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AQUELA BIBLIOTECA - Ledice Pereira






AQUELA BIBLIOTECA
Ledice Pereira



Aquela sala imensa abrigava as mais belas coleções de livros. A biblioteca passara de pai para filho e deste para os descendentes. Começara a se formar nos primórdios do século passado e vinha atravessando o tempo, passando de geração a geração. Todos haviam herdado o gosto pela leitura. Ali, tornara-se um ponto de encontro do qual, principalmente os mais velhos, sentiam muito orgulho.

Os pequenos se acostumaram a passar horas ali em meio à fantasia que os livros lhes permitiam ter.

Um prato cheio para todos os gostos e idades.

A mansão, cobiçada por grandes incorporadoras, ficava em lugar nobre da cidade. Mas não estava à venda. A família sequer cogitava disso.

No local, viviam duas irmãs de meia idade e o primo Norberto, que chegara à capital com ideia de retornar ao campo, mas, por insistência das primas, foi ficando, ficando, fazendo bicos ora aqui, ora ali. Como o rapaz era jeitoso e curioso, as pessoas iam indicando umas às outras. Com isso, ia se virando.

As irmãs, ambas bibliotecárias, tinham muito ciúme de seus livros e gostavam de elas mesmas limpar e higienizar aquela quantidade de volumes. Entretanto, atualmente, pela dificuldade que a artrite lhes impunha, resolveram contratar uma diarista, duas vezes por semana, só para cuidar da limpeza do local.

A moça foi muito bem recomendada, mas em matéria de alfabeto, tinha enorme dificuldade.

Foi assim que os usuários do local passaram a não encontrar o livro de que necessitavam, antes tão facilmente à mão. Procurava-se Carlos Drummond de Andrade, encontrava-se Celso Furtado. Queriam Jorge Amado, davam de cara com José Lins do Rego.

A moça conseguiu nos dois primeiros (e únicos) dias de trabalho desorganizar a biblioteca.

Até as crianças, que já circulavam com certa desenvoltura por ali, se sentiram perdidas naquela barafunda.

As irmãs resolveram dar ao primo a tarefa de reorganizar o espaço.

E qual não foi a surpresa do rapaz quando começou a ouvir um zum zum zum dentro da prateleira.

A princípio, pensou em sair correndo. Achou que fossem as almas dos escritores e poetas.

Resolveu chegar o ouvido mais perto e concluiu que quem se comunicava eram os livros entre si. Acostumados a viver ali por anos a fio, não se conformavam de terem sido deslocados daqui para ali e de lá para cá, sem nenhum critério e, principalmente, sem que se respeitasse a ordem alfabética a que estavam acostumados. Uns, mais raivosos, incitavam os demais a se lançarem ao chão numa atitude suicida. Os mais velhos tentavam conter a rebelião. Os jovens gritavam palavras de ordem, batendo sobre as prateleiras num ritmo cadenciado. Dos compêndios de História das Guerras Mundiais, soldados começaram a se deslocar, empunhando espadas, submetralhadoras e até granadas.

Norberto estava aterrorizado. Jamais havia presenciado tal movimento, ainda mais vindo de livros. Seu coração batia fortemente. Tentava se esconder pois temia ser atingido por uma bala perdida.

De repente, sentiu-se seguro por duas mãos fortes e peludas. O susto foi tão grande que ele gritou o quanto pôde.

Foi sacudido fortemente por aquelas mãos até que abriu os olhos.

As primas ajoelhadas procuravam acordá-lo, sacudindo-o.

─ Uffa!─ Norberto tinha o corpo molhado de suor ─ Que bom que me acordaram! Eu estava tendo um pesadelo horrível! E o rapaz aceitou o chá que as primas aflitas lhe trazia. Podia sentir ainda as batidas descompassadas de sua pulsação.


2 comentários:

  1. Lê. Adorei sua história com os exércitos saindo dos livros e invadindo o espaço. Se não fosse um sonho daria para transformar em conto de terror.
    Bj

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  2. obrigada, Ises. Tive que apelar pra um sonho. bjs

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