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CURON VENOSTA - Oswaldo U. Lopes

 







CURON VENOSTA

Oswaldo U. Lopes

 

        Io ricordo bene o nono Tonio. Vivera toda sua vida no pequeno paese de Curon. Por incrível que pareça, apesar da idade tinha ótima memória, as lembranças é que não eram boas.

        Como muitos na região e no paese, falava o italiano e também o alemão. Falava, mas detestava os tedeschi, maledetto siano. Naquela região alpina a mistura era frequente. As fronteiras entre Áustria, Alemanha, Suíça e Itália pareciam móveis tantas vezes mudaram, sem que os residentes fossem consultados. O resultado era visível: italianos que só falavam alemão, suíços que falavam italiano, mas não gostavam dos próprios e por ai vai.  

        O nono lutara na Grande Guerra (para ele só a que chamamos primeira contava,  e tinha sido grande e maledetta). As tristes lembranças o levavam a Gorizia anque maledetta e cantarolava:

“La mattina del cinque d’agosto

Si muoveran le truppe italiane

Per Gorizia, le terre lontane

E dolente ognun si parti

 

O Gorizia tu sei maledetta

Per ogni cuore che sente coscienza

Dolorosa ci fu la partenza

E il retorno per molti non fu

        Suspeito e quase tenho certeza de que o vovô era anarquista. Essa canção é totalmente anárquica, e pungentemente dolorosa, fala certas verdades sobre os oficiais e generais que comandavam da retaguarda. Ele lutara na maldita Gorizia e perdera muitos, muitos amigos e conterrâneos, fora dos poucos para os quais houvera retorno.

        Como bom anarquista era também contra Mussolini e lutara na resistência. O maldito fascista havia planejado um lago enorme que produziria energia elétrica, mas para tanto Curon deveria desaparecer alagada. O ditador não tivera tempo de concretizar a tal hidroelétrica, mas depois da guerra, em 1950, il demo-cristiani voltaram com a ideia. Ofereceram dinheiro para a mudança do povoado e foram em frente. É estranho como os governantes acham que podem comprar tudo em nome do progresso.

        Da antiga Curon, só se via agora o alto do campanile que era uma preciosidade do século XIV e do qual haviam retirado os sinos e o relógio.

        Muitos amigos se mudaram, alguns de fala alemã se foram para a Áustria, o nono ficou por ali. Meus pais resolveram imigrar para o Brasile onde já tinham parentes. Eu era menino, vim junto.

        Nunca mais tivemos noticias do nono, a não ser de sua morte. Será que ele ouviu o campanário soando como diziam que acontecia com quem ia morrer?

        “ A noite ouve-se, por vezes os sons do sino inexistente que soa mais alto para aqueles que vão partir desta vida.”

        Como ele se sentiria, se vivo estivesse, agora que fizeram uma ampla drenagem do lago, para reparos, e o restos de Curon apareceram. Paredes, casas em pedaços, cercas etc. Ciao Nono, não viveste em vão, enquanto houver restos do paese de Curon alguém se lembrará do vovô Tonio.

 

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