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RETORNO DO COLÉGIO - Maria Luiza Malina

 



RETORNO DO COLÉGIO

Maria Luiza Malina


Rua Teresópolis. Assim que despontava na rua, Zepeln vinha correndo em minha direção. Era nosso primeiro cachorro, um Daschund preto, esperto e brincalhão como ele só.

Eu estudava à tarde. Naquele final de tarde ele não estava me esperando. Estranhei. Desci correndo a rua. Era um dia quente. Com sede entrei voando em casa. Mas, parei, e esqueci da sede.

— O que aconteceu? Perguntei a empregada e, logo apareceu a cozinheira. Nada responderam. Inquieta fui na direção do quarto de minha mãe. Elas me seguraram. Joguei minha pasta escolar, de couro verde, no chão. Desvencilhei-me.

— Onde está minha mãe? Repetia, e repetia. O quarto desmontado, e elas caladas, atrás de mim. Faltavam móveis na casa. Com muita dificuldade tentaram me deter. Corria pela casa, não parecia mais ser minha casa. Os móveis da varanda. As coleções de Gloxínias, Avencas, Violetas, as estantes vazias. Descontroladamente, subi as escadas. O nosso quarto. Desarrumado.

— Onde estão todos?

Cansada. Desci a escada. Sentei-me no primeiro degrau. Uma delas já estava com um copo de água. Tomei a água bem doce. Quando estendi o copo, ela o pegou e sentou-se ao meu lado. Maura era o seu nome. A outra não recordo o nome. Então, ela explicou que minha mãe foi levada para a casa dos pais dela, em outro estado, porque estava muito doente. A casa estava vazia porque nós, os quatro irmãos, iríamos fazer uma viagem de avião para São Paulo, que era para lá que a mudança havia seguido.

Não consigo lembrar do vazio que imperou em mim. Perguntei do meu gato malhado de amarelo, Miki. Disseram que estava pelo jardim. Procurei, mas não o encontrei. Ele gostava de subir nas árvores. Nada. Na horta também não. No galinheiro, só as galinhas que já procuravam o poleiro. Perguntei pelo Zepeln. Responderam que Dr. Camargo o levara. Senti confiança.

Suada. Com o uniforme bege do colégio, sem gato e sem cachorro lá estava eu sentada no degrau da varanda vazia. Ela me parecia tão grande. Lembrei da correria das brincadeiras de bandido e mocinho com os amigos de meu irmão. Levantei-me para ver se havia alguma bicicleta escondida atrás da mesa de ping-pong. Nada!

O degrau da varanda. Olhava a poeira do meu sapato preto de couro. A meia branca cansada das correrias de pega-pega no recreio merecia um descanso. Descalça, assim meu pai me encontrou. Estava de plantão naquele dia. Explicou-me coisas que, como criança, filha ... o nada e tudo entender era o mesmo que  NADA.

Então encontrei meus irmãos já instalados no Hospital. Tudo era novidade. Ficaríamos por dois dias lá hospedados, até o dia da chegada do avião. Nossas malas. Nada lembro.

Acredito que o susto do vazio, do nada recolheu-se numa estratégia bem-sucedida pelo meu pai. Era médico cirurgião. Não sabemos se foi proposital ou se queria nos pontuar quanto a uma futura profissão na área da saúde... o fato é que nos convidou a assistirmos "uma simples cirurgia de apendicite"... lá fomos nós. Os três maiores. Quietos. Encostados na parede branca e fria. O bisturi deslizando na barriga e o sangue rompendo... minha irmã e eu desmaiamos ao ver a cena.

O irmão aguentou firme. Mas ninguém escolheu a medicina.

Assim, num voo de 1959 aterrissamos na cidade grande de São Paulo. Estava no terrível ano de exame de admissão para a quinta série.



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