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A ÓPERA EM SÃO PAULO NOS ANOS 50 - Oswaldo U. Lopes


Mario del Mônaco em O Guarani


A ÓPERA EM SÃO PAULO NOS ANOS 50
Oswaldo U. Lopes




         Embora meu pai fosse de nobre ascendência portuguesa, minha família era tipicamente italiana. Minha mãe, brasileira, mas de ascendência peninsular, Calábria, era a coluna do conjunto. Meu pai inclusive aprendeu ou sabia italiano.

         Ou seja, éramos uma família paulista da primeira metade do século XX. Os costumes eram italianos, a comida idem e as amizades também. Os que agora falam em empoderamento feminino, apenas nos dias de hoje, não conheceram o mundo em que vivíamos.

         Lembro-me da paixão pela ópera. Havia na minha casa um grande baú e dentro partituras completas. Volumes grossos que continham a música e a letra das mais famosas. A maioria Verdi, como seria de esperar. Discos completavam a festa. As conhecidas bolachas de 78 rpm, Enrico Caruso, Tito Gobbi, Beniamino Gigli entre outros.

         A família de minha mãe chegou a ter uma frisa no famoso Teatro Colombo, Largo da Concórdia, e ela contava ter visto o próprio Pietro Mascagni regendo, entre outros.

         Assim, não foi de espantar que aos 14 anos eu começasse a ver óperas. Meu irmão era muito amigo de um sobrinho de Alfredo Gaglioti, famoso empresário que organizava, no Teatro Municipal, grandes temporadas, todas recheadas de nomes do primeiro escalão operístico.

         Entre outras figuras, lá apareceram Renata Tebaldi, Maria Callas, Beniamino Gigli, Mário del Monaco, ou seja, o chamado primeiro time, gente que se apresentava ou já tinha se apresentado no Metropolitan de Nova York.

         Assim, lá estava eu, em pleno Municipal assistindo várias óperas! Confesso que a decepção foi grande, só voltei a assistir esse tipo de espetáculo, anos mais tarde em Londres e uma única vez.

         Não lembro a ordem, mas lembro das imagens. A ópera era a Traviata, Verdi, famosa e baseada na Dama das Camélias de Alexandre Dumas Filho. Violeta, a cortesã, é jovem e vai morrer tuberculosa. Na cena final em que ela cai morta no colo de Armando (tenor), Renata Tebaldi não teve dúvidas e largou o corpo e se jogou para cair nos braços dele.

Ele também não teve dúvidas ante a ameaça daquele volume desabando em cima de si, jogou uma perna para trás e deu um sonoro Hugh! Como que sabendo o que estava por vir. O riso tomou conta da plateia.

         Não fui o único a rir. Vejam como Roberto Gaglioti, filho do empresário, descreveu as duas divas:

“ - Tebaldi fazia um tipo másculo e Callas era gordona.”

         Parece que esta maldição das sopranos corpulentas vem desde sua primeira apresentação. Salvini-Donatelli sua primeira interprete, não tinha nem um pouco a aparência tisica e a cena em que ela morre tuberculosa foi recebida com risos.

Os que têm na memória uma Maria Callas magra e esbelta deveriam saber que no período, fim de 1953 início de 1954, ela fez um regime rigoroso e perdeu 36 kg. A encantadora Norma (Bellini) que nos acostumamos a ver, veio depois dessa monumental perda de peso.

Os que hoje se deliciam ante as figuras bonitas e finas de Anna Netrebko, Patrícia Janeckova e Elina Galanca (mezzo-soprano que o Mozarteum está trazendo a São Paulo) não fazem ideia do corpanzil das divas de antanho.

A ópera é um combinado de representação teatral associada ao canto. O tipo físico tem que se associar ao papel. Não é outra a razão pela qual cantores, como Luciano Pavarotti, Montserrat Caballe, Jesse Norman, preferiam ou só faziam consertos evitando o vexame da representação em cena de papéis para os quais seus corpos não mais se coadunavam.

Nessa temporada ainda teve Mário del Mônaco, um tenor famoso, mas já um pouco gordo, cantando o Guarani, vestido apenas com umas poucas penas. Plácido Domingos, que aparentemente achava essa ópera graciosa, levou-a à cena nos USA, mas dado seu corpo preferiu usar um traje de índio americano em vez do necessário, de penas.

É da mesma ocasião o episódio Beniamino Gigli, tenor de prestigio, mas já avançando na idade. A ópera era Tosca (Puccini) e o personagem Mário Cavaradossi vai ser fuzilado ao amanhecer e canta conhecida área: “E lucevan le stelle”.

         Gigli esmerou-se e embora idoso deu o melhor de si. O teatro veio abaixo pedindo bis. Como é costume, no caso de bisar uma área o personagem não mais a encena, mas vai à frente do palco e canta. Foi o que fez Gigli para delírio da plateia.

Foi aí que, naquele intervalo entre o vai dar outro bis ou não, que se fez ouvir uma voz vinda lá de cima da galeria;

“ - Não dá outro que você morre”.

         O Teatro Municipal de São Paulo embora não seja pequeno não é dos maiores. A galeria fica visivelmente próxima do conjunto e a voz ecoou pelo teatro todo e junto vieram as risadas, de início meio abafadas e depois em jorro. Gigli ficou como que perdido sem entender nada, mas o maestro Armando Belardi percebeu claramente o acontecido e seguiu a música sem titubear, fazendo o som da orquestra abafar o riso.

         Os ingleses acham que a ópera é um espetáculo completo no sentido que requer uma orquestra, cantores especiais que também representam, coro e um corpo de baile. Na maioria das partituras clássicas, é comum trechos em que se ouve um coro cantando, ou um grupo executando uma dança.

         Foi assim, pagando caro e com pouco entusiasmo, que fomos assistir um Rigoletto no Covent Garden, em Londres (1975). Eu não tinha mais 14 anos, mas 38. O tenor estava debutando na Europa, era finlandês e seu nome Peter Lindroos. Confesso que não me entusiasmei e aplaudi para ser educado. A surpresa foi assentar o binóculo para uma mesa ao fundo do cenário em que convivas do Duque de Mântua fazem uma refeição.

         É preciso atentar para o conjunto. Em primeiro plano o tenor canta “ La Dona e Mobile”, um pouco mais atrás seus convidados dançam, e lá no fundo a mesa com o jantar. Apontei o binóculo para a mesa e, pasmem, um convidado servia outro de uma garrafa e o líquido que vertia era tinto, cor de vinho. Vai ver era até o próprio.

         Essa história me lembra outra, de um brasileiro, meu amigo, que fazia uns bicos nas produções do teatro inglês como figurante.

 No Macbeth há uma cena em que durante uma ceia o próprio vê o fantasma de Banquo e começa a falar, como que delirando, assustado com a aparição. Como ninguém mais está vendo o vulto a fala de Macbeth parece pura loucura.

O comando do diretor era que os convidados nesse momento conversassem entre si. Foi assim que meu amigo, num inglês bem razoável perguntou ao vizinho também figurante:

- O que se passa com ele?

- Ataque de hemorroida, foi a resposta o que fez meu amigo enfiar a cara no prato para não sufocar de rir.

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