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As aparências enganam Ou O hábito não faz a freira - Ises de Almeida Abrahamsohn

 





As aparências enganam 

Ou

O hábito não faz a freira

Ises de Almeida Abrahamsohn

 

Já na primeira vez que vi Marlene fiquei enfeitiçado. A moça era linda. Os donos do mais famoso bar do Rio de Janeiro dos anos sessenta tinham escolhido a dedo a recepcionista. Morena de corpo escultural saudava os frequentadores com um sorriso de dentes alvíssimos. Em pouco tempo sabia os nomes de todos nós do grupo dos cinco. Nossos olhos gulosos perdiam-se naqueles seios opulentos que transbordavam do vestido tomara-que-caia preto. Nunca a vimos com outra roupa. E nunca a vimos dar bola para ninguém. Nosso ponto de encontro de fim de tarde era aquele bar e, entre um uísque e outro, alguém da roda lançava a pergunta: E a Marlene, hein? Cada um de nós sabia o que escondia a pergunta. Óbvio. Porque cada um de nós pelo menos uma vez por semana tentava cantar a bela Marlene. Sem sucesso, mas não perdíamos as esperanças! Ela levava na esportiva. Sorria aquele sorriso demolidor e se esquivava. Nunca respondia perguntas pessoais. A nós só restava seduzir a esquiva Marlene em nossos sonhos noturnos. Era a nossa Gilda, nossa Rita Hayworth dos anos sessenta.

Porém o Nelson, solteiro e metido a conquistador, tomou a si o desafio de conquistar Marlene. E mais, apostou com o Mário um bom dinheiro de que seria bem sucedido. Após vários insucessos nas abordagens feitas ali mesmo no bar, Nelson adotou outra estratégia. Resolveu seguir a moça quando ela terminasse seu horário de trabalho. Ao sair pela porta dos funcionários a moça estava quase irreconhecível. Vestia roupas discretas escuras e folgadas que ocultavam seu corpo. O cabelo penteado para trás mantido por uma tiara discreta. O rapaz a seguiu até o ponto de ônibus. Entrou com mais duas pessoas num ônibus para Olaria. Nelson, foi atrás e sentou-se ao fundo no carro quase vazio e mal iluminado. Dessa vez essa zinha não me escapa. Conheço o tipo. Se fazem de difíceis, mas estão atrás de alguém que as sustente.

A moça desceu no ponto final, caminhou apressada dois quarteirões antes de enveredar por uma escura ruela de terra. Nelson a seguia escondendo-se nas sombras. Marlene parou em frente a uma casa modesta iluminada por uma lâmpada acima da porta. Enfiou a chave na fechadura e súbito virou-se.

Seu Nelson, quer conhecer minha casa? Pode entrar.

Nelson, muito envergonhado, ensaiou:

Desculpe, Marlene. Você sabe que eu gosto muito de você. Por isso a segui. Não preciso entrar. Queria apenas marcar um encontro.

Faço questão que entre seu Nelson, insistiu a moça.

A contragosto o conquistador entrou na modestíssima sala. Percorreu o aposento com os olhos e ao fundo percebeu um rapaz em cadeira de rodas.

Quero apresentar-lhe meu filho Jonas.

O rapaz sorriu enquanto Marlene deu-lhe um beijo carinhoso. Era o mesmo sorriso da Marlene.

─ Prazer, seu Nelson. Não posso apertar-lhe a mão. Infelizmente, sou tetraplégico. Minha mãe graças a Deus conseguiu esse emprego noturno. Durante o dia cuida de mim e me ajuda nos estudos. Estou me formando em inglês para trabalhar como tradutor e dublador.

Nelson não aceitou o café oferecido. Queria sumir dali. Balbuciou algumas desculpas desconexas sem olhar para Marlene. No dia seguinte, o rapaz não apareceu no bar. Os amigos curiosos se perguntavam o que teria acontecido com Nelson. Mário, em especial queria saber se ganhara a aposta. Marlene, discreta como sempre, continuava a esbanjar charme e beleza aos frequentadores do bar.

A vidinha do grupo voltava ao normal com Nelson praticamente esquecido. Porém, algumas semanas depois, Arlindo apareceu no bar com as notícias. Tinha encontrado o Nelson num restaurante do centro da cidade. Não comentou o ocorrido naquela noite. Apenas disse que cometera um erro terrível e não tinha cara para aparecer novamente no bar. E, sim, iria pagar a aposta ao Mário.

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