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O invasor - Ises A. Abrahamsohn




O invasor
Ises A. Abrahamsohn


Milena empurrou a pesada porta do laboratório de órganoneurobiologia com o pé para abrir passagem para o balde com o esfregão. Pronto! Conseguira entrar; ela e mais o robô limpante sem ter que passar de novo pelo reconhecimento facial. Uma chateação que envolvia duas senhas e esperar mais cinco minutos até aparecer o sinal verde. Era um laboratório de alta segurança. A moça lembrou que só ela, e apenas ela entre as faxineiras tinha permissão para trabalhar lá e somente após ter sido submetida a uma investigação de sua vida atual e pregressa. Sorte que sou bem-comportada, pensou. Na verdade, só ela tinha se candidatado ao serviço que renderia um salário adicional no fim do mês.  As colegas tiveram medo.

Corriam várias histórias no Instituto sobre os experimentos desenvolvidos naquele laboratório. Eram três grandes áreas que se comunicavam. Na primeira sala havia vários equipamentos que ela conhecia de outros laboratórios. Capelas para trabalho estéril iluminadas por lâmpadas UV, estufas, geladeiras, etc. Na área contígua, tanques de nitrogênio, centrífugas e alguns escritórios separados por divisórias de vidro. E, finalmente, chegava-se ao terceiro e último salão trancado por uma porta de segurança, onde Milena tinha de novo que se identificar. A moça não gostava de entrar lá. Mas o contrato previa que, também lá, devia levar o robô para limpar chão, e não tocar em nada.

A sala era quente, sempre a 37 oC, mantida em semiobscuridade. Alinhadas nas bancadas ao longo e no centro da sala estavam caixas de vidro alimentadas por tubos que borbulhavam líquido cor de rosa. A luz tênue vinda das placas de controle iluminava as caixas que continham cada uma, uma massa esbranquiçada. Eram órgãos ou organóides de diversos tamanhos, desde uma bola de ping-pong até uns maiores, do tamanho de uma bola de tênis. Os maiores tinham sulcos e expansões que cresciam pelas paredes internas. Milena sabia o que eram. Eram cérebros humanos em diversas fases de crescimento. Ela já tinha visto fotografias muito antigas de cérebros de animais à venda num mercado. Atualmente, depois das grandes epidemias, apenas povos primitivos das ilhas remotas ainda se alimentavam de carne vinda de animais.

A moça evitava olhar para cima e concentrou-se em verificar o trabalho do robô pelo chão. Estava chegando ao fundo do salão quando notou uma poça de líquido e ouviu um barulho como um sopro. Deve ser um vazamento, pensou. Mas o som tornou-se mais forte e repetitivo. Afinal localizou. Vinha de uma das últimas caixas, onde ficavam os cérebros maiores e mais desenvolvidos. Milena se aproximou. Se for um defeito no equipamento, preciso avisar o Dr. Celidon. Ele virá correndo verificar. Aproximou-se e viu que a caixa estava vazia e que a mangueira alimentadora de meio de cultura pingava para o chão. Assustada virou-se para correr dali. Vão achar que fui eu que derrubei, pensou. Não conseguiu alcançar a porta. Escorregou em algo viscoso e caiu. Quis gritar, mas foi sufocada por aquela massa cerebral de nervos e neurônios que se enfiavam pelo nariz, olhos e ouvidos para chegar ao seu cérebro. Ficou ali prostrada, enquanto ouvia a sua própria voz:
 Finalmente, consegui um corpo. Agora você vai se levantar e fazer apenas o que eu mandar.

No dia seguinte, encontraram a porta do laboratório aberta e apenas o corpo sem vida do Dr. Celidon. O cientista sofrera múltiplos golpes aparentemente desferidos pela nova faxineira.

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