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ESCOLHAS - Sérgio Dalla Vecchia





ESCOLHAS
Sérgio Dalla Vecchia



Ela pegava pesado no trabalho de faxineira, saia às seis horas da manhã e só voltava às oito da noite.

O aconchegante barraco na favela, refletia a o brilho da energia da alma da prestimosa faxineira.

Esforçada, adquiriu miopia de tanto fazer as lições do curso por correspondência para costureira. Quando faltava energia elétrica, estudava sob a luz pífia de uma pequena lanterna. Vez ou outra era interrompida pelo som do apito do mestre da escola de samba comandando o ensaio. Dava até umas quebradinhas com um sorriso maroto nos lábios.

A rotina era chegar, passar a chave na porta, preparar a janta e fazer suas lições aguardando a chegada do marido malandro, aproveitador do seu sincero amor.

Ansiosa, ouvia a voz dele conversando no lado de fora, até que dissesse: 

— Cheguei, minha rainha!

Ela borrifava uma colônia no rosto, ajeitava os cabelos e sorridente voava para a porta, ao encontro dos braços do seu amor.

O marido era mesmo um bico doce, sabia como agradá-la e ela se derretia toda.
Jantavam enquanto conversavam acompanhados de uma cervejinha, trocando carinhos até irem para a cama.

No dia seguinte ela deixava o café pronto, abria a porta e logo escutava a voz melosa do dorminhoco:

— Meu doce, não esqueça de deixar um dinheirinho para eu me alimentar bem. À noite eu te recompensarei com muito amor.

Bom trabalho!

Assim era Dolores, boa de coração, sem maldade e apaixonada.

Há tempos ela sustentava a ociosidade do marido apenas em troca de momentos de atenção e carinho, coisas que a infância lhe havia negado.

Tudo ia bem, até que certo dia ela teve um mal-estar durante o trabalho e a patroa a liberou mais cedo, para consultar o médico do Posto de Saúde.

Foi medicada e logo seguiu para casa, já se sentindo melhor.

Ela até estranhou entrar na favela ainda dia, sempre chegava a noite.

Subiu vagarosamente o morro até que arfante chegou ao barraco.

Abriu a porta, escutou ruídos, assustou-se, deu um grito clamando por Nossa Senhora. Instintivamente dirigiu-se para o quarto onde deparou com a cena chocante do marido na cama com a Valdete, a rainha de bateria da escola de samba.

Coração disparou, adrenalina ao máximo, olhos esbugalhados e a raiva eclodiu automaticamente.

— Sua sem vergonha, ladra de marido.- Berrou Dolores com todos os pulmões.

Valdete totalmente nua, levantou-se e partiu para cima da rival com unhas e dentes. Rolaram pelo chão e o pasmo marido tudo observava, nada fazendo, só pedia calma para as duas. Valdete numa brecha do enrosco, armou-se de uma faca e agrediu Dolores. Ela, mulher que nunca foi de briga, conseguiu não se sabe como pegar a faca das mãos de Valdete. Impulsivamente ferida nos brios de mulher apaixonada em defesa do amado, desferiu uma, duas e três estocadas no belo corpo nu da rival.

Logo chegaram, SAMU e POLÍCIA.

Removeram Valdete ferida gravemente para o Hospital e Dolores algemada para a Delegacia.

Assim o destino assassinou a rainha Valdete e levou para a prisão a apaixonada Dolores.

Na prisão, Dolores recebeu status de rainha, líder entre as detentas, pois matou a mulher mais invejada por todas, pela beleza, fama de roubar namorados e ainda ser muito arrogante.

O filósofo tempo incumbiu-se de adaptar Dolores ao novo lar e às malandragens da vida.

Todos os finais de semana ela vestia a melhor roupa, perfumava-se toda, e ansiosa aguardava a chegada do marido bico doce. Aproveitava ao máximo a visita intima, trocavam juras de amor.

Na despedida ela recomendava com todo amor para ele:   

— Cuide direitinho do barraco, faça a comida, lave a louça e roupas e limpe tudo diariamente. Quero encontrar ele como o deixei, impecável, senão terei de usar a faca novamente.

— Bom trabalho, meu rei!


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