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Amiga desligada ou ... - Ises de Almeida Abrahamsohn



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Amiga desligada ou ...
Ises de Almeida Abrahamsohn



Você provavelmente tem entre seus amigos alguém do tipo classificado como desligado (a). Com certeza sabe a que eu estou me referindo. São pessoas possivelmente de várias virtudes, mas cujo defeito é serem desligadas. Existem em vários padrões. Aliás, será que alguém já fez um catálogo das múltiplas manifestações de “desligamento” ?

Minha amiga Neusa é um espécimen pertencente a esse grande contingente. Isso não quer dizer que ela esteja fora do mundo ou que não preste atenção ao que acontece ao redor. Pelo contrário, ela é muito, digamos assim, ligada nas coisas que lhe interessam diretamente como finanças, viagens, cinema, etc.  Mas creio que alguns aspectos da biologia lhe escapam totalmente. Talvez por ter se encaminhado para o estudo de humanidades.

Adora cães e gatos embora nunca tivesse de fato possuído um vivente de quatro patas. Até que surgiu o Petisco. Um filhote mestiço de siamês, miando de cortar o coração,  abandonado sorrateiramente à porta do seu prédio. Neusa saía para trabalhar quando viu o enjeitado e salvou-o das garras do vilão, no caso o porteiro que com a vassoura estava a enxotá-lo. Compadecida, acolheu e se afeiçoou ao gato que realmente era muito simpático. Eu, inclusive, lhe disse que o bichano, logo batizado de Petisco, parecia um gato bem comportado e de bom caráter. Era uma boa companhia para Neusa que, após dois noivados desfeitos, estava um tanto desiludida com o sexo masculino.

 Porém aconteceu que a mãe de Neusa, moradora em Palmas, Tocantins, adoeceu e Neusa teve que acudir a velha senhora. Tirou um mês de férias do escritório de marketing onde trabalhava. O que fazer com Petisco? Ninguém de seus conhecidos quis ficar com o bichano durante esse período. Neusa não queria hospedar o animal num desses hotéis veterinários por melhor que fosse. Seria cruel com seu animalzinho, dizia ela.  Imagine o stress de ter que conviver com os outros hóspedes felinos ou caninos e ser alojado em gaiola.

Foi então que sobrou pra mim.

Não pude negar. Me pediu com os olhos rasos d’água (que clichê mais batido!), mas era mesmo assim, ela estava à beira do choro. Eu era a sua última esperança e além do mais eu morava numa casa com jardim. Não podia alegar a desculpa dos outros de que o prédio proibia animais.

 Assim o Petisco veio para minha casa. Arrumei sua cama na lavanderia. À noite ficava trancado, mas durante o dia via-se que apreciava muito a liberdade do jardim e elegeu uma cadeira de vime do terraço para tomar sol durante a manhã. O gato se deu bem comigo e à tarde me fazia companhia deitado no pufe do escritório. Notei que estava com o pelo mais brilhante e certamente tinha engordado. Confesso que eu comprava às vezes comida especial para ele. Achei que facilitaria a nossa interação. A ração seca de todo dia era monótona.

Quando Neusa ligava de Palmas não deixava de ansiosa, perguntar pelo seu querido Petisco. Teria que ficar mais algum tempo além do programado. Creio até que ela estava com ciúmes por ele estar tão bem acomodado em minha casa.

Foi quando aconteceu o inesperado. Ao abrir a porta da lavanderia de manhã para soltar o gato, lá estava o Petisco que me olhou orgulhoso exibindo a ninhada de cinco filhotes de várias cores acomodados junto à sua barriga. Pois é.... O Petisco virou Petisca. Neusa terá que escolher algum outro nome, esse soa agora estranho.

O certo é que eu não vou dar conta de achar um lar para os 5 gatinhos.

Foi o que comuniquei para Neusa no último telefonema.

Neusa prometeu que em duas semanas estará de volta. Fiz as contas. Prenhez de gato leva oito semanas.  Portanto o felino já veio prenhe.

Será que ela não percebeu que o gato era gata? 

Amiga desligada? Ou ...


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