chave e a cor da porta eram diferentes das outras, o que os deixou curiosos. Marcelo pôs a mão na maçaneta, e Olivia com voz de temor, pediu para não abrir, ele brincou: Você tem medo do que? Acha que vai ter um corpo dentro do armário, sua tonta?                 Abriram a porta devagar, e para surpresa de ambos, não era um quarto de dormir, mas sim um escritório antigo com uma janela envidraçada atrás de uma escrivaninha e uma máquina de escrever dos anos sessenta. Uma folha de papel ainda no carro da máquina, chamou a atenção deles. Aproximaram-se curiosos, queriam ver se havia algo datilografado nele. Porém, nesse momento o tempo fechou lá fora, e foi escurecendo rápido demais. Os trovões eram ensurdecedores. Os relâmpagos riscaram o céu depois de chuparem atingindo árvores perto dali. Rapidamente o interior da casa ficou às escuras. O casal foi pego de surpresa.  Marcelo tateou aqui e ali em busca de um interruptor, ou de algo que indicasse um lampião, ou lamparina, mas não encontrou nada. Pensou na lanterna do celular, mas teve medo de ficar sem bateria. Sem outro meio, optou pelo celular, clareou o ambiente.                 Nesse exato instante, Marcelo ea esposa viram-se aterrorizados. Havia um vulto sentado diante da máquina de escrever.  O vulto datilografava muito rapidamente. Olivia gritou e recuou alguns passos. Marcelo não. Apesar de muito apavorado, chegou mais perto para ler o que estava sendo escrito, e para a sua surpresa dizia: Não comprem, essa fazenda. Ela me pertence, e abaixo havia uma marca que simbolizava um sinal de cruz. Marcelo agarrou a mão da esposa e puxou-a com força para fora da casa. “Vamos embora daqui, Olivia!”. Saíram correndo, diretamente para o carro. Alguns minutos de estrada, já estavam no asfalto. A chuva havia amainado e Olivia ainda com o coração disparado quase saindo pela boca, deu a última olhada comum adeus pelo vidro do carro molhado.                  Resolveram adiar o projeto dos sonhos por mais um tempo.    

 

MEMÓRIA DE AMOR - Antonia Marchesin Gonçalves

 




MEMÓRIA DE AMOR

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Após alguns anos tive a coragem de voltar ao nosso restaurante naquela estrada. Entrei devagar observando nossos resquícios que ficaram por ali. Escolhi a mesma mesa. A garçonete me reconheceu, educadamente me cumprimentou.

— Vai querer o mesmo de sempre?

                Aceitei o café, e vieram as lembranças.

Eu, datilografando naquela máquina antiga da empresa, quando conheci você Alfredo, meu chefe. Foi amor à primeira vista. Eu o vi através da janela envidraçada da sua sala, um homem marcante. Bem diferente de quando nos despedimos pelo vidro do carro, naquele dia de chuva, onde ficaram abandonadas as chaves no banco.

Como me lembro... Às sextas-feiras íamos ver o pôr-do-sol com o nosso carro.  Ali tínhamos a liberdade de extravasar nossa paixão.

Este restaurante me traz nossa história. Quanta saudade! Ainda mais quando olho para o relógio antigo no poste de ferro.  Meu Deus, que coincidência! Ele marca exatamente o horário de seu falecimento.

Queda Livre - Sergio Dalla Vecchia

 



Queda Livre

Sergio Dalla Vecchia

 

 

A pluma a navegar

Nas ondas do vento

Parece mais levitar

Brincando no tempo.

 

Faz na queda livre

Uma vivência oscilar

de leste para oeste

Com o sul a nortear.

 

O chão se aproxima

Pena torna a flutuar

Com sopro para cima

Não quer o rés tocar.

 

Desarranjo pendular

Tempero para amor

Assim há de perdurar

No incerto despudor.

O IDIOTA - Antonia Marchesin Gonçalves

 



O IDIOTA

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Como não tenho o dom de criar textos engraçados, esquento a massa cerebral ao máximo, mas caio em contos pé no chão, em que a realidade pode se misturar à ficção, e ser engraçado fica longe. Admiro quem em tudo, transforma em piada, às vezes até de mau gosto, mas é um dom. Por isso transcrevo um episódio de Gandhi, que admiro muito. O episódio é chamado:  Idiota.

                Quando Gandhi estudava Direito, na Universidade de Londres, tinha um professor chamado Peters que não gostava dele, mas Gandhi não baixava a cabeça. Um dia, o professor estava comendo no refeitório, sentado frente a frente a Gandhi. O professor disse-lhe: senhor Gandhi, você sabe que um porco e um pássaro não comem juntos? Ok, professor, já estou voando: disse Gandhi e foi para outra mesa.

                O professor chateado resolveu vingar-se no próximo exame. Mas Gandhi respondeu brilhantemente a todas as perguntas. Então, resolveu fazer-lhe a seguinte pergunta: senhor Gandhi, indo o senhor por uma rua e encontrando uma bolsa, abre-a e encontra a Sabedoria e um pacote com muito dinheiro, com qual deles ficava? Gandhi respondeu, com o dinheiro, professor.

                Ah, pois eu, no seu lugar, senhor Gandhi, ficaria com a sabedoria. Tem razão, professor cada um escolhe ficar com o que não tem.

O professor, furioso, escreveu na prova “IDIOTA” e entregou-lhe.

                Gandhi recebeu a prova, leu e disse:  Professor o senhor assinou a prova, mas não deu a nota!