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ENTÃO, É NATAL - Oswaldo U. Lopes

                              1º colocado

CONCURSO DE NATAL 2020





ENTÃO, É NATAL

Oswaldo U. Lopes

 

 

        Nos textos dos evangelhos há pouca referência à noite de Natal. Lucas assim relata o nascimento de Jesus:

Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na hospedaria. ”

        José Antônio leu o pequeno trecho do Evangelho em plena noite de Natal, de plantão no Hospital das Clínicas, e pensou:

— Que mulher extraordinária!

        Não era obstetra, aliás não gostava muito dessa especialidade.  Era um eminente cirurgião torácico, dos bons, já fizera e participara de inúmeras operações cardíacas.

        Mas, durante a residência cirúrgica, tivera seu quinhão de obstetrícia e aquela descrição de uma primogênita que dera luz seu filho e o envolvera em faixas, reclinando-o numa manjedoura, não era nada parecido com o que costumava ver. Gritos e por vezes desespero, não eram incomuns nas parturientes de primeiro filho. Um pouco mais abaixo no mesmo Livro de Lucas leu:

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade

        Era noite de Natal e as ocorrências eram as de sempre, como se os homens de boa vontade estivessem de folga, e os tiros, atropelamentos e confusões habituais não se importassem muito com a Virgem que dera luz seu primogênito.

        Foi quando ouviu um ruído claro e alarmante, vindo da entrada. O enfermeiro, empurrava uma maca, transtornado. História simples. Teresa, jovem, recém-casada e grávida estava no supermercado do bairro, quando começou a confusão e vários tiros foram disparados. Caso grave, estava com pressão baixa. Tentou acalmá-la:

— D. Teresa vamos ter que operá-la, a bala furou o abdômen e vamos ter que abrir para ver os estragos.

— E o meu bebê? Perguntou ela.

        Começou a gostar dela, “e o meu bebê”, fora o primeiro pensamento.

— Faremos o possível e o impossível para salvá-lo.

Sabia que as chances não eram grandes, queda de pressão, laparotomia, tudo conspirava contra aquele feto.

        Noite de Natal, resolveu no rugir de sua agnosticidade, apelar para aquela mulher jovem que numa noite igual a essa dera luz seu primogênito.

        Operou, ajudado pelo residente, com toda tranquilidade de que foi capaz. A hemorragia era brava, veia porta pega de raspão, uma alça intestinal perfurada, hematoma lombar posterior. Conseguiu resolver tudo e ela continuava bem, saira do choque e respirava ainda com a ajuda dos aparelhos, mas já estava acordando. Delicadamente, levou a mão ao útero no abdômen inferior e percebeu-o grande e pulsando. Tirou a mão e rezou mais uma vez.

        Acompanhou-a carinhosamente. Que força interior, não se queixava nem reclamava. Teve uma recuperação como ele nunca vira, e alta tranquila com seu bebê intacto, e com uma cara ótima.

        Quando ela foi embora ele pensou... É, Maria era forte e destemida, mas não era a única. Aqui estava Teresa, primigesta e decidida. Agradeceu à Maria com seu restinho de fé pelo milagre de salvar Teresa e, pelo fato de existirem tantas Marias neste mundo, dando Graças a Deus.


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