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A velha figueira - Fernando Braga






A velha figueira
Fernando Braga

Entardecer magnífico, o sol iniciando seu declínio no distante horizonte, o céu junto ao poente vestindo-se com cores belíssimas intercaladas, projetadas nas nuvens próximas: vermelho, azul, verde, roxo, mostrando a supremacia da exuberante natureza

Eu, sentado na varanda de minha casa do sítio no interior, que tem aproximadamente 100 anos, absorto, ouvindo a quinta e sexta sinfonias de Tchaikovsky, sentia-me, apesar de minha idade provecta, no superlativo da vida! Naquele momento, fim de mais um dia maravilhoso, sinto minha vida iluminada, plena

Aquela paisagem bucólica, deliciosa, reconfortante, deu asas à minha mente que, rapidamente, esvoaçava pelo passado, presente e incógnito e confiante futuro. Era um silêncio absoluto, com apenas algumas aves piando, latidos longínquos e aquela música divina!

Em minha longa vida, quantas e quantas vezes no mesmo lugar, tive as mesmas sensações gostosas, indescritíveis, não deixando de dizer que, com esta mesma visão já senti amor, tristeza e até ódio.

De repente, sem qualquer aviso, um enorme estrondo ecoou próximo, tomando conta de tudo, para meus ouvidos como o de um prédio desabando, o estouro de potente bomba. Este forte ruído desapareceu em alguns segundos, seguindo-se o silêncio absoluto, naquele início de noite.

Pulei da cadeira por instinto e caminhei na varanda, em direção ao som ouvido.  

- Meus Deus! O que poderá ter acontecido, pergunto a mim mesmo!

No final da varanda visibilizei, a uns sessenta metros, o ocorrido. Metade de minha figueira, daquela antiga e frondosa árvore, com a mesma idade da casa, havia se partido em dois e a metade de seu enorme tronco, galhos proximais, jazendo ao solo.

Incrédulo, aproximando-me lentamente, desgostosamente vi exatamente a metade da rainha de minhas árvores, vencida, derrotada em sua batalha de vida!  Sozinho, tristonho, apreciando a cena, aproximou-se lentamente meu empregado e sua família, mulher e filhos.

Seu primeiro e único comentário:
- Ainda bem, que ninguém estava sentado nos bancos de madeira, colocados embaixo do tronco que caiu. Verdade!

No dia seguinte, logo cedo, revendo a cena, lá estava o enorme e grosso tronco caído sobre a área cimentada, onde frequentemente nos sentávamos, reunidos para aperitivos, churrascos ocasionais. Percebi que embora no chão, mantinha-se ainda preso, em uma parte, ao tronco principal, ereto.

Aqueles dois bem-te-vis saltitantes sobre os galhos inertes, ciscando, mais pareciam estarem beijando, acariciando aquela frondosa árvore, que muitas e muitas vezes, certamente lhes havia dado abrigo.

 Antes de tomar qualquer medida fui até um posto do Ibama na grande cidade próxima pedir orientação. Mais tarde, vieram ver o ocorrido e constataram que a árvore estava infiltrada por cupins, junto ao enorme tronco principal. Cupins, quando presentes, destroem aos poucos tudo que tem pela frente, de madeira. Sugeriram várias medidas, entre elas cortar toda a figueira, metade dela, ou então deixa-la como estava, pois, a metade caída, mantendo ligação ao tronco principal, poderia sobreviver por algum tempo com suas folhas verdes. 

Decidimos mantê-la como estava, para ver como ficaria! Pagar para ver! Era uma árvore velha, agora hemiplégica! Um AVC provocado pelos cupins!

 Antes, por dez décadas, mostrou-se majestosa, três pessoas para abraçarem seu tronco. Na época que produzia seus pequenos figuinhos, era o local preferido pelos milhares e milhares de morcegos, esvoaçando entre seus galhos. Quando meus filhos ainda eram pequenos, cheguei a construir uma pequena casinha de madeira entre dois grossos troncos principais, mas posteriormente foi retirada, com medo de alguém dela caísse, uma grande altura, observada quando a visitei.

Filhos, netos, amigos ao voltarem àquele sítio, frequente local de reuniões em feriados, férias, deploraram a queda da figueira. Referiram que quando estavam na sombra desta árvore, aspiravam seu suave cheiro, sentiam gosto da deliciosa comida, feita pela vovó.

Meus filhos, hoje acima dos 50 anos, lembraram dos seus tempos de criança, quando eu dizia ser aquela uma árvore mágica, habitada por fadas e duendes. Realmente, no tempo em que ainda acreditavam em fadas, bruxas e Papai Noel, os reunia embaixo desta árvore com seus primos e amiguinhos. Em uma noite de lua cheia, pedia para darem as mãos, uns aos outros e em coro cantarem o Misclofe. Haviam decorado, como um pertence da família! Assim: Misclofe, dará-dara, triloliro, clsi clas clof dará-dara fru fru, cataflau,cataflau, cataflau!  Agora em voz bem forte: Clamfe, Katapariú, Misclofe. Depois Abracadabra tic,tec,toc. Eram as palavras mágicas necessárias para o aparecimento das figuras míticas e fazerem os seus pedidos.

Embaixo da figueira, nesta hora, combinado com meu empregado, acendia-se débeis luzinhas em parte da figueira, tocava um som, com musiquinha infantil e descia uma bruxa de meio metro e presa por um barbante escuro, que havíamos comprado em Praga. Ao se assoviar forte ou gritar, a bruxa movia-se, seus braços e pernas balançavam em vária direções, acendia seus olhos e gargalhava: Quá,quá,Quá...quáquá.   Uma vez, um coleguinha presente, de uns seis ou sete anos, ficou tão tenso com a cena, que urinou na roupa e saiu correndo de medo chamando pelo pai. Após estas cenas, cada um emitia o seu pedido para a bruxa boa, mas feia. Era a bruxa Madrinha.  Meus filhos, tudo recordavam com muita saudade e até há pouco tempo repetiam o mesmo cerimonial para seus filhinhos, sempre pedindo a ajuda do vovô, quando presente.

Para mim, sempre as crianças representam o amor que se tornou visível. Elas são alegres como os raios do sol, que nos dá esperanças!

Não tendo coragem de cortar a árvore, coloquei pedra enormes, que se vende por toneladas, embaixo e ao lado do tronco caído, que até hoje mantem os galhos verdes. Depois enchi os vãos com terra e plantamos ervas trepadeiras e muitas flores no local. Fizemos pequeno chalé ao lado. Hoje, novamente, tornou-se novamente, um recanto para saborearmos aquele churrasco, sempre preparado por um dos filhos.

A outra metade do tronco se cair, deve cair fora desta área, que tem cadeiras de preguiça e redes para dormi. 

Segundo meus filhos e netos maiores, o velho espírito da fada e de seus duendes continuam habitando a velha, mágica e centenária figueira. Que o espírito destas figuras mitológicas, conserve aí, sua morada para sempre e para nossas alegrias.




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