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Benedito, uma história - Maria Verônica Azevedo






Benedito, uma história...
Maria Verônica Azevedo



Benedito Tobias Aleixo nasceu em Divinópolis em 1912. Na época era apenas um vilarejo próximo ao rio Itapecerica: Paragem de Itapecerica. Em 1916, com a chegada da Estrada de Ferro Oeste de Minas além da já existente Ferrovia Integração BH-Triângulo de 1911, a cidade se desenvolveu, recebendo a Indústria Siderúrgica Vale do Rio São Francisco que vai trazer progresso para a cidade e suas cercanias.

        Com o desenvolvimento, veio o turismo.  O rio, que corta a cidade, pertence à bacia do rio São Francisco. Tem margens de rara beleza.

Benedito ainda se lembra dos barcos que navegavam pelo rio São Francisco na década de sessenta. Eram barcaças movidas a vapor alimentadas com lenha. Tinham cabines para passageiros, que embora muito simples, cada uma com um beliche, bons serviços prestaram para o desenvolvimento do turismo pela região. Os comerciantes que negociavam com os ribeirinhos também se beneficiavam desse transporte.

Assim, Benedito usava esses barcos para, com seu inseparável balaio de vime, vender os seus pescados a bordo. Costumava embarcar num porto e desembarcar no outro com a féria da semana feita. Ele já sabia o que agradava a freguesia. Assim voltava para casa com os bolsos recheados.

Muitas vezes conversava com os fregueses sobre o que se passava nesse mundo tão grande, o que fugia da sua compreensão, mas que mesmo assim alimentava sua curiosidade.

Um dia se encantou com uma morena faceira, passageira do barco. A moça, de olhos verdes, pele bronzeada e um sorriso irresistível, prendeu sua atenção. Tão fascinado estava, que desembarcou atrás dela no porto onde ela ficou. Queria segui-la, mas não era fácil. A menina tinha asas nos pés. Embrenhou-se pelas vielas e desapareceu das vistas dele. O rosto dela e sua silhueta ficaram gravados na mente de Benedito. Ficou assim aéreo por muito tempo. Não olhava mais para nenhuma moça.

Desde menino, Benedito gostava de desenhar. Os seus cadernos da escola eram cheios de desenhos de pássaros e pequenos bichos silvestres que ele capturava só para olhar direito e depois soltava. Tinha mesmo um talento nato. Assim, era fácil para ele desenhar o rosto da moça de memória.

Assim o fez. Desenhou o retrato da sua amada com capricho e o colou na parede próximo de sua cama. De certa forma ela o acompanhava. Mas era uma presença frágil que não se modificava com o desenrolar da vida real. Nunca mais tornou a encontrar sua amada no barco.

O tempo passou e a solidão começou a incomodar Benedito. Vivia isolado, triste pelos cantos. Dom Jacinto, o pároco da Matriz de Divinópolis, onde ele ia rezar, se preocupava. Um dia, abordou o pescador e lhe disse que não podia continuar assim, tão sozinho, com tantas boas moças na cidade. Precisava constituir família.

Aquela ideia do pároco, a princípio, não animava Benedito. Ainda tinha esperança de encontrar a moça que inspirava seus sonhos. Ainda tentou reencontrá-la, voltando àquele porto onde ela desembarcara. Andou pela vila observando as casas e as pessoas pelas ruas, até dar com a pequena igreja no centro da praça. Entrou timidamente, com seu chapéu nas mãos e ficou admirado com a beleza da igreja. As paredes eram repletas de painéis coloridos representando cenas da história sagrada. Benedito se lembrou das histórias que o padre contava no catecismo.

Estava o pescador ali distraído, quando uma mão pousou em seu ombro. Era um padre muito idoso, com expressão interrogativa.

- Bom dia meu filho! Você é novo por aqui. Como é seu nome:

- Bom dia padre. Meu nome é Benedito, ao seu dispor. E o senhor? Como se chama?

- Sou o Padre José. Você veio rezar o terço?

- Estou procurando uma moça que vi uma vez na viagem de barco pelo rio. Pensei que poderia perguntar aqui na igreja pelo paradeiro dela.
- E como é essa moça?

Benedito mostrou para o padre o desenho que tinha feito.

O velho padre, a princípio, ficou pensativo olhando o desenho. Depois com uma expressão alegre falou:

-  Acho que pode ser a Dona Elvira quando jovem. Eu mesmo celebrei o casamento dela com o filho do Coronel Ferreira, o prefeito na época. Isso já faz um bom tempo. O casal viajou logo após a cerimônia. Foram morar em Belo Horizonte. Não tive mais notícia deles. A família não frequenta mais a igreja. Não são lá muito religiosos, sabe como é.

Assim, Benedito se desiludiu... Voltou para sua cidade e assim tão sozinho, passou a andar cabisbaixo.

O padre  Jacinto se preocupava. Pensou em Guilhermina, sua sobrinha. Tão bondosa e cheia de qualidades, ela vivia sozinha depois da morte dos pais. Bem que ele poderia apresentá-la para o Benedito. Foi o que fez.

O pescador, então, prevendo a solidão da velhice, aderiu à sugestão do padre. Casou-se com Guilhermina, sobrinha do religioso.  A vida seguiu assim, sem sobressaltos. Como já não eram jovens, tiveram apenas um filho, Jonas.

Jonas, quando pequeno, não saia da barra da saia da mãe.  Benedito, que sonhava em treinar o filho para ser um eficiente pescador, se preocupava. Vivia chamando o menino para o acompanhar  na lida diária com a pescaria, mas aquele apelo nunca tinha sucesso.

Guilhermina, que desde criança ficara muito ligada ao tio e padrinho, gostava de literatura pois crescera devorando os livros que o padre Jacinto lhe emprestava. Interessava-se também por artes plásticas e música. Assim, preenchia seus dias com leitura distante dos interesses do marido. Ela não entendia nada sobre pesca e comércio de peixes. Por outro lado, era muito atenta ao filho, contando lhe histórias desde muito pequeno. A imaginação de Jonas fazia-o viajar com os enredos das histórias ouvidas da mãe. Aos poucos o menino foi pegando gosto pela leitura. Apesar de não ter viajado, muito sabia sobre o mundo através dos livros.

A vida corria assim naquela pequena família sem sobressalto até que Guilhermina caiu doente. O médico deu o triste diagnóstico: tuberculose. Benedito e Jonas não saíam da cabeceira dela. Foram dias de muito sofrimento e nenhuma esperança. Até que ela se foi.

A ausência da mãe deixou Jonas desnorteado. Vagava pela cidade corroendo-se de tristeza. Bendito começou a prestar mais atenção no filho. Não conseguia mais trabalhar direito. Perdia a paciência com frequência durante a pescaria e acabava voltando da lida sem nada.  Resolveu ir ter  com o padre, que já nessa altura estava bem idoso.

O padre o aconselhou a deixar a pescaria e se aproximar mais do filho. Quem sabe não poderiam sair os dois viajando como o filho tanto sonhava. Assim ele fez. Era um bom uso para aquele dinheiro.

O tempo passou e a vida mudou. Jonas conheceu uma boa moça e se casou. Deu ao pai um neto.

Agora, já muito idoso, Jonas conversa com o neto, contando as peripécias de sua vida. O garoto viaja na imaginação com as histórias do avô.

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