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A Força do Destino - Paulo A. Abrahamsohn




A Força do Destino
Paulo A. Abrahamsohn




Corria o ano de 1932. Uma manhã um bando de cangaceiros chefiados por Zé do Baio chegou ao vilarejo de Pedra Alta, no sertão da Bahia. Na praça do mercado prenderam seus cavalos nos postes. Era um pequeno grupo de 12 a 15 jagunços, cansados e muito empoeirados, rostos sofridos pela vida dura sobre montarias, pele enrugada, maltratada pelo sol. Zé do Baio já tinha passado pelo melhor de sua idade e cabelos brancos avançavam para fora do chapéu de couro. Outros jagunços também estavam ameaçando cabelos brancos nas têmporas.

Preocupados, os habitantes do vilarejo formaram um pequeno grupo que se dirigiu à casa do Prefeito. O administrador municipal tinha acabado de acordar e, ainda em trajes de dormir, os atendeu surpreso, prometendo que rapidamente ia ter com os cangaceiros.

Na praça do mercado procurou pelo chefe do bando e se apresentou dando-lhes as boas-vindas.

— Bons dias, Prefeito. Sou o Zé do Baio. Viemos para ficar uns três a cinco dias para descansar na sua vila. Estamos há alguns meses correndo de lá para cá e precisamos de um repouso.

— Fiquem em paz. Temos um rio com água limpa logo aí adiante e uma boa feira amanhã.

João Tavares se deteve curioso a olhar fixamente para o jagunço, havia algo nele que lhe parecia familiar:

— Será que conheço vosmicê, Zé do Baio. Já esteve por aqui? Já conhece a vila?

— Não, Prefeito. Nunca estive aqui neste lugar.

O prefeito não se conformava com a aparência familiar de Zé do Baio. Mesmo receoso, como gesto de boa vontade e para mantê-lo por perto para clarear suas lembranças disse:

— Hoje é o aniversário de minha filha. Faz 17 anos. Vai ter uma grande festa com baile hoje à noite no salão da Igreja. Estão todos convidados.

A festa corria animada. O salão cheio de convidados estava enfeitado com bandeirolas de papel de muitas cores. Várias mesas com salgados, doces e um grande bolo chamavam a atenção dos convidados. Maria de Fátima, a filha do Prefeito estava radiante. Muito bonita vestia um vestido novo cor de rosa todo bordado. Ela era sem dúvida a rainha da festa.

Mais tarde, com Zé do Baio à frente, chegaram os cangaceiros. Todo mundo ficou impressionado com seu aspecto. Tinham tomado banho no rio e trocado de roupa. Disciplinados, cumprimentaram o Prefeito, a aniversariante e os convidados. Pouco a pouco se dirigiram às mesas para saborear a comida, muito diferente das pobres refeições que comiam no seu dia a dia.

Chegaram um sanfoneiro, um tocador de bumbo e um tocador de triângulo e se prepararam para dar início ao baile. A música ia animada e muitos começaram a dançar, inclusive vários dos cangaceiros. Um dos jagunços, o mais novo de todos, magro e alto, de uns 20 anos, procurou o Prefeito e pediu licença para dançar com sua filha. Atendido seu pedido, aproximou-se sorrindo de Maria de Fátima e perguntou se queria dançar com ele. Dançaram uma vez, duas vezes, muitas vezes. Sorriam um para o outro com olhares enlevados.

Em um canto do salão, sentadas em torno de uma mesa, um grupo de moradoras do vilarejo observava o par enquanto faziam crochê.

— A Maria de Fátima está muito linda, não é? Está muito feliz.

— Aqueles dois formam um par muito bonito. Até que são um pouco parecidos, não é?

As outras concordaram com a relativa semelhança entre os dois.

— Que bom que deu tudo certo para a Maria de Fátima, depois daquela tragédia.

— Que tragédia? Disse uma terceira - Nunca ouvi falar disso!

— Você ainda não morava na vila, Quitéria. A Aparecida que conhece melhor o caso vai contar para você.

— Um dia, há uns 15 anos, chegou na vila um bando de cangaceiros. Eram muito violentos. Entraram na casa de muita gente para roubar o que tivesse de valor.

- Conta o que aconteceu na casa do Tancredo.

- Lá foi o pior. Ele era um homem muito trabalhador, conseguiu montar uma boa casa e tentou resistir ao assalto. Um dos jagunços se irritou e acertou o Tancredo com um tiro de garrucha na frente da Carmo, a esposa, da filha Maria de Fátima que devia ter uns dois anos e do filho Valério, que era um pouco mais velho. Tancredo morreu na hora.

— Que tragédia horrível.

— Logo depois disso os jagunços fugiram e levaram o menino embora. A mãe, morreu de desgosto depois de alguns meses deixando a Maria de Fátima sozinha e desamparada. Tavares, nosso Prefeito, casado com a Coralina, era o Tabelião da cidade na época. Como não tinham filhos adotaram a Maria de Fátima. Com o tempo, ela se recuperou da infelicidade. Mas do irmão nunca se soube nada.

Fim de festa. Os convidados foram se despedindo e se retirando para suas casas. Os cangaceiros se encaminharam para a praça onde estavam acampados. O jovem jagunço dançarino caminhava junto com Zé do Baio.

— Padrinho. Posso falar consigo para pedir uma coisa?

— Pode, meu querido Antônio.

— Minha vida se transformou. Conheci uma pessoa maravilhosa. 
A Maria de Fátima. Quero pedir ao Padrinho a permissão para namorar com ela e depois pedir ela em casamento.

O cangaceiro empalideceu e, muito perturbado, respondeu:

— Não, não permito, de jeito nenhum.

— Mas, por que Padrinho?

— Por que? Por que? Porque não. Você ainda é muito jovem para casar e ter família. Além disso a família do prefeito é muito superior a nós jagunços. É outra categoria de gente. Não pode se misturar.

Na manhã seguinte Maria de Fátima mal acordou, vestiu-se, arrumou-se toda e saiu correndo para a praça para encontrar seu amado.

Mas, a praça estava vazia. Não havia ninguém. Os cangaceiros tinham ido embora de madrugada.

E somente restaram lágrimas de primeiro amor nos olhos de Maria de Fátima.

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