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OS VIZINHOS - Antonia Marchesin Gonçalves

 


OS VIZINHOS

Antonia Marchesin Gonçalves

 

Cresci numa rua de Indianópolis de pequenos sobrados onde todos se conheciam. Era muito tranquila, os vizinhos viviam se confraternizando, e as crianças se visitavam com muita frequência. 

Até que um dia a Josefa faleceu, e seus filhos alugaram a casa. Todos nós ficamos torcendo para que os novos moradores se integrassem à vizinhança. Mas, para nossa decepção, os novos moradores eram vietnamitas, falavam pouco o português, e logo usaram a garagem para uma lojinha de quinquilharias, o que mudou a configuração das nossas vidas. Era um casal e uma jovem muito bonita, vestia-se muito bem, na maioria das vezes usava roupas típicas. Logo, acreditamos serem pais e uma filha.

Os pais ficavam na loja, revezavam no atendimento e até as refeições lá faziam. Diferentemente, da filha que nunca ficava com eles.  Era normal ver um carro preto apanhá-la à porta, sempre em horários alternados. Nunca vimos sair acompanhada pelos pais. Pensava eu, que estranho esse relacionamento familiar. Ela era altiva e não cumprimentava ninguém. Já eles, ao balcão, pareciam bem diferentes dela, eram humildes e razoavelmente simpáticos.

Nós, os vizinhos, começamos a alimentar muita curiosidade sobre a jovem filha do casal de comerciantes. Tentei várias vezes descobrir sobre o trabalho dela, mas nada descobri, pois diante de questionamentos como esse, os pais, se faziam de desentendidos, alegavam que ainda não dominavam nosso idioma. Fiquei sabendo apenas que se chamava Cleo. Tanto mistério acabou despertando curiosidade tamanha em mim, que acabei chamando o Alberto, investigador e amigo de infância, e comentei o caso. Contei-lhe detalhes que me levaram à desconfiança, achava eu, que podiam ser traficantes de drogas, ou coisa parecida.

Deixa comigo amiga, vou investigar e te mantenho informada. Disse Alberto para minha tranquilidade.

Fiquei dias sem notícias dele.  Um dia me ligou dizendo que precisava me encontrar, tinha novidades, e complementou que o caso não era fácil como pensara.

No restaurante jantando, contou-me que Cleo provavelmente trabalhava em um departamento do Consulado vietnamita, que não tinha um horário fixo, o que tornava mais conturbada a investigação. Pela dificuldade de ter acesso a ela, ele acreditava que o cargo da Cleo não era pequeno, tentaria ainda mais e continuaria a investigá-la, mesmo porque se ela tinha um cargo bem remunerado, não justificava os pais trabalhando numa lojinha de garagem.

Alberto conseguiu aguçar ainda mais a minha curiosidade. Fiquei ansiosa outras duas semanas sem notícias. De ansiosa à preocupada, pois,  ele não atendia o celular e nem os fixos. Já estava me sentindo culpada, com medo de ter acontecido algo com meu amigo.

Quando um dia ele apareceu de surpresa em casa. Tomei um susto. Ele tinha o aspecto deprimente, o que me chocou, mais magro e abatido, entrou e logo pediu uma bebida. Com calma, após uns goles, contou-me que o serviço secreto deles foi ao seu escritório numa noite e o sequestrou, mantiveram-no em um porão escuro e úmido. Não tinha mais noção do dia ou noite, tinha fome e frio, por dias. Diversas vezes o interrogador era a tal de Cleo, que segundo ele, era fria e calculista, capaz de tirar dele qualquer coisa.

A sua sorte foi que ele já havia comunicado à Polícia Federal as suas suspeitas. E nesse ínterim,  até o FBI e a polícia federal já trabalhavam no caso e conseguiram localizá-lo no porão.  Alberto descobriu que ela era uma espiã, e já estavam de olho nela, quando entraram e o libertaram. Prenderam alguns componentes, menos Cleo que conseguiu escapar.

Meu coração foi a mil batidas por segundo naquela hora. Senti muito medo de represálias, porque talvez ela já soubesse que a pessoa que a investigava era eu. Naquela noite entrei em casa e nem acendi as luzes. Não dormi e mantive em silêncio os objetos eletrônicos.

Pela manhã assuntei pela fresta da janela e vi que a lojinha estava fechada. Mantive meu esconderijo. Mais tarde, já passava das duas, e a lojinha estava fechada ainda. Ligue para o Alberto que me disse que se mudaram sorrateiramente na calada da noite, abandonando pertences e objetos de mobília. Por isso nem vimos mudança, Alberto!

A casa, a lojinha, e as pessoas, tudo ali era só de fachada para dar cobertura para a espiã, procurada pela Interpol. Com certeza o nome nem era Cleo, ele os velhos nem eram seus pais.  

A casa já está novamente com placa: Aluga-se.

 

Um comentário:

  1. Gostei. Lembrei-me do incidente de vizinhos na minha oequena rua: corte de arvore autorizada, caminhão a funcionários com o petrechos. A don da casa não estava,a vizinha da frente interferiu nao deixando a prefeitura efetuar o corte tão aguardado há dois anos. Resultado todo o pedido precisou entrar na "fila"...

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