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MICA - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO


 Resultado de imagem para a detetive

MICA
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO


Nasceu antes do tempo: sete meses. Era tão pequenina que mais parecia uma bonequinha. Claro, amassada, feia de rosto, rosácea e chorona. Chorona? Não: berrava mais que bezerro desmamado. A avó a viu recém-nascida e disse no mesmo instante: mamma mia! Non è mica vero! (em tradução livre: minha Nossa! Não é possível).

Daí para o apelido que levou pela vida toda foi um átimo: sempre elétrica no gestual e no fazer tudo antes. Embelezou. A tudo resolvia ou dava para o seu Santo Gui apontar a solução. O caso é que resolvia. Considerava fácil procurar coisas. Dizia: Caiu? Fez barulho? Não ou Sim é só olhar atentamente à sua volta que tá lá. O melhor da estória é que estava. Tinha olhos de lince. Essa facilidade era tão grande que diziam que devia ser detetive. Brincando, brincando, criou fama sendo chamada a ajudar encontrar objetos os mais variados. Das últimas buscas, a que mais gostou foi procurar a lagartixa do filho de um vizinho que a dizia perdida e após alguns minutos encontrá-la embaixo da gola do abrigo que ele vestia. Recompensa? Ganhou um Curió e o furor do menino.

Pra se inteirar de tramas engendradas por escritores especializados cursou Inglês intensivo à noite. Após dois anos dominava por completo o idioma. Leu no original alguns livros da variada literatura policial, viu filmes, achou-os infelizes além de chatos na sua maior parte. É que resolvia os mistérios e os crimes antes do terço final das estórias. Algumas soluções eram fantasiosas, mas como se tratava de ficção, valiam. As anotações em inglês castiço estão aí para quem quiser ver.

Sem qualquer dúvida, detetive ficou sendo sua perspectiva profissional. Traçou seu plano, aqui, preparo na USP. Depois, estudar nos EE.UU. numa instituição de formação de detetives e ou assistente em possível  escola de polícia e licença para trabalhar na profissão como estagiária numa empresa bem conceituada do ramo. Examinou as possibilidades de ficar nos EE.UU. Conclusão, não dava. Imagine só, pra ser detetive da polícia de L.A. era necessário cumprir com 14 exigências das quais sequer podia cumprir com 4. Não desanimou, pelo contrário, buscava e atendia toda e qualquer oportunidade para praticar sua vocação.

Partiu para a parte brasileira do plano que traçara: estudou de rachar o bestunto, trabalhou no que aparecia. Guardou o máximo do dinheiro ganho; sempre trocou sobras por dólares. Quando completou o 2º ano de estagiária numa firma de advogados iniciou a fase norte americana do seu projeto, fez um trato com Nelson, colega que iria estagiar numa empresa de investigações em geral nos EE.UU, tipo Lava Jato, mas também focada no crime – investigação e litígio em suas várias formas.  Ela estudaria e participaria do que ele aprendesse. Em troca, propunha ser uma espécie de secretária senior. Desse jeito faria o estágio com ele.

Nada de namoro nem de morar junto. Veremos, veremos, pensou ele. Só dividiriam despesas havidas com o estágio previsto por um ano passível de extensão por mais um. Demitiu-se um mês antes dele seguir para os EE.UU. Embarcou uma semana após.

Levou quase um mês para sistematizar sua nova vida. Seu colega só ajudou na procura antecipada de um JK pra alugar. Lembra? Quarto e sala, mas foi gentil, ficava duas quadras do AP dele, maior e mais confortável maliciosamente colocado à sua disposição. Agradeceu e, sorridente, dispensou a gentileza.

Sua vida era estudar, supermercado, estudar, estudar e estudar. Quando estava quase no limite de atirar com a albarda ao ar foi convidada pela escola de polícia e aceitou participar de um exercício de investigação de crime com sinais de sadismo. Teria que apresentar suas conclusões por escrito e defendê-las oralmente. Poderia trabalhar isoladamente ou com um Grupo. As reuniões seriam numa das salas de aulas de escola ginasial no west side de NY há uma hora por metrô desde seu apartamento.

Logo entendeu o porquê da eficiência policial local: havia tudo de mais moderno e eficiente à disposição, inclusive policiais dos mais qualificados. Ficou assustada e depois mais assustada ainda com o que viu e ouviu. Intimidada, não obstante, foi em frente.

Conforme seu temperamento iniciou de imediato a investigação. Logo percebeu que suas observações tinham sentido diverso do resto do grupo. Não gostava do rumo que as coisas estavam tomando. Isso a irritava, mas como era ouvinte, estava ali de favor, engolia os sapos. Além disso, explanava sua teoria de maneira diferente, por isso o grupo passou a chama-la de Poirot e pelo brithish accent, de Watson, depois, de Sherlock. Ficou aborrecida, mas após duas semanas passadas em reuniões e debates resolveu passar por cima de tudo e de todos.  Desenvolveu um lado secreto na sua investigação fazendo reuniões com os policiais orientadores e mantinha sigilo total sobre o que estava escrevendo. Fez um único pedido. Concluiu seu trabalho uma semana antes do grupo que estava louco por conhecer sua explanação sobre como aconteceu e praticado o fake crime.

Após o término do prazo preestabelecido, houve reunião solene onde cada elemento do grupo fez longa apresentação expondo teorias as mais diversas recebidas discretamente com palmas. Conforme seu pedido, Mica foi a última a fazer apresentação do trabalho. Apresentou o fato delituoso. Apontou os personagens envolvidos, sinais de suas atividades pré e pós delito, seus álibis, fatos indicados eram comprovados, apresentou anotações e pesquisa que lhe proporcionaram experiências que a levaram à realidade do crime e a buscar entender a que ponto pode chegar a violência e a crueldade dos criminosos. Lamentou a falta de um possível vingador que poderia ser agressivo e corroborar com a trama do fato policial.  Chocou a todos – inclusive aos policiais com que havia tratado, revisado e redigido o boneco de sua argumentação – quando apontou para um desenho fixado numa das paredes da sala e disse: Ali, naquele desenho está apontada a assassina matando a vitima com o martelo que está colocado na prateleira ao nosso lado. Foi uma gritaria enorme. Depois de muita Ordem! Ordem! Terminou por expor seu trabalho inclusive dizendo que a comissão dos orientadores havia colocado o quadro muito perto do centro da parede. Ao término foi silêncio geral a que se seguiu verdadeira ovação.

Telefonou ao Nelson. Entusiasmada, contou do acontecido dizendo que para celebrar levaria o jantar a comprar na padaria da esquina; que providenciasse duas garrafas de prosecco. Queria “viajar”, mas ter os pés no chão. Talvez demore, falou só para fazer suspense.

Há muito tempo não sentia arrepios de tanta emoção e portava certa ansiedade. Queria que tudo terminasse bem. Sabia que a realização dependeria do que fizesse. E se...Faria?
Não é preciso expor o que aconteceu antes, durante e depois do jantar. Poderão imaginar.

Digo apenas que a TV ficou muda, a comida esfriou e as cobertas e roupas ficaram espalhadas pelo chão e que ela, vibrante, dizia:

VEREMOS! VEREMOS!

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